Macri tem a cara da nova direita
latino-americana e foi milimetricamente construído para omitir a face fascista
de quem enriqueceu durante a ditadura.
Mariana Serafini – UJS // www.cartamaior.com.br
O novo presidente da Argentina,
Maurício Macri, assumiu a presidência há um mês e meio e desde então já deixou
bem claro a que veio. Com um discurso conciliador “nem direita, nem esquerda”
não tardou em colocar para fora as “garrinhas” neoliberais. Até porque, não é
de hoje que se sabe: normalmente os defensores da tese “não existe polarização”
são de direita.
Macri tem a cara da nova direita
latino-americana. É homem, jovem, branco, empresário bem sucedido, pai de uma
família tradicional e usa o futebol como ferramenta para aumentar a
popularidade e esconder o coronelismo familiar. Milimetricamente construído
para omitir a face ítalo-fascista de quem enriqueceu durante a ditadura militar
argentina, uma das mais sanguinárias do continente e não hesita em abrir mão da
própria soberania em troca de voltar a ser o quintal ianque.
É fácil perceber que em menos de
dois meses o país já sofreu um giro completo à direita. É como se fosse o
“despertar da força” (desculpa, Star Wars) inimigo. Macri representa essa direita
que se fortaleceu enquanto os progressistas assumiam os governos e agora
retorna com força e com um discurso mais leve e repaginado. A essência, porém,
é a mesma que privatizou, entregou recursos naturais e leiloou a soberania de
nossos Estados durante a década de 90.
Em seu discurso de posse, no dia
10 de janeiro, afirmou que trabalharia para construir uma “Argentina para todos
os argentinos”, exceto para os que pensarem diferente dele, afinal, mais de 24
mil funcionários públicos já foram demitidos. Muitos dos quais passaram até por
interrogatórios sobre o posicionamento político e a militância. Nada de
auditorias, fiscalizações ou justificativas plausíveis. A vice-presidenta,
Gabriela Michetti, argumenta que são funcionários “nhoques” (como eles chamam
os “fantasmas”), mas o sindicato dos servidores públicos já afirmou:
“impossível existirem tantos ‘nhoques’, não foram feitas auditorias, muitos dos
funcionários foram injustiçados”.
Os ares de modernidade não
escondem a essência e assim como em outros tempos, a direita de hoje também
precisa de símbolos para punir como exemplo. Neste caso das demissões foi o
jornalista Victor Hugo Morales, um dos mais respeitados e conceituados do país
que trabalhou durante 30 anos na emissora de rádio Continental, apresentando um
programa matinal. Quando faltava apenas dez minutos para entrar no ar, ele
recebeu a notícia de que seria demitido. A empresa alegou “corte de gastos” e
“falhas”. Durante os 30 anos, Morales não deixou de apresentar seu programa
sequer uma vez, mas não teve a oportunidade de se despedir de sua fiel
audiência. Não titubeou em afirmar imediatamente após a demissão: “foi uma
perseguição política”.
E se Victor é o símbolo da onda
de demissões. Macri também mandou um recado para as organizações de esquerda ao
prender a dirigente indígena e deputada do Parlasul, Milagro Sala. Uma operação
policial com mais de 40 oficiais a levou presa, de dentro de sua casa na
província de Jujuy, no último sábado (16). Antes de ser levada ela conseguiu
fazer uma última postagem em sua conta oficinal no Twitter e afirmou: “isso é
como uma ditadura”.
Acusada de “fechar vias” e
“perturbar a ordem”, a dirigente que fundou a organização de esquerda Tupac
Amaru é a primeira presa política da Argentina. Para denunciar a violação aos
direitos humanos que sofreu ela está em greve de fome desde o dia da detenção.
Dezenas de manifestações já tomaram conta da Argentina, a bancada progressista
do Parlasul emitiu uma nota de repúdio ao governo e organizações sociais de
várias partes do mundo começam a se mobilizar pela libertação de Milagro.
Durante todo o período do governo
de Néstor e Cristina Kirchner (2003 – 2015) nenhuma manifestação – independente
do cunho ideológico – foi reprimida com balas de borracha ou cassetete. No entanto,
poucos os que saíram às ruas a partir de dez de dezembro passado e foram bem
recebidos com suas faixas e cartazes. A repressão de Macri tomou proporções
assustadoras. E cada vez mais a pressão popular cresce, à mesma medida que o
investimento em operações de policiais.
Na Argentina há um instrumento
constitucional chamado Decreto de Necessidade de Urgência (DNU), que só pode
ser utilizado em situações extremas pelo Executivo. A ex-presidenta Cristina
Kirchner usou este recurso 29 vezes em oito anos de governo, Macri até a última
contagem, já havia feito mais de 260 decretos, muitos deles contra a
Constituição.
Malvinas? Não são mais
argentinas. O presidente já falou. Fundos abutres? Sim, a Argentina vai ignorar
a luta e a coragem de Cristina Kircher de defender a soberania nacional e vai
pagar a dívida, por mais abusiva que ela seja. Venezuela? Sistema autoritário
(disse o presidente dos 260 decretos em 30 dias). Brasil? Precisa se “abrir
para o mundo”. Por “mundo” leia-se “Estados Unidos”, porque todo o resto é só o
resto mesmo
Nesta quarta-feira (27) começa a
4ª Cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) no
Equador, que deixará a presidência pró-tempore do organismo. Este seria o
primeiro encontro “Macri vs. Maduro” desde que o argentino assumiu a
presidência e começou a anunciar seu descontentamento com a presença da
Venezuela no Mercosul. No entanto, a Casa Rosada anunciou que o presidente não
poderá participar da Cúpula devido a um acidente doméstico que sofreu no dia 8
de janeiro. Será o único, dos 33 chefes de Estado a não comparecer.
Independente disso, a direita está bem representada pelo seu dirigente
intransigente, intempestivo e autoritário, mas com ares de bom moço.
Créditos da foto: Facebook de
Mauricio Macri
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