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por Conceição Lemes
Na quarta-feira (21/09), o juiz Sérgio Moro aceitou denúncia do Ministério Púbico Federal (MPF) contra o ex-presidente Lula e Dona Marisa, apesar do “não temos provas, mas temos convicção” dos procuradores da Lava Jato.
Na quinta-feira (22/09), o ex-ministro da Fazenda dos governos Lula e Dilma, Guido Mantega, foi preso pela Polícia Federal (PF) a mando de Moro, na porta de entrada do Hospital Albert Einstein, onde acompanhava a esposa com câncer que ia ser submetida a uma biópsia.
A reação da opinião pública à crueldade foi tamanha que Moro soltou Mantega cinco horas depois, dando a desculpa esfarrapada de que desconheciam o estado de saúde da esposa do ex-ministro.
O despacho de Moro para prender Mantega é do dia 16 de setembro, como revelou Fernando Brito, no Tijolaço.
Considerando que Mantega estava na mira deles, é de se supor que estava sendo monitorado, talvez até grampeado.
Como os agentes da PF não tiveram competência para perceber algo tão evidente, como o drama familiar que Mantega estava vivendo? Duvido.
Agora, se eles desconheciam mesmo a situação, por que a PF não abortou a prisão, quando Mantega disse que estava no hospital? Vale lembrar que os policiais foram primeiro à casa do ex-ministro; como não estava, ligaram para o celular dele.
Será por que o show pré-agendado com grande mídia tinha que ser entregue de qualquer jeito, já que a série Espetáculos Lava Jato não pode parar?
Para completar a escalada do arbítrio que na semana passada chegou ao ápice, também na quinta-feira (22/09), o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu que a Lava Jato não precisa seguir as regras dos processos comuns.
“Sinceramente, estou com medo porque o estado de direito não está garantindo hoje ao cidadão brasileiro as garantias que ele deve ter. Os episódios dessa semana demonstram bem isso”, alerta Afranio Silva Jardim, em entrevista ao Viomundo. “A comunidade jurídica tem que se rebelar.”
Afranio Silva Jardim é um dos maiores processualistas brasileiros. Há 36 anos leciona Direito do Processo Penal, sendo autor de três obras sobre a matéria.
Mestre e livre-docente em Direito Processual, atualmente é professor associado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Tem 31 anos de Ministério Público, estando há seis aposentado.
No início da Operação Lava Jato, ele trocou e-mails com o juiz Sérgio Moro sobre questões processuais.
“Quando a Lava Jato estava trabalhando só com o aspecto policial, até elogiei porque ninguém é a favor da corrupção”, conta-nos.
“Porém, quando percebi que a questão era política, mandei um e-mail falando da minha decepção. Ele perguntou por quê. Expliquei. Ele disse que lamentava e, assim, rompemos.”
Afranio Silva Jardim não conhece pessoalmente Moro nem os advogados do ex-presidente Lula.
Na semana retrasada, ele postou em sua página na rede social, e o Viomundo republicou, uma análise arrasadora da denúncia-powerpoint dos procuradores da Lava Jato contra Lula.
Segue a íntegra da entrevista a esta repórter, começando pela gravíssima decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Viomundo – Por 13 a 1, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu que a Lava Jato não precisa seguir as regras dos processos comuns. É um alvará para a “República de Curitiba” agir impunemente fora da lei?
Afranio Silva Jardim – Que vergonha! Estamos vivendo mesmo dias sombrios. Nunca pensei que um tribunal do nosso país chegasse a dizer o que disse: os processos da Lava Jato “trazem problemas inéditos e exigem soluções inéditas”.
Ou seja, o Tribunal Federal passa a reconhecer a existência de dois sistemas jurídicos. Um para os processos comuns e outro para os decorrentes da Operação Lava Jato. Acho até que eles acabam admitindo duas Constituições Federais. Temo que o Tribunal esteja dando um cheque em branco à Lava Jato.
Viomundo – Essa decisão legitima as mais de 200 conduções coercitivas desde o começo da Lava Jato, entre as quais a do ex-presidente Lula, os grampos no escritório dos seus advogados, a divulgação do grampo da conversa dele com a presidenta Dilma e a prisão do ex-ministro Guido Mantega?
