Os adeptos do rentismo tupiniquim
estão realmente encastelados na defesa de seus próprios interesses e longe da
preocupação com os destinos do país.
Paulo Kliass * // www.cartamaior.com.br
As expectativas em torno da
reunião do COPOM de 19 e 20 de janeiro e os resultados do encontro quanto à
manutenção da taxa oficial de juros reacenderam o debate a respeito de um tema
muito “caro” aos interesses do financismo. Refiro-me aqui ao lobby tão antigo,
quanto recorrente, pela institucionalização da assim chamada “independência” do
Banco Central. Recomendo aqui muitas aspas aqui no charmoso substantivo, pois
sua utilização nesse domínio vai exatamente na direção oposta à que insinua
pretender.
É interessante observar o
oportunismo e o casuísmo com que essa pressão se manifesta na agenda oferecida
pelos altos representantes das instituições financeiras em nossas terras. Quem
se der ao trabalho de levantar a frequência desse tipo de manifestação durante
os 8 anos em que Henrique Meirelles esteve à frente do comando do BC, ao longo
dos dois mandatos do ex-Presidente Lula, ficará talvez surpreso pela quase
ausência de material. O mesmo se pode dizer a respeito do período em que
Fernando Henrique ocupava o Palácio do Planalto, com figuras muito próximas à
atividade de banqueiros sendo nomeadas para a direção da autoridade monetária.
A grita esbravejante só vem à
tona quando os ocupantes das cadeiras do órgão encarregado por regulamentar,
supervisionar e fiscalizar a banca não são totalmente de sua confiança. Além
disso, é sempre bom lembrar que são eles também os mesmos indivíduos que se
encontram de forma especial a cada 45 dias e decidem a respeito da SELIC. Esse
tipo de reunião de diretores do BC ganha o carimbo especial de COPOM. Em
momentos de relativa incerteza, quando a linha de comando dos bancos deixa de
ser cem por cento explícita e subserviente, as páginas de economia dos
jornalões e os espaços nas redes de televisão passam a repetir o mantra dos
nossos liberalóides do quadrilátero Jardins, Gávea, Higienópolis e Leblon.
No caso mais recente, a
indignação da nata do financismo deu-se em razão da subversão das expectativas
criadas por seus próprios representantes até a ante-véspera da reunião. Essa
leitura segura estava de acordo com as próprias manifestações públicas do COPOM
e da diretoria do BC. Ou seja, havia a certeza de que suas vozes seriam ouvidas
e que a SELIC seria mais uma vez elevada. Para eles, pouco importa a
manifestação, em sentido contrário, emanada por parte da grande maioria da
sociedade brasileira e mesmo por economistas que operam no interior do sistema
financeiro.
O interessante é que a súbita
mudança de orientação da maioria do Conselho teria ocorrido apenas no dia
anterior à reunião, em função de um documento divulgado pela direção do Fundo
Monetário Internacional (FMI). No comunicado da organização multilateral, há
uma referência explícita ao equívoco que seria a elevação da SELIC. O próprio
Fundo parecia se render às evidências de que arrochar ainda mais a política
monetária em um ambiente de recessão, como o que o Brasil vive atualmente,
seria contraproducente para os próprios princípios que norteiam a lógica
conservadora. O presidente do BC, em atitude tão inesperada quanto inusitada,
comenta publicamente o posicionamento do FMI e antecipa a provável mudança de
deliberação. O resultado é conhecido de todos: o COPOM não elevou a SELIC.
Oh, audácia suprema! Quem pensa
que são esses indivíduos que ousam contestar o santificado desejo das finanças?
E dá-lhe movimento de bombardeamento covarde e de fritura generalizada de
Tombini pela postura rebelde. No entanto, os áulicos do paraíso rentista não
teriam como criticar a mensagem direta do FMI. Afinal, em tese, rezam todos
pela mesma cartilha da ortodoxia. A saída foi dirigir a crítica a um suposto
encontro do chefe do BC com a Presidenta Dilma na véspera da reunião. Bingo!
Estão vendo? Tudo isso se resumiu, na verdade, a mais uma ingerência política
do populismo irresponsável sobre a condução da política econômica.
E passaram a chover artigos,
opiniões, entrevistas e manifestos voltando a clamar pela independência do BC.
A ladainha é antiga e mal cantada. De acordo com os conhecidos “especialistas
em finanças” - sempre os mesmos chamados a opinar, a autoridade monetária não
deve ser submetida a nenhum tipo de pressão política por parte do governo de
plantão. Lançando mão do surrado argumento da suposta necessidade de um saber
técnico inquestionável, concluem que a atual autonomia relativa não é mais
suficiente. Eles querem mesmo é a independência total!
O interessante é que se calam
sempre que confrontados à pergunta quase óbvia: está certo, mas independente em
relação a quem, cara pálida? Na prática, a panaceia sugerida pela “crème de la
crème” do financismo outorga ao próprio sistema financeiro, de forma
definitiva, a condução da política monetária. Mui malandra a sugestão. Na
verdade, o aspecto central do debate é que a definição da taxa de juros e o
controle sobre o sistema financeiro são atributos de natureza essencialmente
política, com algumas tinturas de recomendável conhecimento técnico e
experiência no setor público.
A economia não é uma ciência
exata, a partir da qual haveria soluções únicas e inquestionáveis para as diferentes
situações apresentadas. A discussão a respeito do fenômeno da inflação e de
suas causas á bastante polêmico. Há também um enorme debate a respeito da
indicação da taxa de juros em níveis estratosféricos como terapia para a
redução do ritmo de crescimento dos preços. Ora, sendo assim, não cabe a
possibilidade do parecer isento do técnico qualificado para nos livrar de toda
a ordem de dificuldades no campo econômico.
De acordo com nossa Constituição,
o governo federal é eleito pelo voto popular e tem um mandato para executar
suas propostas de políticas públicas. Qual seria a base de legitimidade de um
diretor de BC indicado para a função apenas por articulação no Executivo e/ou
no Legislativo? Um agente a quem seria atribuído um mandato inamovível de 4
anos, para fazer o que bem entender com o país? O ocorrido na semana passada
ilustra bem o risco da independência institucional. A autoridade monetária
poderia se isolar de pressões políticas e sociais legítimas, como tem se
mantido há décadas, e optar pelo aumento ainda maior da SELIC. A quem a
sociedade poderia dirigir seus protestos?
Se até o FMI recomendou cautela
no exagero da tendência altista dos juros, algo está a nos sinalizar que os
adeptos do rentismo tupiniquim estão realmente encastelados na defesa de seus
próprios interesses e longe da preocupação com os destinos do país. Aliás, eles
que são mestres em idolatrar os modelos adotados pela pátria mãe do capital
financeiro, bem que poderiam recomendar em seus artigos a adoção de outras
regras vigentes nos Estados Unidos para a condução da política monetária. Ali,
por exemplo, o Banco Central deve se guiar por duas metas: inflação e emprego.
Ou seja, além de combater o crescimento dos preços, o FED deve sempre decidir
por um determinado nível da taxa de juros, de modo a que não provoque piora do
desemprego.
Mas não tenho dúvidas de que a
incorporação de uma prática como essa, corrente na terra de Wall Street, seria
aqui imediatamente taxada de bolivarianismo pseudo-comunista. Coisas da vida.
* Paulo Kliass é doutor em
Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e
Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Créditos da foto: Agência Brasil
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