Em debate realizado pelo Fórum 21, intelectuais discorrem sobre a crise de valores da civilização ocidental diante da hegemonia do neoliberalismo, ciência da religião e cultura do entretenimento
por Eduardo Maretti, da RBA // http://www.redebrasilatual.com.br/
São Paulo – O Fórum 21 promoveu, na manhã deste sábado (2), o debate A Metafísica do Neoliberalismo e a Crise de Valores no Mundo, realizado na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FespSP). O professor de Ciências da Religião Jung Mo Sung, da Universidade Metodista, proferiu palestra sobre uma “Análise teológica da Economia Política: o caráter religioso do neoliberalismo”. Magali Cunha, professora de Comunicação na mesma instituição, falou sobre “A linguagem e o discurso do neoliberalismo”. A filósofa Marilena Chaui, a mais aguardada no evento, não participou, porque teve "um problema de última hora", segundo a organização do debate.
Os professores da Metodista discorreram sobre a crise de valores da civilização ocidental diante da hegemonia do neoliberalismo. Jung Mo Sung abordou o capitalismo como religião e disse que no mundo contemporâneo os valores são norteados pela mitificação das mercadorias.
Na opinião de Sung, uma leitura atenta de Karl Marx mostra que, para o filósofo alemão, “a mercadoria tem caráter metafísico”. “Para entender o capitalismo, é preciso entender religião”, disse.
Segundo ele, o item que sintetiza esse conceito é a marca italiana Ferrari. “Para que alguém paga US$ 3 milhões por uma Ferrari? Ferrari não é um carro. Ferrari é a promessa da eternidade e da infinitude”, afirmou. Para ele, os centros comerciais contemporâneos assumiram um papel de “religiosidade”. “Antes ia-se à igreja para se recuperar a pureza. Hoje as pessoas vão ao shopping. A verdadeira catedral do mundo contemporâneo é o shopping.”
O problema, disse Jung, é que a promessa liberal de que todos teriam acesso aos bens de consumo e às benesses do capitalismo era uma ilusão. “Em 1972, surge um problema: a publicação do livro Os Limites do Crescimento (vários autores), que disse que isso não era possível.”
Segundo ele, o mundo atual está num impasse. “Voltamos ao debate do século 18: o ser humano tem direitos?” O símbolo desse debate seria a questão colocada por grupos conservadores para os quais “os direitos humanos são coisa de bandido”. “O progresso tecnológico chegou a um ponto tal, que destruiu as bases humanistas do mundo moderno.”
De acordo com Magali Cunha, a mídia é atualmente um veículo de programação do terror. “O Estado Islâmico usa a mídia para fazer terror. (No Brasil) temos nossos terroristas midiáticos, como Raquel Sherazade e (José Luiz) Datena”, afirmou.
Na opinião da acadêmica, nas telenovelas brasileiras “a pena de morte é um dado”. “Os vilões sempre morrem no final. A pena de morte já está estabelecida nas telenovelas.” Porém, essa cultura não está confinada à telinha e à cultura do entretenimento, mas se dissemina na realidade e no cotidiano. “Basta ver as estatísticas das polícias.” Para Magali, essa cultura é propagada “no jornalismo do Datena”, responsável, entre outros, por propagar a ideia de punição e do que “o cidadão (que comete crime) merece”.
A culpa
Jung Mo Sung falou sobre a culpa introduzida pelo capitalismo nas pessoas, principalmente as de baixo poder aquisitivo. “O pobre que aceita a culpa, por não poder comprar brinquedo para o filho, sofre duas vezes. Pela fome e pobreza e pela culpa. E culpa e humilhação não saem quando você come. Quando você come, você mata a dor da fome. A dor da culpa, não. Isso vai aparecer em violência familiar, neuroses, loucuras”, disse.
De acordo com ele, a culpabilização gera um efeito social devastador. “Quem se sente culpado não luta, o que pressupõe a descoberta da dignidade e direitos fundamentais de todo ser humano. Daí que é tão difícil organizar movimentos sociais hoje.”
Para ele, a saída de mais esse impasse contemporâneo é uma hipótese: “um mito se combate com outro mito”. A proposta, defende, é estudar o apóstolo Paulo, um dos mais importantes escritores do cristianismo, independentemente de se acreditar ou não em Deus. “Paulo conseguiu uma coisa que a gente não está conseguindo: criar comunidades de resistência frente ao império. Ele tem alguma coisa a nos ensinar”, disse Sung.
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