O modo UBER de organizar e remunerar a força de trabalho distancia-se crescentemente da regularidade do assalariamento formal, acompanhado geralmente pela garantia dos direitos sociais e trabalhistas.
Por Marcio Pochmann. // https://blogdaboitempo.com.br/
A longa jornada de regulação do mundo do trabalho no Brasil pode estar com seus dias contados diante do sinal verde concedido pelo Governo Temer ao projeto de lei que leva à universalização da terceirização no mercado de trabalho. A recente e parcial derrota dos trabalhadores imposta pela Câmara dos Deputados ao aprovar uma nova legislação que termina por colocar por terra a septuagenária CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) ameaça tornar-se conclusiva com possível resultado final da apreciação no Senado Federal.
Se concretizado, os trabalhadores defrontar-se-ão com uma quarta tentativa de impor rumo divergente ao movimento maior de transição da precariedade para a seguridade no mundo do trabalho. Sabe-se que após a aprovação da CLT, em 1943, houve nos governos da Ditadura Militar (1964-1985) duas ações de contrariedade da regulação do trabalho.
Uma primeira na década de 1960, com a introdução do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e da política salarial de arrocho. Pelo FGTS, os trabalhadores com mais de dez anos empregados na mesma empresa perderam a estabilidade laboral, o que significou enorme rotatividade no mercado de trabalho, com cerca da metade dos assalariados demitidos a cada ano motivada pele possibilidade da redução salarial.
Na política salarial vigente entre 1964 e 1994, o resultado foi, em geral, a perda de poder compra do rendimento dos trabalhadores, sobretudo no valor real do salário mínimo, que atende a base da pirâmide distributiva do País. Diante da significativa expansão da produtividade do trabalho, os salários perderam para a corrida para a inflação, o que contribuiu ainda mais para o agravamento da desigualdade de renda no Brasil.
No regime democrático iniciado em 1985, a regressão na regulação do trabalho se deu na década de 1990, com a flexibilização dos contratos impulsionada pelos governos neoliberais dos fernandos (Collor, 1990-92, e Cardoso, 1995-2002). O avanço na precarização nas relações de trabalho se mostrou inquestionável, com agravamento da informalidade e do desemprego.
Este ambiente voltou a predominar atualmente. Nesse sentido, a ascensão iminente da terceirização, agora garantida por legislação própria, permitirá retomar o sentido inverso à transição da precariedade para a seguridade no mundo do trabalho.
A atualidade do projeto de lei da terceirização a ser ainda avaliado pelo Senado Federal e que conta com o apoio antecipado do governo Temer, encontra-se em sua ramificação com a perspectiva de generalização da UBERização do trabalho neste início do século 21. Isso porque o modo UBER de organizar e remunerar a força de trabalho distancia-se crescentemente da regularidade do assalariamento formal, acompanhado geralmente pela garantia dos direitos sociais e trabalhistas.
Como os direitos sociais e trabalhistas passam crescentemente a ser tratados pelos empregadores e suas máquinas de agitação e propaganda enquanto fundamentalmente custos, a contratação direta, sem direitos sociais e trabalhistas libera a competição individual maior entre os próprios trabalhadores em favor dos patrões. Os sindicatos ficam de fora da negociação, contribuindo ainda mais para esvaziamento do grau de organização em sua própria base social.
Ao depender cada vez mais do rendimento diretamente recebido, sem mais a presença do histórico salário indireto (férias, feriado, previdência, etc), os fundos públicos voltados ao financiamento do sistema de seguridade social enfraquecem, quando não contribuem para a prevalência da sistemática do rentismo. A contenção da terceirização, em função disso, poderia estancar a trajetória difusora do modo Uber de precarização das contratações de trabalho.
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Marcio Pochmann é Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas. Autor, entre outros de, O mito da grande classe média: capitalismo e estrutura social (2014), O emprego no desenvolvimento da nação (2008) e O emprego na globalização (2001), seu livro Nova classe média, publicado pela Boitempo em 2012 foi finalista do prêmio Jabuti deste ano na categoria de não-ficção.
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