Apesar do desprestígio que afeta Washington não há
na classe política deste país a vontade nem o interesse em reverter a
degradação moral.
Editorial - La Jornada // www.cartamaior.com.br
A Câmara de Representantes dos Estados Unidos
aprovou ontem uma proposta que prevê um gasto adicional de mais de 600 bilhões
de dólares na defesa nacional, e que, quando colocada em prática, limitará a
transferência de prisioneiros da prisão de Guantánamo para o território
estadunidense e para outros países. A lei cria um obstáculo para o fechamento
definitivo do campo de concentração mantido por Washington em território
cubano.
Ao abordar o tema, o presidente dessa instância
legislativa, o republicano Paul Ryan, disse que os presos de Guantánamo
deveriam permanecer onde estão. Tal afirmação significa uma nova negativa do
Capitólio contra a Casa Branca a respeito de suas tentativas de desativar a
prisão. Tal cenário acabou levando o governo de Barack Obama a declarar que
“não exclui nenhuma opção” para resolver essa luta, e que poderia inclusive
atuar sem o aval do Congresso – possivelmente, mediante uma ordem executiva –
para assegurar o fechamento do centro de detenção estabelecido por George W.
Bush.
Independentemente do previsível choque entre a
administração de Obama e a maioria republicana que controla a Câmara de
Representantes, o relevante do caso é que o mandatário está por iniciar o
último dos seus oito anos de governo sem poder concretizar uma das suas
principais promessas de campanha, que despertou entusiasmo e respaldo de um
setor importante da opinião pública nacional e internacional – o fechamento
definitivo de Guantánamo –, e que isso significará, inevitavelmente, uma
vergonha histórica e uma frustração para os setores sociais e progressistas dos
Estados Unidos.
Certamente, a impotência de Obama sobre esse
assunto se agravou desde que a oposição republicana tomou o controle de ambas
as casas legislativas, nas eleições do ano passado, mas começou a se manifestar
desde os primeiros meses do seu governo, quando o mandatário contava com o
apoio majoritário dos seus correligionários no Capitólio; desde então ficou
evidentes que o poder fático do complexo industrial militar era capaz de
resistir às diretrizes presidenciais, incluindo as de óbvia necessidade, como o
fechamento do campo de concentração de Guantánamo.
Agora, quando praticamente todas as decisões
presidenciais relevantes têm que passar pelo aval das maiorias republicanas,
Obama enfrenta a perspectiva de tensionar ainda mais o clima político com o
Legislativo, ou assumir uma grave derrota política.
Além da circunstância paradoxal de que o presidente
do país mais poderoso do mundo seja incapaz de avançar com um dos elementos
centrais de sua agenda, a persistência de Guantánamo ratifica a imagem dos
Estados Unidos como a de um país convencido em violar os direitos humanos e a
legalidade em escala mundial.
Apesar do desprestígio que afeta Washington, como
consequência dessas condutas bárbaras, anômalas e delitivas, empenhadas na
guerra contra o terrorismo, não há na classe política deste país a vontade nem
o interesse em reverter a degradação moral. Pelo contrário, ao tolerar e
continuar as práticas abomináveis e os tratamentos desumanos cometidos em
Guantánamo, o establishment estadunidense contribui para aprofundar esse
desastre.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Stephen Melkisethian / Flickr
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