Com sua vocação de camaleão, o
ex-ministro da ditadura passou de uma experiência de controle absoluto da
economia para a de campeão do neoliberalismo.
J. Carlos de Assis* // www.cartamaior.com.br
Delfim Netto é um farsante. O
ministro plenipotenciário da ditadura, que aprendeu a aplicar a economia na
base do autoritarismo mais extremado, tornou-se estranhamente conselheiro de
Lula pelo duplo oportunismo dele próprio e do ex-Presidente - no caso dele pelo
fascínio de estar sempre próximo do poder político e no de Lula pelo fascínio
de incensar o poder econômico real. Bajulando o PT até o desastre de 2015,
Delfim pulou do barco como uma velha ratazana quando sentiu mudar o tempo e
agora ostenta uma posição crítica que passa por cima de sua biografia
ensanguentada e de seu prontuário econômico de ditador.
A entrevista que Delfim deu ao
Globo é um escárnio. Chega ao desplante de afirmar que a solução dos problemas
brasileiros passa inicialmente pela reforma da Previdência, com o claro
propósito de agradar a seus verdadeiros patrões, a Fiesp e a corja de
empresários retrógrados que habita o planalto de São Paulo. Se isso fosse
verdade, teríamos crise por mais vinte anos, já que a mais perfeita reforma da
Previdência não poderia render frutos antes disso. Por conta dessa reforma ele
ataca violentamente o PT, como se fosse o PT, e não a sociedade inteira, que
estivesse contra a violação dos direitos sociais embutida nessa reforma.
Com sua vocação de camaleão, o
ex-ministro da ditadura passou de uma experiência de controle absoluto da
economia para a de campeão do neoliberalismo. Nos bons tempos do autoritarismo,
ele controlava câmbio, juros, preços, orçamento fiscal, vidas. Deve-se
reconhecer que, graças a isso, a ditadura teve uma boa performance na economia.
Contudo, Delfim faz questão de esquecer isso. Na entrevista, como bom liberal,
pontifica que a solução da crise atual passa pela política, não pela economia.
Como se um trabalhador desempregado e um empresário falido estivessem
interessados na reforma política antes da econômica! Se Delfim não fosse um
farsante ele poderia invocar a parte positiva de sua experiência no poder
absoluto para inspirar as reformas que contam.
Precisamos da reforma monetária, para reduzir os juros e expandir a
moeda na economia até um nível de estímulo a atividade produtiva; precisamos da
reforma fiscal, para fazermos uma política anticíclica efetiva, em articulação
com a política monetária; precisamos de administração do câmbio para
estabilizá-lo num nível favorável às exportações; precisamos, finalmente, de
controles de preços em setores oligopolizados e monopolizados, assim como de
uma política de abastecimento.
Essas políticas são o nervo da
proposta da Aliança pelo Brasil, o movimento que estamos articulando no sentido
de buscar um consenso social e parlamentar em torno de uma proposta concreta de
alternativa de política econômica para o Brasil. Nossa intenção é banir a farsa
da política. Na entrevista que deu, Delfim chegou ao cinismo de dizer que a
Lava Jato não prejudicou a economia, mas será responsável por um crescimento de
2% do PIB daqui a 50 anos. É um excesso de farsa. Se temos que conviver com
isso na nossa grande mídia, que pelo menos haja um mínimo de reação da parte do
Governo ao conselheiro de Lula.
Se a Presidenta tiver a coragem
de por em prática as políticas acima indicadas ela provavelmente conseguirá atrair em torno de
si uma maioria parlamentar que a sustente. Do contrário, será permanentemente
uma refém do mercado especulativo, sujeita aos ataques violentos dessa
personagem sórdida da história brasileira, que aprendeu a arte de esconder sua
biografia para estar sempre próximo dos poderosos, seja os de direita, seja os
de esquerda – neste último caso só enquanto estiverem firmes no poder. Há
pessoas que ficam moderadas e sóbrias quando envelhecem; Delfim perdeu a
dignidade ao envelhecer.
*Economista, jornalista, doutor
pela Coppe/UFRJ, autor de “Os sete mandamentos do jornalismo investigativo”, Ed.
Textonovo, SP, 2015.
Créditos da foto: Agência Brasil
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