Afranio Silva Jardim – A prevalecer este entendimento, sim. Estamos perdidos. Acabou o estado de direito no Brasil. Não haverá mais segurança jurídica. A comunidade jurídica tem que se rebelar.
Viomundo – Em uma palavra, o que achou da prisão de Mantega?
Afranio Silva Jardim – Perversidade! Estamos perdendo o sentido de humanidade, de solidariedade com a dor alheia. O pior é que toda esta virulência se perpetra sob a alegação de estar agasalhada pelo nosso sistema jurídico. Ao menos, nas ditaduras, não há este cinismo.
Estivesse a minha esposa, a minha filha ou um dos meus netos no lugar da esposa do Guido Mantega, a polícia só me tiraria do hospital algemado e arrastado, após me bater muito.
Fico imaginando a agonia dele, na sede da Polícia Federal por várias horas, sem saber da saúde da esposa, se seria ou não levado não para Curitiba… Tudo isso, talvez, caracterize violação à dignidade da pessoa humana.
Viomundo – Juridicamente havia motivo para a prisão preventiva de Mantega?
Afranio Silva Jardim – Não. E, aí, pergunto ao juiz Moro e ao próprio Ministério Público Federal (MPF): por que requerer a prisão preventiva do ex-ministro, considerando que o suposto crime teria se consumado há anos e ele estava convivendo em sociedade em total normalidade, com residência fixa, família constituída, trabalho lícito e bens de raiz? Que conduta ele praticou, nesse intervalo de tempo, para que se presumisse que colocaria em risco a ordem pública ou a coleta da prova?
Assisti ao vídeo de Eike Batista, que teria originado o pedido de prisão de Mantega. Fiquei muito impressionado. E olha que eu tenho experiência.
Mesmo que se admita como verdade absoluta a versão do Eike — mera hipótese para argumentar–, pergunto ao juiz Moro e ao MPF: onde está o crime de Mantega, que apenas teria solicitado implicitamente um valor pecuniário como doação para pagar dívida de campanha do PT, como diz o próprio Eike?
O direcionamento e a seletividade das perguntas dos procuradores nesse depoimento são tão evidentes que, para efeitos de argumentação, acrescento: por que o Ministério Público Federal estava preocupado apenas com o ex-ministro dos governos Lula e Dilma, chegando ao cúmulo de dispensar a lista com doações a outros partidos, inclusive PSDB?
Por outro lado, no depoimento do senhor Eike Batista não vi qualquer vinculação desta doação com algum contrato lesivo à Petrobrás, onde ele tivesse algum retorno do que doou.
Viomundo – Na semana passada, o senhor criticou severamente a representação MPF contra o ex-presidente Lula, reduzindo-a a pó. Disse que reprovaria aluno que redigisse denúncia como a que foi apresentada. Supunha que, apesar de a denúncia ser inepta e do“não temos provas, mas temos convicção”, o juiz Moro fosse acatá-la?
Afranio Silva Jardim — Eu acho que o Moro vai condenar o Lula, o presidente da OAS e fazer uma média, absolvendo a Dona Marisa e alguns executivos da empreiteira. Acho também que o Tribunal Federal da 4ª Região vai manter a condenação.
Viomundo – Tecnicamente a decisão do Moro é correta?
Afranio Silva Jardim – Seja pela denúncia do MPF, seja pela decisão de recebimento do magistrado, me parece que o Moro não está correto tecnicamente. Agora, ele e os procuradores da Lava Jato estão atropelando tudo. O Direito deixa de ser uma garantia do cidadão e o processo passa a ser uma forma de legitimar uma condenação desejada previamente. Como já se disse alhures, nesta situação “prova é só um detalhe, um pretexto para a condenação”.
Viomundo — Em sua decisão, o Moro apresentou alguma prova de que Lula tenha cometido qualquer ilicitude em relação ao caso do tríplex, do armazenamento do arquivo presidencial e aos crimes na Petrobras?
