247 – Em artigo publicado no dia 11 de setembro
deste ano, o jornalista Chiqui Avalos, um dos mais importantes do Paraguai,
garantiu que a conta de Romário no BSI é verdadeira. E diz ainda que o
banqueiro André Esteves pode ter facilitado as coisas para o senador. Confira:
Por Chiqui Avalos // http://www.brasil247.com/11
de Setembro de 2015
Demorou décadas, mas o mundo despertou para o
pesadelo de uma das máfias mais organizadas e lucrativas de todos os tempos: a
do futebol. Era um segredo de polichinelo, que pensava esconder algo tão podre
e condenável quando todos já o sabiam.
Foram o biliardário Sheik do Qatar, afundado nos
petrodólares e sem saber o que fazer com tanto dinheiro, e o líder russo Putin,
em sua disciplinada luta por manter um poder quase absoluto, os responsáveis
indiretos pela detonação da gang que dominava (e ainda domina) o mais popular
esporte do planeta.
Os líderes da FIFA, um organismo dos mais poderosos
e menos fiscalizados existentes, venderam a realização de Copas do Mundo para o
emirado petrolífero e para o ex-império soviético. Venderam e receberam. Coisa
de bilhões. Propinas para todos os dirigentes e altos executivos do organismo
máximo do futebol. E daí para a explosão, via Justiça norte-americana, foi um
pequeno grande passo.
Num dia da primavera suíça, às margens do plácido
lago de Genebra, alguns dos mais importantes chefões do futebol mundial
despertaram com a polícia helvética e seus implacáveis colegas do FBI dentro de
suas suítes do luxuoso hotel Baur Au Lac. Dos colchões de pena de ganso e dos
lençóis de algodão egípcio para camas de concreto de austeros cárceres dos
frios e impessoais suícos. Um pesadelo na vida de potentados acostumados a
singrar os céus em jatos executivos, se divertirem com belas modelos, comerem
nos melhores restaurantes e se afogarem em taças de champanhe Cristal ou em
fartas doses do melhor velho malte escocês. Em segundos desceram do paraíso de
vidas desregradas e opulentas para o inferno de um futuro quase certo, o de
passar o resto de seus dias em prisões yankees.
Muitos são os segredos agora revelados. Os já
conhecidos e os que brotam como cogumelos venenosos do tecido putrefato da
FIFA, da Conmebol e das entidades nacionais em vários países: Venezuela, Brasil
(da gang chefiada pelo imortal João Havelange e seu ex-genro, o bandido Ricardo
Teixeira), Costa Rica, Uruguai (do rato Eugenio Figueiredo), Argentina (do já
morto Júlio Grondona), e de outros da mesma extração imoral.
É muito pouco provável que o futebol passe por uma
mudança ética, que deixe de servir para o enriquecimento de alguns e a lavagem
de bilhões em moedas fortes, para a utilização indevida em atividades
criminosas de um esporte que é a paixão dos povos. Mas, seguramente, haverá
alguma mudança para melhor. Um câmbio saudável. Algo de decente num
meio-ambiente onde convivem tipos humanos desprezíveis e um esporte com méritos
de superação e arte.
Além dos esforços da Justiça dos EUA, através da
procuradora Lynch e das investigações profundas do FBI (norteadas por algumas
delações de criminosos que se dizem arrependidos mas, em verdade, querem é bem
menos anos nas celas apertadas e frias de Sing Sing), colegas da imprensa estão
cumprindo o seu papel com livros espetaculares como o "Ugly Game",
onde os jornalistas Heidi Blake e Jonathan Calvert, que trabalham no Sunday
Times, mostram como o Qatar comprou a Copa do Mundo. A impactante obra foi
publicada pela famosa editora Simon A. Schuster. Meu filho Cesar, estudante de
física nuclear na Califórnia, leu, encantou-se e me repassou o livro com apenas
uma observação: "irrespondível".
