Os governos dos países que decidiram manter uma
taxa de juros negativa estão submetendo o setor bancário a uma severa prova de
esforço.
Alejandro Nadal - La Jornada, México // www.cartamaior.com.br
Nos últimos decênios, o domínio do capital
financeiro sobre a economia mundial tem sido quase absoluto. A esfera
financeira se constituiu num espaço de rentabilidade que mantém um alto grau de
autonomia perante as atividades produtivas e comerciais da economia real.
Porém, as coisas podem estar mudando. Os governos
dos países que decidiram manter uma taxa de juros negativa (TIN, por sua sigla
em espanhol) estão submetendo o setor bancário a uma severa prova de esforço.
O setor financeiro chegou a dominar a agenda da
política econômica. Por exemplo, os últimos quatro decênios se caracterizaram
pelo desmantelamento do sistema regulatório sobre todas as operações do sistema
financeiro e bancário. A definição de prioridades para a política
macroeconômica ficou para trás. Os objetivos da política fiscal e da política
monetária foram os do capital financeiro. Em matéria fiscal, a prioridade
número um foi a de gerar um superavit primário para cobrir o pagamento de
cargas financeiras. Os objetivos relacionados com o desenvolvimento econômico e
social foram subordinados às necessidades do capital financeiro.
Na parte monetária, a política macroeconômica
buscou sempre lutar contra outro dos piores inimigos do capital financeiro, a
inflação.
A política monetária manteve quase sempre uma taxa
de juros capaz de conter a demanda agregada e frenar o incremento no índice
general de preços ao consumidor. Com relação aos bancos e suas funções de
criação monetária, a política macroeconômica manteve uma postura passiva e
procedeu a reduzir radicalmente as regulações do sistema financeiro e bancário.
A teoria econômica convencional sempre considerou
que o banco central impunha os níveis de reservas necessários para assegurar o
bom funcionamento dos bancos comerciais privados. Na realidade, a capacidade
dos bancos para criar dinheiro do nada manteve os bancos centrais na defensiva.
Em vez do instituto monetário central ditar os níveis de reservas necessários,
foi a atividade bancária privada a que impôs a criação de reservas necessárias
para manter os níveis de atividade econômica.
Vários países importantes introduziram taxas de
juros negativas (TIN), incluindo o grande espaço econômico da esfera do euro. E
a tendência poderia se intensificar: Estados Unidos e sua Reserva Federal
poderiam recorrer a este esquema de taxas negativas se a ‘recuperação’ se
debilita mais e termina por se esgotar (o que muitos analistas e membros da Fed
consideram que terá que ocorrer).
Até há algumas poucas semanas, o influente
ex-diretor da Reserva Federal de Minnesota, Narayan Kocherlakota, afirmou que
as taxas negativas de juros eram um instrumento poderoso entre as ferramentas
de qualquer banco central. Até onde poderia chegar essa tendência? Analistas do
JP Morgan consideram que os bancos centrais do Reino Unido e do Japão, por
exemplo, poderiam levar suas taxas a níveis negativos de -2,7% e -3,45%,
respectivamente. A Zona Euro poderia alcançar taxas negativas de -4,5%, e essa
decisão poderia ser anunciada em março. Caso considere necessário, a Reserva
Federal teria a capacidade de impor uma taxa negativa de até -1,3%.
Tudo isso terá um forte impacto sobre a
rentabilidade dos bancos. Ou seja, pela primeira vez em quatro décadas, a
autoridade política adota medidas que têm um impacto decisivo sobre a
rentabilidade do setor bancário comercial privado. Apesar de que os bancos
efetivamente têm a capacidade de criar dinheiro “do nada”, sua rentabilidade
depende dos diferenciais das taxas de juros (passivas e ativas). E uma taxa
negativa sobre seus depósitos e reservas no banco central os afeta de maneira
direta.
Nem todo o capital financeiro é afetado da mesma
maneira por estas taxas negativas, mas é certo que quase todo o espectro de
atividades financeiras recebeu um impacto direto. Por exemplo, os rendimentos
dos bonos soberanos de curto prazo na Suíça, Suécia e na Zona Euro foram
negativos em 2015. A razão é que as taxas de referência do banco central eram
uma base para determinar rendimentos nos mercados secundários. Os componentes
não-bancários do setor financeiro também foram afetados. Com as taxas
negativas, a capacidade de alguns fundos de pensões e companhias de seguros
para lidar com obrigações a curto prazo se vê severamente limitada.
As taxas negativas têm por objeto lutar contra a
deflação. Talvez terminam destruindo a paridade cambiária, e esse é outro
objetivo do banco central. Mas também é provável que as taxas negativas afetem
a estabilidade do setor bancário e financeiro de uma forma que talvez não seja
bem apreciada. A luta entre o Estado e o mundo financeiro é uma longa e
interessante história na evolução do capitalismo. Estaríamos presenciando o
início de uma nova fase desta longa história?
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: reprodução
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