quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A midiatização do processo penal como elemento-chave da crise política

Do blog Desenvolvimentistas // http://jornalggn.com.br/
Aproxima-se o retorno das atividades do Congresso Nacional e atrelado a isto temos a temperatura política voltando a subir. Com o processo de impedimento deflagrado, certamente o recesso serviu para amplas movimentações de organização das diversas forças políticas, muitas delas baseadas tão somente no fisiologismo característico do presidencialismo de coalizão.
Se é verdade que a ala conspiracionista ligada ao vice-presidente Michel Temer sofreu considerável desidratação, também procede a tese de que o governo continua sem enfrentar apropriadamente a apatia e hesitação de que padeceu durante todo o perdido ano de 2015.

Para analisar este cenário e fazer projeções que o Blog dos Desenvolvimentistas entrevistou Benedito Tadeu César, doutor em ciências sociais pela Unicamp e professor aposentado da UFRGS. Considera ele que a calmaria observada neste início de ano findará “tão logo se reiniciem os trabalhos legislativos”, que Eduardo Cunha não descansará nem abdicará de seus métodos pouco convencionais de fazer política, e que como resposta o Planalto “manterá a postura de inabilidade que o caracteriza”, sem, contudo, se materializarem as condições requeridas para a consumação do impeachment.
A análise mais extensa do professor, porém, se deteve no Judiciário. Tadeu César enxerga um “decisionismo” e “ativismo judiciais aliados a uma midiatização cada vez mais acentuada do processo penal” inaugurados pelo julgamento da Ação Penal 470, conhecida como Mensalão. Postula ainda que “os vazamentos e as prisões por tempo indeterminado e sem a culpabilidade comprovada dos réus tem criado um clima de instabilidade e, diria, até mesmo de terror”.
Confira a íntegra desta rica análise:
Como se inicia 2016 no campo da política? Qual a perspectiva de evolução da crise?
BTC: Até o reinício das atividades do Congresso Nacional o clima político continuará estável. Apenas as grandes corporações de mídia e segmentos do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário, notadamente alguns juízes de primeira instância, insistirão em manter o clima de conflagração com o governo federal e a caçada aos petistas e ao ex-presidente Lula da Silva. O governo Dilma Rousseff, por sua vez, manterá a postura de inabilidade que o caracteriza, criando novas frentes desnecessárias de conflito, como a recém instalada com a nova proposta de reforma da Previdência Social, que cria inimigos e alimenta desconfianças entre seus próprios aliados. O governo, ao que parece, desperdiçará o tempo da trégua não declarada com a Câmara Federal e não conseguirá consolidar novos e necessários apoios para enfrentar a carga pesada que se abaterá sobre ele tão logo se reiniciem os trabalhos legislativos.
O impeachment arrefeceu? Quais as chances do impedimento de Dilma se consumar?
BTC: Entendo que o impeachment, com as decisões do STF, perdeu força na Câmara Federal, mas isto não implica que, findo o recesso parlamentar, não sejam restabelecidas as práticas de chantagem e de confronto com o Poder Executivo. Eduardo Cunha, enquanto não for destituído e não tiver seu mandato de deputado federal cassado ou suspenso, continuará a utilizar seus aliados para criar embaraços ao governo Dilma Rousseff. Sem revelar a sua face, o PSDB continuará alimentando as posturas de Cunha e de sua trupe. Com a base parlamentar que detém, o governo Dilma continuará refém e submetido às práticas de chantagem. Sua única chance de romper este círculo de terror será conseguir reverter o quadro de estagnação econômica. Sem isto, o impeachment não virá, mas também não virá a paz tão necessária ao exercício do bom governo.
Quanto ao TSE. Você crê que a oposição partirá para a cassação da chapa caso não prospere o impeachment? Como a sociedade em geral enxerga essas movimentações?
Benedito Tadeu César. Foto: Grupo Sinos
BTC: O maior risco de destituição do governo Dilma Rousseff encontra-se hoje no TSE. Gilmar Mendes e Dias Toffoli, este agora encantado com a presidência do tribunal, formam uma dupla capaz de arrolar argumentos jurídicos suficientes para justificar quaisquer atos que considerem oportunos. A decisão da manutenção da democracia ou da deflagração de um golpe judiciário estará colocada nas mãos dos demais ministros do TSE. Espero que eles se comportem com a mesma dignidade assumida pelos ministros do STF no julgamento dos questionamentos apresentados pelo PC do B frente ao ritual do impeachment criado por Eduardo Cunha. O grande risco é o de que os ministros do TSE se deixem contaminar pelo processo de judicialização da política em curso no país e exerçam, também neste episódio, práticas decisionistas do quilate das que vêm sendo adotadas pelas altas cortes brasileiras desde o julgamento da Ação Penal 470.
