terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Fantasia midiática


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Como haveriam de enfrentar o Carnaval os sabujos propagandistas das redações? Com suas roupas e expressões usuais. Ainda assim, há quem possa vestir o fardão dos imortais

Ando pela rua e dou com a capa da revista Exame exibida com destaque por uma banca de jornais. Leio a chamada, imponente: “O PIOR JÁ PASSOU”. Logo adiante, cartaz pendurado em um poste garante “Magia fundamental”, para o amor e coisas mais, “rápida e absoluta”. Talvez haja uma relação esotérica entre dois anúncios tão promissores.

Mortais comuns, que não se confundem com os magos da mídia nativa, alquimistas setecentescos ou fadas dos contos da carochinha, têm razões para entender o oposto: o pior ainda há de vir. Basta encarar a situação com um mínimo de isenção e recurso comedido aos neurônios, para perceber a inevitabilidade de um desfecho... aqui me detenho em busca do qualificativo.

Trágico? Violento? Espantoso? Acachapante? Ridículo? Só consigo imaginar o trabalho insano a que será obrigado um futuro governo democrático para pôr ordem na orgia golpista.

Quem sabe não seja suficiente um governo para consertar o monstruoso estrago provocado pelo desmando geral e irrestrito do estado de exceção em que fomos precipitados com a contribuição decisiva da mídia nativa. Esta até agora disposta a nos dizer no bom caminho. Crentes nas artes mágicas ou, simplesmente, hipócritas irresponsáveis, brasileiros indignos, os propagandistas midiáticos?

Na seção QI, o redator-chefe Nirlando Beirão conta com a costumeira elegância da escrita a decadência do circo tradicional, substituído pelos picadeiros da política, povoados por palhaços de diversos calibres, entre grotescos e malignos. Reservaria um papel de realce para a mídia nativa e os seus melhores intérpretes, envolvidos na pantomima que os torna porta-vozes do desgoverno.

Em tempo de Carnaval, pérola barroca da nossa vocação festeira mesmo em meio à desgraça, qual seria a fantasia aconselhável aos propagandistas midiáticos? Haverá quem sugira Arlequim, capaz de servir ao mesmo tempo a dois amos e de enganar meio mundo.

Errado: assim como é difícil, senão impossível, colher o adjetivo certo para qualificar o inevitável desfecho do espetáculo em curso, chega a ser impossível escolher a fantasia para tantos militantes de páginas impressas, microfones, vídeo.

Arlequim, vale esclarecer, é um campônio de Bergamo, norte da Itália, esperto e sagaz, aluno da vida atribulada. Há uma sinceridade profunda na sua atuação, uma espécie de rendição ao senso prático, sem contar o irredutível desdém pelos patrões, os primeiros a serem enganados por nosso herói. Não há como sugerir essa fantasia, bem como de qualquer outra proposta pelas personagens da Commedia dell’Arte. Figuras dotadas de extrema autenticidade, fiéis à sua índole e a seu destino.

Na origem do Carnaval era comum que as escolas de samba, sem que houvesse então um sambódromo, vestissem seu balé, de suntuosa pele negra, como cavalheiros e damas de uma corte do século XVIII, igual aos candidatos à guilhotina depois da Tomada da Bastilha.

Quando menino, recém-chegado ao Brasil, pareceu-me colher, ao folhear as páginas da cobertura carnavalesca da revista O Cruzeiro, algo assim como o deboche e a esperança da desforra. Illo tempore, sonhava com a Tomada da Casa-Grande.

Há seres humanos, ou tidos como tais, que dispensam a fantasia. Não me refiro, obviamente, aos cidadãos sábios, e sim àqueles fantasiados por natureza. Sinto-me à vontade ao incluir no rol os sabujos das redações, embora valha recordar que dois deles, se não me engano, podem sair com seu fardão dos imortais, inexcedível indumentária para um perfeito desempenho carnavalesco.

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