Afranio Silva Jardim – Não há qualquer prova, ainda que mínima de uma conduta que tornasse Lula autor, coautor ou partícipe dos crimes praticados pelos funcionários da Petrobras. Tais crimes são comissivos [exigem ação concreta da pessoa para que ocorram] e não há participação por omissão em crime comissivo.
Saber de um esquema criminoso – e eu NÃO estou dizendo que o Lula sabia — não transforma a pessoa em partícipe de todos os crimes que terceiros venham praticar. Aliás, tanto na denúncia do MPF quanto na decisão do Moro, não se afirmou que Lula sabia que um ou outro contrato da Petrobras era ilegal.
Viomundo — Então juridicamente não tem sentido a decisão do Moro?
Afranio Silva Jardim — Não prova há de que o Lula contribuiu eficazmente, concretamente, através de, ao menos, uma ordem em relação àqueles contratos lesivos à Petrobras. Não há também sequer alegação a respeito na denúncia do MPF e na decisão do Moro.
Por exemplo, hipoteticamente: não está dito que, no mês de janeiro do ano tal, Lula se encontrou com o Cerveró ou sei lá quem e mandou privilegiar alguém ligado à empresa OAS nos contratos da Petrobras. Não tem nada disso. Se tivesse a alegação, aí, depois nós iríamos procurar uma prova mínima que seja. Mas nem isso tem na denúncia.
Viomundo — Os procuradores dizem ter a convicção de que Lula sabia do esquema criminoso na Petrobras e seria o “chefe”, “maestro”, o “comandante”.
Afranio Silva Jardim — Mas ninguém prova. O fato de que sabia não significa que é partícipe do crime. Só é participe quem participa, como diz a própria palavra. Participar é contribuir, através de conduta comissiva que tenha eficácia causal.
Não tem nenhuma prova de que o Lula ligou para o diretor da Petrobras e autorizou aquele contrato prejudicial à petroleira. Ou mandou vencer determinada licitação, privilegiando certa empresa. Não tem nenhuma afirmação nesse sentido. Por conseguinte, também não há prova.
Suponhamos que você seja dona de uma grande empresa. Você vai responder lá na ponta por tudo o que seus funcionários fizerem?
— Ah, mas ele se omitiu…
Mas isso não é Direito Penal “do fato”, não há crime sem conduta. Não basta saber para responder pelo crime.
Repito: uma pessoa saber genericamente de esquema criminoso, não provado, não a transforma em autora, coautora ou partícipe. É preciso ter prova, ainda que mínima, de alguma ordem específica dada para o autor imediato praticar o crime.
Viomundo — Na decisão, Moro, após falar sobre outras condenações por fraudes na Petrobras, afirma: “questão diferenciada diz respeito ao envolvimento consciente ou não do ex-presidente no esquema criminoso”. Pelo que entendi, ele afirma que o Lula, mesmo tendo envolvimento inconsciente (“ não consciente”) do esquema criminoso, teria agido dolosamente.
Afranio Silva Jardim – É o que ele diz. Além disso, que conduta do Lula caracterizaria este “envolvimento consciente”? Se existe tal conduta dolosa, qual a prova mínima neste sentido?
O certo seria verificar e mencionar uma conduta específica de participação direta nos contratos lesivos e individualizados da Petrobras. Até porque sobre esta questão central – a existência ou não de conduta de participação dolosa do Lula em face dos contratos –, o juiz Moro, em sua decisão, usa a genérica expressão “conhecimento e participação dolosa”.
Daí, pergunto: através de que ato, conduta, houve participação dolosa do ex-presidente Lula?
Viomundo – Moro trata disso na decisão?
Afranio Silva Jardim – Não. Apenas se preocupa com a existência ou não de mera ciência de Lula em relação às fraudes em geral. Isso fica evidente quando ele diz que iria individualizar as condutas, mas, na verdade, tudo deduz da suposta circunstância de que o ex-presidente, sendo beneficiário direto das vantagens concedidas pelo grupo OAS, “teria conhecimento de sua origem no esquema criminoso que vitimou a Petrobras”.