A opinião pública, em sua grande maioria fortemente influenciada pelas grandes corporações de mídia brasileiras, não oporá resistência a uma decisão do TSE que leve à cassação da chapa Dilma Rousseff/Michel Temer. No entanto, acredito que mesmo os ministros do TSE mais propensos a assumir posturas decisionistas se sentirão constrangidos de enfrentar as críticas que partirão dos juristas e das mídias independentes, bem como dos setores sindicais e populares próximos do PT e favoráveis ao governo Dilma Rousseff. O argumento de que foram utilizados recursos ilícitos na campanha de Dilma/Temer e desconhecer que as mesmas empresas que financiaram sua campanha financiaram as campanhas de todos os demais candidatos soa falso até para os mais ferrenhos defensores de Aécio Neves ou de Marina Silva.
Não se pode esquecer, além disso, que o próprio Poder Judiciário, como instituição, está sofrendo um forte desgaste junto à opinião pública advindo das práticas corporativas que tem adotado sem nenhum mascaramento nos últimos meses, como as relativas ao pagamento dos auxílios-moradia, alimentação, educação e até creche/babá aos seus integrantes. Ainda que regiamente remunerados, muitos integrantes do Judiciário e do Ministério Público têm se revelado nus perante parte expressiva e crescente da opinião pública brasileira.
De que maneira se incidirão os efeitos da crise política e econômica nas eleições municipais deste ano?
BTC: As eleições municipais têm dinâmica própria, em grande parte independente das conjunturas política e econômica estaduais e nacionais. Os eleitores dos municípios votam com os olhos, o coração e a mente voltados para os problemas locais: a sua rua, as enchentes ou a seca, a coleta de lixo, a corrupção municipal, a amizade/proximidade com os candidatos.
Não há dúvida que os acontecimentos nacionais e estaduais têm influência, mas eles não são decisivos. Em um cenário de crise, a tendência, sempre, é a de que a situação seja prejudicada e, consequentemente, as oposições sejam beneficiadas, mas sempre serão a conjuntura local e as posturas dos candidatos locais que definirão o resultado eleitoral em cada localidade. Além disso, exceto o PSDB – que tem sido poupado pelas grandes corporações de mídia e pelas denúncias do MP, todos os demais partidos políticos brasileiros têm sido afetados pelas denúncias de corrupção, o que fará com que o peso do descrédito se dilua e se distribua entre todos os partidos e seus respectivos candidatos. Não acredito, entretanto, pelas razões expostas acima, nem que o PSDB tenha um desempenho muito superior ao que obteve nas eleições municipais anteriores, nem o PT, o mais atingido pelas críticas midiáticas e pelas denúncias, tenha um desempenho muito abaixo daquele que tem obtido historicamente.
Além da crise temos ainda a proibição do financiamento empresarial de campanhas já em vigor. O que esperar desta mudança tão representativa? Como fazer para inibir o caixa-dois?
BTC: A inibição do caixa-dois só será obtida por meio de rigorosa fiscalização por parte dos órgão competentes. Correm informações nos bastidores que empresários, políticos e dirigentes partidários, assessorados por profissionais do direito, têm realizado reuniões sigilosas para discutir fórmulas de burla da legislação anti-financiamento empresarial. Acredito, no entanto, que a fiscalização não será difícil de ser exercida, bastando que o Ministério Público eleitoral fique atento aos “sinais exteriores de riqueza” das campanhas. Campanhas com muita publicidade e/ou muita estrutura (carros, cabos-eleitorais etc.) serão potencialmente campanhas regadas por caixas-dois. Bastará vontade de fiscalizar e, claro, a alocação de recursos para a atuação dos agentes fiscalizadores, recursos que, no âmbito do Poder Judiciário são fartos e imune às crises.
A proibição do financiamento eleitoral de campanhas é um passo importante para a moralização dos pleitos, com a inibição das compras de mandatos parlamentares e executivos por parte de empresários e empresas que vinham ocorrendo com intensidade crescente nos últimos anos no país. Este é um primeiro e importante passo, mas é apenas o início de uma longa caminhada de reformulação de nossa legislação política e eleitoral. Veja-se que, ao lado da proibição do financiamento eleitoral por parte de empresas, ocorreu também a diminuição do prazo de campanha. Se a primeira medida contribui para a moralização das eleições, a segunda reforça a possibilidade de que os atuais detentores de mandato se reelejam, pois um prazo menor de campanha dificulta a eleição de candidatos novos e, consequentemente, menos conhecidos que os já detentores de mandatos, que têm a sua disposição os recursos das casas legislativas e do controle das máquinas administrativas e, além disso, o acesso, durante todo o período de seus mandatos, às rádios e tvs públicas, sejam as culturas e educativas, sejam as da Câmara ou do Senado.