Mas há coisas absurdas, como o obsequioso silêncio
da imprensa paraguaia diante do destino já anunciado do ex-poderoso Nicolas
Leoz, um dos capos da FIFA, que escapou de ser preso em Genebra e hoje cumpre
prisão domiciliar em Assunção. Longe vai o tempo em que ele era nome de avenida
no Chile e de estádios no Paraguai, recebia comendas e medalhas em países da
América Latina, era o alvo de festas e homenagens nos cinco continentes. Já é
passado o seu imponente jato Challenger voando com o então presidente
paraguaio, o sibarita Fernando Lugo, e suas alegres prostitutas, e as portas
dos palácios se escancarando à sua chegada.
Velho e doente, o bilionário Nicolas Leoz está nas
mãos de um juiz extremamente sério, profissional, imune às pressões políticas e
à corrupção do dinheiro roubado. O FBI já tem pronto o plano de vôo de um de
seus aviões cargueiros para levar (para sempre e para nunca mais) o homem que
saqueou o futebol mundial, que exigiu dos ingleses um título (jamais concedido)
de "Sir" para votar pela realização da Copa no Reino Unido, e que, em
poucos meses, perderá o nome e o sobrenome, sendo apenas um número estampado em
seu uniforme de presidiário nos EUA.
Não sei como irei fazer para enviar a Leoz o meu
próximo livro. E nem acredito que ele queira ler "Leoz e a máfia do
futebol"... Creio, mesmo, que os norte-americanos até lhe facilitem a
leitura dos feitos e mal feitos de sua longa trajetória como dirigente máximo
do futebol paraguaio e da Conmebol. Lá estarão seus negócios com o Qatar e a
Rússia, seus negócios com o Delta Bank em Miami e com o (pasmo!) Banco do
Brasil em Assunção, lavando centenas de milhões de dólares, os tempos de
opulência onde ele comprava edifícios, hospitais e tudo o que lhe dava vontade
com cheques da própria Conmebol. Lá estará a lembrança do tempo incrível onde
ele conseguiu que um presidente do Paraguai desse imunidade diplomática à sede
da Conmebol! Lá estará um tempo que passou, que acabou, que não há mais.
A morte salvou Julio Grondona, um marginal
argentino que comandou o futebol platino com a fúria de um Galtieri e um
sorriso de Perón. Rico, muito rico, morreu antes que conhecesse os rigores do
cárcere. O uruguaio Eugenio Figueiredo, está preso em Genebra. Logo irá cruzar
o atlântico norte e será dissecado pela Sra. Lynch e pelos interrogadores do
FBI. Sua vida, permeada pela corrupção administrativa e o tráfico de
influência, será relatada por um dos mais sérios profissionais de imprensa, o
jornalista uruguaio Diego Muñoz, em um livro criterioso e revelador. Afinal de
contas, ele fez história. Má história, mas história, enfim.
Na Argentina e no Paraguai os governos não
demonstram muito ímpeto em limpar o futebol. O presidente paraguaio é dono de
um time cujo estádio leva o nome de Leoz. Preciso falar mais? No Brasil, Dilma
não demonstra ímpeto para nada, apenas para fazer mais trapalhadas, uma
especialidade que a eternizará como uma infame. No Uruguai Tabaré Vasquez,
correto e sério, nunca escondeu o seu horror a Figueiredo e suas praticas
criminosas. E por aí vamos. O que não fizemos, o FBI está fazendo por nós.
No Brasil a coisa está um pouco estranha: há uma
Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da República investigando a máfia
do futebol. Mas o cenário de degradação moral no Brasil é tão terrível, tão
escandaloso, que o ex-futebolista Romário, hoje senador, é o presidente da tal
CPI. Conversando com um estimado amigo, delegado da competente Polícia Federal
brasileira e que me foi apresentado por outro amigo, o saudoso Romeu Tuma (a
quem inclusive dediquei um livro), recordamos a vida pregressa do
"peixe" ou "baixinho", como a antipática figura do agora
político é conhecida.
Romário não deve e não pode investigar a máfia do
futebol, pois esteve sempre de braços dados com ela. Como jogador – igual a
outros tantos – trafegou as fortunas que ganhou a cada novo time em que foi
atuar, pelos mesmos meandros delituosos que hoje custam ao jovem craque Neymar
multas milionárias e sanções duras na justiça da Espanha e na receita federal
brasileira pelas fraudes milionárias praticadas por seu pai e empresário, nada
diferentes daquelas da máfia ou do narcotráfico. Não estivessem em jogo
interesses de clubes e grandes empresários da Espanha e do Brasil, o papai de
Neymar já estaria algemado e preso. Romário, também, foi apêndice de Ricardo
Teixeira, imperador do futebol brasileiro por mais de duas décadas. Romário foi
comensal de Nicolas Leoz. Romário fez festas (algumas impublicáveis), comendo e
bebendo, compartilhando vícios e prazeres, com esses bandidos que estão presos
e às vésperas de extradições pedidas pelos EUA.