Insisto: ter conhecimento de um “esquema criminoso” não transforma a pessoa responsável penalmente por todos os crimes que venham a ser praticados.
Viomundo – Lula já disse trocentas vezes que o tríplex do Guarujá não é dele. Só que o juiz diz que é do Lula, e acabou.
Afranio Silva Jardim — A questão é surreal. No Direito brasileiro só é proprietário quem tem o contrato da propriedade registrado no Registro Geral de Imóveis por uma escritura pública. No caso, o apartamento está em nome da OAS. Não se transfere a propriedade imobiliária por contrato verbal e muito menos pelo desejo de comprar o imóvel que se visita.
O próprio Moro reconhece que “não foi formalizada a transferência do apartamento 164-A da OAS para eles”. Depois, apenas assevera que o imóvel tinha sido “destinado” ao acusado.
Moro ainda diz: “Há razoáveis indícios de que o imóvel em questão teria sido destinado, ainda em 2009, pela OAS ao ex-presidente e à sua esposa, sem a contraprestação correspondente, remanescendo porém a OAS como formal proprietária e ocultando a real titularidade”.
A destinação de um imóvel seria uma reserva em favor do pretendente? Destinação de um imóvel já exige o pagamento de seu preço? Que titularidade é esta sem título?
Não se transfere propriedade porque você visita o apartamento, o deseja ou pede que se faça uma obra nele. Não há transferência de propriedade por contrato verbal.
Ainda que o dono da OAS dissesse: Lula, o apartamento é teu. O Lula não é proprietário. No dia em que falecer, o triplex não vai ser inventariado como sendo do dele.
— Ah, mas foi reservado — alguns podem retrucar.
Reservado não quer dizer que foi transferido o patrimônio.
Viomundo – E agora?
Afranio Silva Jardim — O Lula não tem que provar nada, quem tem que provar é a acusação. O ônus da prova é sempre da acusação.
Não há como fazer prova de “fato negativo”, ou seja, fato que não existiu. É até mesmo questão de pura lógica.
Imagine a seguinte situação. Alguém vai à tua casa e te acusa de furtar uma caneta. Como vai provar que não roubou? Você não tem como provar fato que não existiu. Só que, assim como o Lula, você poderá ser condenada não porque o juiz tem prova do roubo, mas porque ele tem a convicção de que você roubou a caneta.
Viomundo – E a denúncia contra a Dona Marisa?
Afranio Silva Jardim – A fragilidade da acusação é ainda maior. Visitar um apartamento e sugerir reformas para eventual compra não transforma o visitante em proprietário e não é crime de lavagem de dinheiro.
Moro cita-a em apenas um parágrafo, no qual suscita dúvida sobre o dolo dela. Na verdade, não há nada no inquérito que autorizaria o juiz a dizer que haveria dolo de Dona Marisa. Na verdade, não há prova mínima desse crime. Sem ele, a decisão do juiz é atípica, subjetiva.
Viomundo – Por que processá-la criminalmente?
Afranio Silva Jardim — De forma não técnica, diria que é uma “maldade”.
Tem que punir o corrupto? Claro que tem. Mas não é a qualquer preço, de qualquer maneira. Não se podem burlar questões técnicas. Se elas são atropeladas, não se tem garantias.
Infelizmente, no caso da Lava Jato, tudo está sendo atropelado, indo de roldão. Isso não pode acontecer.
Do jeito que as coisas estão caminhando, amanhã vão dizer que eu, Afrânio, sabia que o Manoel e João da esquina praticaram crimes, e acabou, estarei condenado…
Um juiz vai dizer: Ah, mas ele (no caso, eu, Afranio) é o chefe, o maestro da corrupção.
Não tem prova? Não processa! Ainda que tivesse prova, eu não poderia responder por todos os crimes que os dois praticaram.
Viomundo – Os advogados de Lula têm denunciado sistematicamente as ilegalidades praticadas pela Lava Jato contra o ex-presidente, violando direitos e garantias. O senhor concorda com eles?
Afranio Silva Jardim – Sim, e nós já alertamos para isso. Algumas coisas ilegais e arbitrárias estão muito evidentes na Lava Jato. Por exemplo, as conduções coercitivas.
