domingo, 28 de maio de 2017

'A mídia está criando um clima internacional para justificar uma intervenção estrangeira na Venezuela'

'A mídia está criando um clima internacional para justificar uma intervenção estrangeira na Venezuela'. 26636.jpegSeminário em São Paulo debateu a situação no país caribenho e a imagem veiculada pelos meios de comunicação

Eduardo Vasco, Pravda.ru

A Venezuela voltou a ser manchete nos jornais de todo o mundo com a nova fase da crise política abatida sobre o país nos primeiros meses deste ano.

De modo similar aos acontecimentos do início de 2014, a oposição voltou às ruas com protestos violentos. Na mídia internacional, as manifestações são apontadas como pacíficas e motivadas pela crise econômica, pela falta de liberdade de expressão e pelo repúdio popular ao governo, considerado autoritário e opressor.

Entretanto, essa imagem foi desafiada por alguns brasileiros que viajaram à Venezuela recentemente e contaram o que viram por lá, além de terem explicado o contexto político, social, econômico e internacional da crise venezuelana.

"Existe uma manipulação das imagens e dos discursos muito intensa e massiva" na mídia internacional, avaliou Paola Estrada, representante da ALBA Movimentos, entidade que reúne movimentos populares ligada à Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA).

Segundo ela, a repetição de imagens de violência supostamente cometida pelas forças de segurança da Venezuela contra marchas da oposição é uma estratégia midiática para desestabilizar o governo do presidente Nicolás Maduro. "A mídia está criando um clima internacional para justificar uma intervenção estrangeira", afirmou durante o seminário "Venezuela - guerra midiática e Constituinte Popular", realizado em São Paulo na última quinta-feira (25).

Mais de 50 pessoas morreram em meio à onda violenta naquele país em cerca de dois meses. Perícias, investigações e vídeos mostram que, ao contrário do noticiado pela imprensa, a maioria dos mortos não foi assassinada pela polícia ou pelo exército. Além disso, frequentemente são descobertas tramas de criminosos ligados a políticos da oposição, embora parte dos atos violentos não tenha sido contida pelo governo, como o acontecimento que chocou a população local esta semana: durante uma manifestação opositora nos arredores de Caracas, um grupo ateou fogo em um jovem de 21 anos, que sofreu queimaduras de 1º e 2º graus em 54% de seu corpo, além de ter sido perseguido, espancado e ferido com armas brancas.

Crise econômica

Também durante o debate, Estrada explicou que a crise econômica que o país vive há mais de três anos é fruto de uma "guerra econômica" desencadeada por grupos empresariais venezuelanos e estrangeiros para colocar a culpa no governo e assim tentar derrubá-lo.

Apesar da melhora dos índices econômicos e sociais em comparação com os governos anteriores, os presidentes Hugo Chávez e Nicolás Maduro ainda não conseguiram acabar com a dependência estrutural dos preços do petróleo pelo país. A Venezuela foi muito atingida pela crise internacional e pela queda dos preços do petróleo, principal riqueza do país.

Além disso, 35% do PIB depende da importação de produtos básicos, como farinha, café, açúcar, leite e carne, que são distribuídos por empresas privadas e que o Estado compra para repassar a preços acessíveis à população. No entanto, parte das empresas escondem esses produtos para vender a preços mais altos, evitando a regulação pelo governo, impulsionando um mercado paralelo.

No mercado paralelo também são fixados os preços dos produtos com uma grande desvalorização do bolívar (a moeda nacional) em relação ao dólar, o que faz com que haja dois índices diferentes para medir a inflação: o oficial e o paralelo, calculado e difundido em páginas web estrangeiras. Essa é a chamada inflação induzida, explanou Estrada.

Mesmo assim, o quadro não é o mesmo pintado pela mídia internacional - a partir da criação dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAPs), criados pelo governo em 2016 e nos quais a população organizada distribui os produtos a preço justo, o povo voltou a ter acesso a produtos básicos, apesar da "sabotagem" continuar, segundo ela. "O que a gente vê na TV é muito surreal", disse, complementando: "Você anda pelas ruas e não é isso (filas e miséria) o que vê."

Crise Política

Desde que a oposição conquistou a maioria na Assembleia Nacional, a partir da vitória nas eleições legislativas de 2015, a crise política se intensificou. Ao assumir a presidência da Casa, o deputado opositor Henry Ramos Allup, um dos principais adversários do chavismo, decretou a queda de Maduro em um prazo de seis meses.

A oposição, reunida na coalização intitulada Mesa de Unidade Democrática (MUD) tentou todos os meios para destituir o presidente do poder, esbarrando, no entanto, nas mobilizações populares pró-governo e no Judiciário, que segue fiel à Constituição - da mesma forma que as Forças Armadas.

"Ela sentiu os efeitos daquelas conquistas e valores que a Revolução Bolivariana defende e achou que poderia derrubá-la com um decreto desse tipo", afirmou José Reinaldo de Carvalho, secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Ele se refere à decretação de vacância do cargo, emitida pela Assembleia Nacional após Maduro ter saído do país em uma viagem diplomática para negociar o aumento dos preços do petróleo com outros países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Tal decreto foi considerado inconstitucional e rechaçado pelos outros poderes do Estado.

No ano passado, o governo abriu um processo de diálogo com a oposição, no qual foram convidados para intermediar alguns ex-presidentes latino-americanos e europeus, além da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) e o próprio Papa Francisco. Porém, a oposição acabou abandonando o diálogo, tanto por parte de seus representantes políticos pertencentes à MUD como pelos representantes civis - a Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Produção (Fedecámaras) e o Conselho Episcopal da Igreja Católica.

Com a finalidade de impedir uma guerra civil que estava se desenhando, Maduro convocou para o segundo semestre deste ano uma Assembleia Nacional Constituinte, na qual serão eleitos 540 representantes para aprimorar a atual constituição. Os candidatos não serão eleitos por partidos políticos, mas sim diretamente entre a população.

No decreto entregue esta semana ao Poder Eleitoral, é estabelecido que os seguintes setores representarão a sociedade nesse processo: trabalhadores, camponeses, pescadores, estudantes, pessoas com deficiência, povos indígenas, aposentados, empresários, comunas e conselhos comunais (organizações de base).

José Reinaldo destacou que a Constituinte, que será eleita por voto popular direto e secreto, é um mecanismo político para frear a violência opositora e encontrar o diálogo sem fazer concessões à oposição, uma vez que só o povo poderá decidir o que quer para o país.

Além disso, frisou que é um meio de aperfeiçoar a democracia na Venezuela, a democracia protagonista, que, segundo ele, é a própria essência chavista. "A revolução não se deixará derrotar", concluiu.

Lembrando que 21 eleições foram realizadas em 17 anos, a última delas em 2015, Paola Estrada afirmou que a Venezuela tem um dos processos de democracia "mais avançados do mundo", com instrumentos de democracia direta, a exemplo da Constituinte. "É um processo muito avançado de aprofundamento da democracia, da participação popular e da soberania nacional."

Em sua análise, esse é justamente um dos motivos pelos quais o país, assim como alguns de seus vizinhos com governos progressistas, vem sofrendo "um processo de sangramento político" articulado por "grandes interesses do capital internacional e da direita na América Latina".

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