O Rio de Janeiro é um enigma.
Capital federal por muito tempo, cidade mais internacionalizada do país desde
sempre, a política interna do Rio sempre foi de uma pobreza extrema.
As grandes vocações públicas
rumaram para a área federal. Durante muito tempo o Rio se considerava uma
espécie de farol do país rumo à modernização. Abrigou a mais brilhante geração
de homens públicos brasileiros que, a partir dos anos 50, ajudou a desenhar o
país. O fato de se tornar sede da Petrobras e do BNDES, da Universidade do
Brasil (futura Universidade Federal do Rio de Janeiro), a convivência com
empresários e investidores internacionais que por aqui aportaram durante a
guerra, tudo isso contribuiu para a glória do Rio.
Mas no plano interno repetia o
cenário da Proclamação da República, quando já possuía uma câmara de vereadores
dominada pelo jogo do bicho.
Alguns dias no Rio é suficiente
para perceber os três temas preferenciais dos cariocas: futebol, escolas de
samba e política. Qualquer carioca tem
opiniões definitivas sobre os três temas.
Qual a razão, então, do
baixíssimo nível da política carioca?
Durante muito tempo a política
carioca foi dominada por Chagas Freitas, em cima do jornal O Dia. Aliás Chagas
Freitas era um “laranja” do governador paulista Ademar de Barros quando, com
seus bônus rotativo, montou a maior máquina de corrupção da história política
do país. Espalhou seus bens por dezenas de laranjas. Quando Ademar caiu em
desgraça, Chagas não devolveu O Dia. Jornal sangrento, versão carioca do
Notícias Populares, mesmo assim ajudou a criar uma geração de políticos, como
Miro Teixeira.
Ao longo das décadas, o Rio
logrou eleger apenas dois políticos de expressão nacional, Carlos Lacerda e
Leonel Brizola. O restante ou se dividia entre a mediocridade mais obtusa ao
exibicionismo mais desmoralizante.
No centro dessa crise estão os
grupos de influência na política carioca, a começar da imprensa.
No seu auge, o Jornal do Brasil
importava-se apenas com temas nacionais. Ao contrário do que se imaginava,
Roberto Marinho, da Globo, não tinha cabeça internacionalizada. Fez ótimas
escolhas, quando se associou ao grupo Time-Life e quando profissionalizou a TV.
E sempre se cercou da maior escola de lobistas que o país já conheceu, aquela
que se formou no Rio a partir dos anos 50 e manteve sua influência na máquina
pública pelo menos até a década de 90.
A escola de lobby carioca se
formava em torno de novas formas de negócio e do aparelhamento continuado da
máquina pública, da Petrobras ao Itamarati. Os lobistas dispunham de visão
ampla e conviviam com alguns dos fundadores do Brasil moderno, como Roberto
Campos, Raphael de Almeida Magalhães, Eliezer Batista, Dias Leite.
Marinho conviveu com esse grupo,
aprendeu a se valer de sua influência, mas seu horizonte cultural e político
era restrito. Importava-se com o jornal, com a pesca submarina e com os
investimentos imobiliários. Por aí se definia a blindagem ou a guerra
implacável ao prefeito ou governador de plantão. Quem atendia a seus interesses
imobiliários era poupado.
O segundo grupo de influência
eram os bicheiros patronos de escolas de samba. O terceiro, os cartolas de
clubes de futebol reunidos em torno da CBF, em estreita parceria com a Globo. O
quarto, que surgiu mais recentemente, o dos pastores evangélicos.
A esse ambiente diversificado e
rarefeito soma-se certa permissividade de uma cidade de praia lindíssima, mas
que jamais perdeu o clima da corte, da celebração do prazer seja dos playboys
desocupados que se reúnem no Leblon, seja de governadores e empreiteiros se
expondo em restaurantes de Paris.
Esse clima foi favorecido pela
própria formação dos grupos empresariais cariocas, a maior parte dos quais se
fez com importação e representação de grupos estrangeiros, ou com estratégias
no mercado financeiro e de lobby.
É lá que Aécio Neves convive com
Ricardo Teixeira, que o filho do usineiro vai aproveitar o ócio, que Paulo
Roberto Costa torna-se corretor imobiliários dos Marinho. E lá que o PT foi
amarrar o seu burro.
O atual sistema político do Rio é
uma coisa só, com Sérgio Cabral, Pezão, Eduardo Paes, Francisco Dornelles e
Eduardo Cunha. E a oposição, com o filho de César Maia e Garotinho, é de
chorar.
Ao longo de diversos governos
federais e estaduais, a banda carioca do PMDB logrou criar uma metodologia
imbatível de apropriação da coisa pública. E, em quase todos os momentos,
estava a presença ostensiva de Eduardo Cunha.
Quando Ministro da Previdência,
por exemplo, Dornelles levou como assessor Eduardo Cunha. Em alguns dos
inquéritos contra Cunha, ele próprio logrou cooptar o Procurador Geral do
Estado e agentes da Polícia Federal.
A crise do sistema de saúde do
Rio de Janeiro não é mais do que consequência desse modelo, a pior síntese de
um sistema político que apodreceu.
Quando se vê e estabilidade da
República entre o oportunismo de Michel Temer, a falta de limites de Eduardo
Cunha e a frente política do PMDB carioca, constata-se que definitivamente o
modelo acabou.
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