Primeiro, pelo Código do Processo Penal, só cabe condução coercitiva quando a pessoa é intimada a depor uma primeira vez e deixa de comparecer, sem motivo justificado. E não é isso o que está acontecendo. Lula toda a vez que é chamado comparece.
Segundo, a regra que permite a condução coercitiva não vale para o indiciado, o suspeito ou réu, já que a Constituição de 1988 permite o direito de ele ficar calado.
Ou seja, não cabe a condução coercitiva se a pessoa é suspeita, indiciada ou ré, já que ela tem o direito de ficar calada. O dispositivo do Código do Processo Penal que previa isso não foi acolhido pela Constituição de 1988. Vale dizer, está revogado.
Viomundo – Se a pessoa tem o direito de ficar calada, por que levá-la à força, às 6h da manhã, num camburão para a delegacia, como aconteceu com o Lula em 4 de março e com o Mantega na quinta-feira?
Afranio Silva Jardim – Independentemente do motivo, constrange a pessoa na frente de filhos, pais, vizinhos. E, ainda, fere o seu direito de defesa, já que o advogado não está lá na hora para acompanhar e orientar. Isso aconteceu com o ex-presidente e vários outros indiciados. Pior. Continua acontecendo!
Diferentemente do que acontece quando a pessoa é intimada a depor. Além de ter ela o direito de saber o motivo da intimação para poder se defender, ela tem o direito de consultar o seu advogado, em circunstâncias por ela desejadas.
Outra ilegalidade é a busca domiciliar para apreensão genérica de elementos de provas. Além de ter mandado, a procura não pode na base do “sei lá o que estamos procurando”; tem de ser de coisas determinadas.
Vamos supor que a polícia vá à sua casa porque tem a denúncia de que você vende uísque de contrabando. Para isso, ela tem que ter mandado para apreender o uísque e não o seu relógio, por exemplo.
Portanto, a Polícia Federal não poderia ter revirado a casa do Lula, levantado até o colchão à procura de alguma coisa, que nem mesmo se sabe o que é. Isso é devassa e constrange toda a família.
Também não poderia ter ido à casa do filho dele, arrombado a porta e mexido em tudo, à procura de alguma coisa.
A polícia não pode ir à tua casa cedinho, bater na porta, se você não abrir, ela arromba, revista as tuas gavetas, mexe nas tuas roupas íntimas, joga no chão tudo. E depois do acha, não acha, vai embora.
Viomundo – Mas isso é o que a policia faz rotineiramente com os pobres.
Afranio Silva Jardim – Mas a Constituição não permite. É ilegal.
Lamentavelmente, a grande imprensa, em vez de esclarecer a população de que a polícia não pode agir dessa maneira, ela esconde os abusos ou os justifica.
O correto é parar de fazer com os pobres e não fazer também com os ricos.
Viomundo – Agora, se o Código do Processo Penal e a Constituição não permitem esses abusos, como o Moro, procuradores do MPF e Polícia Federal cometem essas ilegalidades abertamente?
Afranio Silva Jardim – Nós já estamos cansados de falar isso, mas eles ignoram.
Infelizmente, a mídia está deixando passar batido, não denunciando as ilegalidades. O risco, agora, é a conhecida decisão do Tribunal Federal da 4ª. Região.
Viomundo – O Tribunal Federal da 4.a Região já está mantendo a maioria das ilegalidades praticadas pelo juiz Moro e pela Lava Jato. Como fica?
Afranio Silva Jardim – Em Direito, as coisas são complicadas. A avaliação dos fatos é subjetiva. Eu posso acreditar no que diz a testemunha e você, não; e vice-versa. Como a valoração do fato é subjetiva, ela dá margem à disparidade de entendimento.
É comum o juiz querer condenar o sujeito por uma razão x e vai procurar na prova aquilo que atende ao desejo dele. Isso acontece.
Às vezes, o juiz tem impressão muito ruim do réu, e fica predisposto. Aí, ele vai ler o processo buscando elementos para condenar. Isso é do ser humano. É uma limitação.
