Emir Sader // http://www.brasil247.com/
O Brasil saiu da ditadura como o
país mais desigual do continente mais desigual do mundo. O arrocho salarial,
como o santo do “milagre econômico”, tinha promovido o mais acelerado processo
de acumulação de capital e de desigualdade social que o pais já havia conhecido
em toda a sua historia.
Tivemos possibilidade de fazer
com que a democratização não fosse simplesmente a restauração do sistema
politico liberal, com a campanha das diretas. Tivesse triunfado, Ulysses
Guimaraes teria grande possibilidade de, munido com o programa de reformas estruturais
do PMDB, dar um conteúdo econômico e social à democratização.
A derrota da campanha, somada à
eleição pelo Colégio Eleitoral de um candidato mais moderado – Tancredo -, além
das contingencias que levaram a que Jose’ Sarney, em semanas, passasse de
presidente do partido da ditadura a primeiro presidente civil da democracia,
limitaram a democratização na direção do que a teoria do autoritarismo de FHC
tinha pregado: apenas a desconcentração do poder politico em torno do executivo
e a desconcentração do poder econômico em torno do Estado. Essa versão precoce
do neoliberalismo transformou a teoria do autoritarismo – segundo a qual não
tivemos ditadura, mas “situação autoritária, uma espécie de ditabranda – na
ideologia da transição conservadora no Brasil.
O fracasso do governo Sarney
esgotou o impulso democrático, levando consigo ao PMDB como partido da
transição, seu programa de reformas e a liderança do doutor Ulysses, permitindo
que um “filhote da ditadura” impusesse outra agenda ao país. Carros produzidos
no país como “carroças” e funcionários públicos como “marajás” comandavam o
marketing neoliberal do Collor.
Sua queda não impediu o triunfo
desse novo consenso. Atribui-se a Roberto Marinho, naquele momento, a afirmação
de que a direita não elegeria mais presidente, tendo portanto que busca-lo em
outro lado. A escolha recaiu sobre FHC, que se prestou a renunciar ao programa
social democrata originário dos tucanos, para seguir a trilha das suas
referencias europeias: de François Mitterrand e de Felipe Gonzalez, na
reconversão neoliberal da social democracia.
No país mais desigual do
continente mais desigual, FHC se elegeu e se reelegeu derrotando a centralidade
da questão social proposta pelo Lula, pela do ajuste fiscal. Foi eleito e
reeleito – como seus correligionários latino-americanos na mesma aventura:
Carlos Menem, Alberto Fujimori, Carlos Andres Peres, Carlos Salinas de Gortari,
Gonzalo Sanchez de Losada, entre outros, vários depostos por corrupção, alguns
dos quais foram parar na prisão -, até que, como eles, FHC também se tornou o
politico mais rejeitado do pais.
A trajetória de FHC reflete o
desencontro definitivo das elites tradicionais brasileiras com o país e com seu
povo. A vitória do Lula e a construção de um governo centrado na afirmação dos
direitos sociais da grande maioria da população, sempre marginalizada, tornou o
pais menos injusto, menos desigual, menos imoral.
Mas reconhecer essas realizações
por parte da elite tradicional seria reconhecer o seu fracasso, as suas
responsabilidades na miséria e na pobreza acumuladas frente à riqueza nas suas
mãos. Não tiveram a grandeza de reconhecer como a afirmação dos direitos das
grandes maiorias pobres faz do Brasil um pais melhor, uma sociedade mais
integrada e mais justa. Fizeram como se nada de importante estivesse passando
no Brasil e se lançaram à tentativa de derrubar o Lula por um impeachment em
2005.
FHC estava à cabeça do golpe,
pela sua incapacidade de reconhecer como seu projeto de estabilidade monetária
tinha se esgotado sem desembocar na melhoria social do povo. Enquanto que o
Lula teve a grandeza de reconhecer como a luta contra a inflação e a
estabilidade das contas publicar haviam sido incluídas no consenso nacional e
como deveriam ser incorporadas a seu programa de governo, mesmo se em função da prioridade fundamental – as
politicas sociais. A direita, ao invés de reconhecer os avanços do governo Lula
e incorpora-los, tratou de desconhece-los, de nega-los, e assim se desencontrou
do povo e do pais.
Foi assim se reconfigurando a
tragédia da elite tradicional brasileira, tentando centrar no papel do Estado e
na corrupção que traria, o centro dos problemas do pais, para acobertar os
avanços sociais, tudo o que resta a fazer nesse campo e como a centralidade da
especulação financeira tira do pais os recursos para voltar a crescer e
promover os direitos sociais de todos.
FHC tornou-se a triste caricatura
desse fracasso da velha elite brasileira. De teórico da transição conservadora
e de presidente de uma nota só – a estabilidade monetária -, de social
democrata a um reles neoliberal -, tornou-se um golpista sem ideias e sem apoio
popular. Quando até seus gurus europeus da social democracia francesa e
espanhola reconhecem os méritos do Lula e do PT, ele se isola na medíocre pregação
golpista e no apoio às direitas trogloditas da Argentina e da Venezuela, ao
lado dos seus aliados fieis, os decrépitos do DEM.
Preferem tentar destruir o pais,
mediante um impossível golpe do impeachment ou faze-lo sangrar até a exaustão,
a reconhecer seu fracasso. Fracasso na ditadura militar, fracasso na transição
democrática conservadora, fracasso no neoliberalismo, fracasso nas tentativas
de restauração conservadora.
A tragédia da trajetória de FHC
resume, de forma exemplar, o fracasso da elite tradicional brasileira diante de
um pais que teve revelado todo o seu potencial com o governo Lula e que busca
seu reencontro com esse caminho, derrotando, uma vez mais, a FHC e a direita
brasileira.
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