Artistas, professores
universitários, ativistas e militantes sociais alertam: 'o livre direito à
manifestação está em grande risco hoje no Brasil'.
Tatiana Carlotti // www.cartamaior.com.br
Artistas, professores
universitários, ativistas e militantes sociais alertam: “o livre direito à
manifestação está em grande risco hoje no Brasil”.
Em repúdio aos sucessivos e
truculentos episódios de repressão policial contra manifestantes nas ruas, eles
lançam o Mani-f-esta livre!, denunciando ameaças em curso e propondo uma série
garantias ao livre exercício da manifestação popular.
“O manifesto pretende expressar a
voz da esquerda das ruas”, afirma o sociólogo Jean Tible, um dos signatários do
documento. “Partindo da perspectiva de que o cidadão faz política no seu
cotidiano, e não apenas no momento das eleições, nós colocamos em debate essa
situação absurda, na qual as pessoas que reivindicam determinadas pautas acabam
sendo reprimidas de uma forma totalmente violenta e antidemocrática”, explica.
Segundo o sociólogo, existe um
consenso no atual momento político do país: “só teremos mais conquistas sociais
e mais igualdade a partir da luta e das manifestações populares. A democracia
das ruas é decisiva neste sentido”. Em contrapartida, “qualquer pessoa que faça
uma manifestação, em qualquer lugar, vai se deparar com uma repressão
desproporcional”.
Entre os pontos defendidos pelo
Manifesto está a proibição do uso de armas (letais ou menos letais) durante os
atos populares. Além do livre exercício do trabalho de jornalistas, advogados,
primeiros socorros e defensores legais durante as manifestações. “Defendemos o
direito de cada cidadão de lutar sem correr o risco de “perder um olho, de sair
com uma perna queimada. As pessoas estão sendo alvejadas por estarem lutando
democraticamente”, denuncia Tible.
Repressão cotidiana
Além da denúncia da repressão
policial contra os manifestantes, como os violentos episódios registrados na
capital paulista, na última semana, durante o quinto ato público organizado
pelo Movimento Passe Livre (MPL), o Mani-f-esta livre! repudia a cotidiana
repressão das instituições policiais contra os cidadãos nas periferias e nos
centros urbanos, nas florestas e no campo.
Tible destaca que uma das
propostas apresentadas pelo Manifesto é, justamente, a reforma da polícia e a
desmilitarização da Polícia Militar. “A violência da PM é cotidiana nas
periferias e no campo. O número de mortes dos povos indígenas é altíssimo. A
questão é ´como não ficamos chocados com o grau de violência produzida a todo
momento?´”.
O documento defende, também, o
fim imediato da criminalização dos movimentos sociais, posicionando-se
contrário à Lei Antiterrorismo, em tramitação no Congresso Nacional; e contra
qualquer uso da lei de organizações criminosas para enquadrar manifestantes.
Lei Antiterrorismo é um grande
perigo
Destinado a tipificar o crime de
terrorismo no país, o projeto de Lei Antiterrorismo, apresentado ao Congresso
pelos ministérios da Justiça e da Fazenda, em junho de 2015. Frente à
subjetividade do conceito de “terrorismo”, ele abre brechas na legislação
brasileira para a criminalização de organizações e movimentos sociais no país.
Mesmo assim, o projeto foi
aprovado na Câmara dos Deputados, com a garantia de que lei não se aplicaria “à
conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas,
movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional,
direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, como objetivo de
defender direitos, garantias e liberdades”.
No Senado Federal, porém, o
artigo que mantinha essa garantia foi retirado do texto original. As penas
ficaram mais duras: 16 a 24 anos de reclusão para quem for enquadrado no crime
de terrorismo; 24 a 30 anos caso o ato resultar em morte; e reclusão de 10 a 16
anos para quem recrutar, aliciar, organizar ou aparelhar pessoas para atos de
terrorismo.
O projeto aguarda nova votação no
plenário da Câmara.
“Essa lei é um grande perigo para
as lutas a médio e longo prazo. Quem vai às ruas já está desfavorável diante do
uso indiscriminado das forças de repressão, isso [Lei Antiterrorismo] pode
aguçar mais ainda”, avalia o sociólogo. Citando as manifestações populares no
Egito, nos Estados Unidos e na Argentina, Tible destaca que nos últimos anos
“houve um levante de uma multidão mundo afora e, ao mesmo tempo, as leis e
forças policiais em vários países se aguçaram”.
Longe das polarizações, aponta o
sociólogo, o manifesto visa congregar as sensibilidades da esquerda brasileira
para essas questões que dizem respeito ao livre direito de manifestação no
país. Entre seus 500 signatários, conta Tible, estão “desde anarquistas a
representantes de uma esquerda mais moderada”.
“Há também um peso bastante
significativo do pessoal da cultura. Cineastas, músicos, pessoal do teatro,
tanto que a lista é encabeçada pelo José Celso Martinez Corrêa, do Teatro
Oficina”, complementa.
Confiram a íntegra do manifesto e
cliquem aqui para a assiná-lo:
Mani-f-esta livre!
“Está em grande risco hoje no
Brasil um direito elementar e fundante dos direitos humanos, que define a
qualidade e vitalidade das nossas democracias: o livre direito à manifestação.
Demonstrações diárias de uma
inaceitável repressão: bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, gás de
pimenta, balas de borracha e de chumbo assim como cercamentos são convocadas
pelas instituições policiais, nas periferias e nos centros, nas florestas e no
campo, usadas contra os cidadãos comuns, justamente aquelas e aqueles que estão
lutando contra as cercas.
Em 13 de junho de 2013, uma certa
editoria paulista (a folha) clamava por "retomar as ruas", isto é,
tirar os manifestantes dela para que o fluxo "normal" dos carros
motorizados e individuais retomasse a paisagem urbana. Nesse mesmo dia, a
infeliz e brutal repressão à manifestação chamada pelo MPL virou o jogo na
opinião pública. Desde então está em plena disputa a ocupação das ruas por manifestantes.
É nas ruas que os direitos são
epicamente conquistados, desde o direito ao voto, o de realizar greves ou a
abolição da escravidão. E é nas ruas que arrancaremos o combate às
desigualdades, a reforma das polícias, o fim do extermínio da juventude negra,
do etnocídio dos povos indígenas e do encarceramento em massa - e assim será
também com o direito a um transporte público de qualidade, democrático e com o
pleno direito às nossas cidades.
Por isso, defendemos:
- o livre exercício do trabalho
de jornalistas, advogados, primeiros socorros e defensores legais nas
manifestações;
- proibição do uso de armas
(letais e menos letais) pelas forças policiais nas manifestações;
- reforma das polícias (com a
desmilitarização da PM);
- o rechaço à lei
anti-terrorismo, pelo seu caráter anti-democrático, e ao uso da lei de
organizações criminosas para enquadrar manifestantes;
- o fim imediato da
criminalização das lutas e dos movimentos sociais;
- o debate democrático sobre
políticas públicas e a construção de decisões, sobretudo a respeito do
transporte público."
Créditos da foto: Mídia Ninja
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