E quando há questão política envolvida, não há plena imparcialidade minha, sua, nem do Supremo Tribunal Federal. Tem limites.
Daí, um juiz só é perigoso. Daí também, ser bom o colegiado, por ter cabeças diferentes, uma compensa a outra. O Poder Judiciário não pode atropelar a lei, do contrário não se tem garantias.
Porém, o Tribunal Federal da 4ª Região está mantendo a maioria dos atos aparentemente ilegais do juiz Moro e da Lava Jato.
Toda a comunidade jurídica já denunciou isso também. Logo, nós estamos errados e eles certos. Ou comunidade jurídica está certa e o Judiciário está pisando na bola.
Viomundo – A esta altura o juiz Moro já não deveria ter sido declarado suspeito para julgar o ex-presidente Lula?
Afranio Silva Jardim — Se você fizer hoje uma pesquisa no Brasil, 90% das pessoas dirão que o Moro condenará o Lula de alguma forma.
Por que isso? Alguma coisa está errada. Imagine um juiz religioso que tenha julgar uma questão religiosa. A neutralidade nesse caso é muito difícil.
Se eu fosse juiz e o réu tivesse comigo muita afinidade religiosa, política, ideológica, eu não gostaria de julgá-lo, eu me daria por suspeito.
Eu li a lista de suspeições que os advogados de Lula apresentaram em relação ao juiz Moro. Nossa senhora! Há muitos fatos ali que mostram suspeição. Por isso, 90% das pessoas acham que o Moro vai condenar o Lula.
O que teria que fazer? Teria que se afastar todo tipo de suspeição para não ter problema nenhum. Não basta ser imparcial, tem que parecer ser imparcial.
Viomundo — Não é o caso do Moro e da sua turma da Lava Jato?
Afranio Silva Jardim — Mas ele não quer largar o processo, porque ele quer condenar o Lula.
O pessoal da Lava Jato, inclusive ele, acha que estará resolvendo todo o problema da corrupção no Brasil.
Tem uma visão messiânica, meio de salvador da pátria. Perderam o equilíbrio da coisas, os limites do razoável.
Viomundo – E agora?
Afranio Silva Jardim – Os últimos episódios em relação ao Lula e ao ex-ministro Guido Mantega mostram que o estado democrático de direito está abalado, não está valendo muito, não.
Sinceramente, estou com medo porque o estado de direito não está garantindo hoje ao cidadão brasileiro a tranquilidade, as garantias que ele deve ter.
A opinião pública está dividida, há um ódio muito grande e as pessoas não querem mais raciocinar.
Está difícil argumentar que toda pessoa tem direito a um julgamento justo, por isto se fala em “devido processo legal”, “princípio do juiz natural”, “princípio do promotor natural”, etc.
Quando se diz isso, muitos nas redes sociais dizem que se é corrupto, tem que se condenar, e pronto. Está difícil de argumentar, porque está tudo muito envenenado.
Você quer condenar corrupto? Todo mundo quer, mas tem limite. Por isso, recorre-se ao Judiciário.
O processo penal é um instrumento para aplicação da lei penal. Mas preservando o estado democrático social de direito.
Se esses valores vão sendo postergados para punir, é a barbárie. Os fins não justificam os meios.
É melhor deixar um ladrão impune do que condenar um inocente ou mesmo condenar o culpado, atropelando os direitos fundamentais previstos na Constituição.
Viomundo — Considerando que o Tribunal da 4ª Região legitimou o estado de exceção da Lava Jato, o que fazer agora?
Afrânio Silva Jardim – Acho relevante mobilizar a chamada comunidade jurídica e a sociedade em geral. Entretanto, não bastam manifestações isoladas.
É preciso atuação concreta, imediata e organizada. As entidades vinculadas ao mundo jurídico não podem mais se omitir.
Por que não chamar os professores e os estudantes de direito para irem às ruas, de forma ordeira e responsável?
A atuação formal e institucional fica por conta dos advogados nos processos pertinentes, mas a população pode dizer que não aceita “condenações a qualquer preço”.
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