Como o Conde Drácula pode investigar o banco de
sangue? "Coisas do Brasil", me responde o amigo delegado. Não é
segredo para ninguém, no meio empresarial, político, financeiro e de imprensa
do Cone Sul, que dezenas (talvez centenas) de jogadores de futebol esquentaram
dinheiro sujo, lavaram seus ganhos em contratos obscuros, através de duas famílias
de banqueiros: os Peirano, do Uruguai, e os Rohm, da Argentina. Banqueiros
influentes em seus países e em todo mundo, colocaram instituições como o Banco
Velox, o Banco Pan de Azucar, Banco de Santa Fé, Banco de Montevideo, Banco
Comercial del Uruguay, Banco Aleman Paraguayo, dentre outros, de uma enorme
teia financeira, lavando dinheiro de políticos corruptos (como Carlos Menem e
outros), de dirigentes esportivos (como Nicolas Leoz, Ricardo Teixeira e
outros), e de jogadores de futebol, também. Desnecessário dizer que todos esses
bancos sofreram intervenções oficiais por conta das práticas criminosas que
adotaram para atender essa quadrilha de clientes.
Será que o impoluto senador Romário, que quer
limpar o futebol brasileiro mas não quer quebrar o sigilo fiscal e bancário da
poderosa Rede Globo de Televisão, se recorda especialmente do Banco Aleman
Paraguayo? E dos senhores Castillo, Sorrentino e Peterlik? E da presteza com
que eles e os executivos do Banco Comercial, em Montevideo, tramitaram fortunas
em contas abertas por gente que hoje urra pela moralidade? Duvido. E do Trade
Comercial Bank, da família Peirano, em Cayman Island? Era lá que se
"consolidava" (essa a palavra mágica!) todas as operações de lavagem
de políticos, artistas, narcotraficantes, empresários e... jogadores de
futebol! Jogadores brasileiros são quatro. Adivinha quem é um deles? Garanto
que não é o inesquecível ídolo de minha juventude, o Garrincha, que morreu
pobre.
Romário, e eu sempre admirei o seu futebol, é um
hipócrita. Mas, certamente, é homem de absoluta sorte. Um extrato de conta a
ele atribuída num banco controverso da Suiça italiana, o BSI, caiu nas mãos da
revista Veja, outrora muito respeitada e hoje envolvida na luta política no
Brasil. Romário seria dono de uns tantos milhões. Nada que não possa ser
verdade para quem faturou fortunas em clubes do Brasil, Europa e Oriente Médio.
Porém o senador voou imediatamente para a Suiça e voltou ao Brasil com uma foto
irreverente, com os braços abertos diante de um lago, negando a tal conta e
amparado por uma nota oficial do BSI.
A esquerda brasileira, no afã de golpear a revista
da família Civita (aliás, parceira da ditadura militar argentina num episódio
horrível, a tomada de uma fábrica de papel de imprensa da família do falecido
empresário judeu-argentino David Graiver, o "banqueiro dos
Montoneros"), fortalece a posição de Romário promovendo um festival nas
redes sociais com a tal nota do BSI. E os inimigos da CBF e da máfia do
futebol, o apoiam como se ele fosse um angelical mensageiro do Senhor na luta
contra as ratazanas do esporte bretão. Que impressionante!
A Veja não soube se defender, não questionou a
postura do banco nem pediu uma investigação rigorosa. Pode não ter checado
antes, mas falhou no depois, também. E no delicado momento em que a grande
revista vive, tropeçou em uma simples falha de apuração desconhecendo as
imensas possibilidades de que tenha havido um acerto entre as partes, o banco
que administra dinheiro sujo e o depositante que jura até a morte que o seu
dinheiro não é seu.