É possível sair da instabilidade em meio a delações, vazamentos e investigações continuadas? Como os políticos têm reagido a este cenário de protagonismo do judiciário?
BTC: Mais do que o “protagonismo do judiciário”, o que estamos assistindo é a exacerbação do decisionismo e do ativismo judiciais aliados a uma midiatização cada vez mais acentuada do processo penal. As normas do direito têm sido utilizadas, muitas vezes, de acordo com as convicções dos magistrados e demais agentes estatais do direito (promotores, delegados etc.) sem que estejam suficientemente embasadas nos princípios constitucionais ou na jurisprudência brasileira. A aplicação da tese do “domínio do fato”, no julgamento da Ação Penal 470, abriu as portas do voluntarismo jurídico. A Operação Lava-Jato, no combate necessário à corrupção mais do que secular e disseminada entre os principais partidos políticos e instâncias de poder no Brasil, tem se exercido, no entanto, de forma seletiva, elegendo alvos preferenciais e desprezando outros ao seu bel-prazer e de forma não transparente. O denuncismo, os vazamentos e as prisões por tempo indeterminado e sem a culpabilidade comprovada dos réus tem criado um clima de instabilidade e, diria, até mesmo de terror. Sob a ação das grandes corporações de mídia, de alguns magistrados e de alguns integrantes do Ministério Público todos os políticos não amigos são declarados culpados e corruptos, mesmo que haja provas em contrário. Os amigos, entretanto, mesmo quando alvo de denúncias, são poupados e, muitas vezes, previamente inocentados.
Acredito que cabe ao próprio Poder Judiciário e ao Ministério Público, por meio de seus agentes não contaminados pelo que está sendo caracterizado por alguns analistas como sendo o exercício de um “jacobinismo judiciário” agir de modo célere para recompor a normalidade jurídica no prazo mais curto possível. O combate à corrupção é bem-vindo, mas precisa ser realizado nos marcos estritos da lei e atingir de igual modo a todos os envolvidos nestas práticas nefastas. Cabe à sociedade civil organizada, por meio de suas agências, como a OAB, a CNBB, a UNE, as centrais sindicais e empresariais, os sindicatos, associações e às entidades estudantis e de juventude se manifestarem neste sentido.
É urgente, além disso, criar e fortalecer veículos alternativos de informação, tanto para que seja possível se promover contraposições às deturpações informativas realizadas pelas grandes corporações de mídia quanto, e igualmente importante, se acelerar a construção de um movimento de opinião pública favorável à regulação democrática da mídia, seja do seu exercício seja de sua propriedade. Regulação que, afirme-se e reafirme-se, existe em todos os países de democracia avançada no mundo, incluindo-se os EUA, a Inglaterra, a França e a Alemanha, entre outros.
Diante deste cenário, quais são as perspectivas de saída da crise? Que desfechos são possíveis?
BTC: Ainda que dificilmente o governo Dilma Rousseff seja interrompido antes do término do seu mandato, parece-me igualmente difícil que ele consiga se estabilizar a ponto de que os três anos de mandato que lhe restam transcorram sob relativa calmaria. As turbulências periódicas serão a marca característica deste mandato presidencial. Isto se deverá tanto à ação conjunta das oposições associadas, mesmo que informalmente, às grandes corporações de mídia e aos chamados “jacobinos judiciais” quanto também à inabilidade política-administrativa de Dilma Rousseff e de sua equipe de governo.
Como, entretanto, as oposições não detêm quadros e lideranças aptas para empolgar as grandes massas eleitorais e nem deram mostras, até aqui, de estarem habilitadas para formular propostas de governo capazes de promover a retomada do desenvolvimento do país, caso o governo Dilma consiga superar o quadro de estagnação econômica atual e dar início a um processo de retomada, mesmo que tímido do crescimento econômico, ele terá chance de se recompor frente a opinião pública e, quem sabe, tornar possível ao seu partido apresentar um candidato com chance de vitória na campanha eleitoral de 2018. Mais do que Aécio Neves, José Serra, Geraldo Alckmin, Marina Silva ou Michel Temer, os grandes adversários de 2018 serão as grandes corporações de mídia e os “jacobinos judiciais”.

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