No momento de burrice coletiva vivida por quase
todos os setores da vida brasileira, alguns detalhes foram solenemente
omitidos. Talvez, sequer notados. Na nota oficial do BSI
(http://www.romario.org/news/all/nota-de-banco-suico-confirma-que-extrato-da-veja-e-falso/)
há uma sutileza: se diz que "aquele" extrato é falso e que
"aquela" conta não tem o senador como titular. O banco não foi
peremptório, apesar de ensaiar um teatro e enviar à justiça a informação de que
o extrato publicado por Veja seria falso. E ainda há um fato curioso, no mínimo
curioso: pela primeira vez na história uma instituição financeira suíça deixou
o mutismo que faz parte da mítica dos banqueiros locais para defender um
suposto não-cliente e negar um documento sem que a justiça tenha lhe requerido
isso. Estranho, não?
Começa aí um enredo interessante: bancos suíços não
enviam extratos de contas (muito menos as milionárias!) pelos correios ou
sequer os imprimem. E o passado do BSI comporta muita desconfiança.
O BSI nasceu em 1873 e tem sua sede no Palazzo dei
Marchesi Riva, em Lugano, na flexível Suiça italiana, menos rigorosa nos
procedimentos morais e bancários que a exigente Suiça alemã (Zurich) e a
amedrontada Suiça francesa (Genebra). Quem quer malandragem vai pra Lugano. Foi
lá, por exemplo, que 9 em cada 10 hierarcas do regime de Strossner depositaram
o fruto de 34 anos de ditadura absolutista e corrupta. E jamais, mesmo presos
alguns e execrados todos, esses correntistas foram traídos pelo discreto e secular
BSI.
Desde julho de 2014, o BSI é de propriedade do
magnata brasileiro André Esteves. O dono do banco BTG Pactual pagou pelo BSI
impressionantes US$ 1 bilhão e 400 milhões. A conta do senador moralista seria,
portanto, anterior à aquisição de Esteves no cantão menos exigente da
confederação helvética. Estranha e feliz coincidência para o peixe...
Esteves é o receptador (essa é a palavra correta)
de campos de petróleo (e petróleo da melhor qualidade) na riquíssima e
convulsionada Nigéria. Foram-lhe repassados em negociação nebulosa pela
Petrobrás, antes da explosão que hoje expõe suas vísceras e a corrupção
endêmica que comprometeu a saúde da gigantesca empresa. Os policiais,
promotores e o juiz da Operação Lava Jato se esqueceram ou ainda não chegaram
ao banqueiro-petroleiro. E não seria com um senador escandaloso, atrevido e com
escassos inibidores comportamentais, como é Romário de Souza, que o exitoso
André Esteves iria se confrontar. É melhor ser gentil do que comprar uma briga
com um político midiático. Fui claro?
Prá que discutir com um senador que quebra um
imóvel que era seu e foi tomado pela justiça e vendido para um grande
empresário? E se confrontar com o impávido namorado da bela (pra quem gosta,
esclareço) transexual Talita Zampirolli, uma loura estonteante fotografada de
mãos dadas em lânguida troca de afagos com o guardião da moral do futebol
brasileiro? Pelear-se com um homem que tem coleção de Mercedes-Benz e 250 pares
de sapatos, segundo Eduardo Galeano na página 189 do seu celebrado livro
"Futebol ao Sol e a Sombra"? Confrontar com o homem que teria querido
ser o "cartola" do futebol feminino e suas dezenas de milhões de
dólares e, diante da recusa da CBF, tornou-se inimigo implacável da mesma CBF
que ele cortejava? Não, mil vezes não.
O que Romário está fazendo é tudo o que não deve
ser feito na limpeza do mais popular esporte do planeta. Trocar uma máfia
escancarada por uma máfia ainda não denunciada. O Deus dos gramados, das
arquibancadas e das bolas nos livre dessa derrota baseada em histórico gol
contra.
Termino cheio de esperanças. Há livros desnudando a
máfia do futebol. Há poderosos presos e investigações em curso. Recuso-me a
perder o amor profundo por meu time do coração, o Olimpia, e a sofrer e delirar
com as derrotas e as vitórias de minha Seleção paraguaia. Algo há de mudar e
pagarão caro os que converteram a digna paixão dos torcedores em negócio sujo e
mafioso.
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