quinta-feira, 4 de maio de 2017

Socialismo, uma utopia? O que diz a história

Socialismo, uma utopia? O que diz a história. 26494.jpegNo momento em que as opções políticas que possam substituir o atual caos em que vive o Brasil, seria totalmente irreal colocar na mesa de discussões a opção pelo socialismo?

Fruto de décadas de lavagem cerebral, hoje a idéia de um caminho socialista para o Brasil parece algo extremamente distante. Os partidos que poderiam erguer esta bandeira, nem inscrevem mais esta proposta em suas plataformas.

O antigo Partido Comunista deu origem ao PPS, uma das siglas mais fisiológicas do espectro político brasileiro, embora uma pequena facção ainda guarde o antigo nome.

O PC do B, que durante o regime militar foi inclusive para a luta armada, hoje se alia com partidos do centro e até da direita nas disputas eleitorais.

O PSB, de socialista só tem o nome.

O PDT, de forte atuação nacionalista e anti-imperialista durante a época do Brizola, foi transformado num partido mais fisiológico do que ideológico.

O PT, que ao chegar ao governo caminhou em direção ao centro, embora de todos eles, seja o que abriga o maior número de políticos com uma visão mais crítica do capitalismo.

E finalmente o PSOL, atuante na denúncia das mazelas do capitalismo, mas que parece ainda sofrer do que Lenin chamou de "a doença infantil do comunismo", o esquerdismo.

Mas, nem sempre foi assim. Quando terminou a segunda guerra mundial, as grandes vitórias da União Soviética, responsável maior pela derrota do nazismo, difundiram no mundo inteiro as idéias de igualdade e de solidariedade do comunismo.

Embora o grande esforço americano de valorizar a sua atuação e a dos ingleses na segunda guerra, a verdade histórica é que a Wehrmacht foi destruída pelo Exército Vermelho em memoráveis batalhas.

O famoso Dia D, com o desembarque dos aliados na Normandia, em junho de 44,cantado em prosa e verso pelo cinema americano, foi feito quando os alemães já estavam praticamente vencidos e ele só ocorreu porque ingleses e americanos temiam que os russos, na sua ofensiva contra a Alemanha pudessem chegar a libertar toda a Europa Ocidental.

Churchill e Roosevelt adiaram quanto puderam a abertura de uma segunda frente na Europa, calculando que a continuidade da guerra entre russos e alemães exauriria os dois lados, deixando o campo livre para americanos e ingleses assumirem a liderança do mundo com o fim da guerra.

Em 1945, a imagem da União Soviética e do caminho socialista de governo eram extremamente simpáticos à maioria das pessoas no mundo inteiro, inclusive no Brasil.

Um bom exemplo disso era o nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, um homem extremamente conservador nas questões políticas, que assim cantou a vitória dos soviéticos em Stalingrado:

Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades.

O mundo não acabou, pois que entre as ruínas

Outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,

E o hábito selvagem da liberdade

Dilata os seus peitos, Stalingrado,

Seus peitos que estalam e caem

Enquanto, outros, vingadores, se elevam.

A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.

Os telegramas de Moscou repetem Homero.

Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo

Que nós, na escuridão, ignorávamos." 

Mais adiante Drummond é ainda mais claro na sua opção política

O poeta

Declina de toda a responsabilidade

Na marcha do mundo capitalista

E com suas palavras, instituições, símbolos e outras armas

Promete ajudar

A destruí-lo

Como uma pedreira, uma floresta

Um verme

Não importa que depois o próprio Drummond tenha mudado de opinião. Naquele momento ele refletia a opinião de milhares de brasileiros.

Nas eleições de 1945, Luís Carlos Prestes, talvez o político brasileiro de mais prestígio na ocasião, preferiu não arriscar-se na disputa pela presidência, e indicou o desconhecido Yedo Fiúza, prefeito de Petrópolis, para concorrer em seu lugar, pela legenda do PCB.

Fiúza fez mais de 570 mil votos, contra 3 milhões e pouco de Dutra, que foi eleito e 2 milhões do brigadeiro Eduardo Gomes. A estratégia do PCB foi de formar bancadas numerosas nas Assembléias Estaduais, na Câmara Federal no Senado, o que de fato ocorreu.

Para combater a imagem de que o caminho socialista era uma alternativa viável, os Estados Unidos desfecharam uma imensa campanha publicitária no mundo inteiro; investiram milhões de dólares na transformação da Alemanha Ocidental numa vitrina colorida diante da cinzenta Alemanha Oriental; refizeram alianças com adeptos do fascismo, como Franco na Espanha e Salazar em Portugal e usaram a força armada quando essas alternativas não eram mais possíveis, como na deposição de Mossadeh, no Irã e na divisão da Coréia.

O cinema foi a grande arma para vender no mundo inteiro o famoso "american way of life", onde todos os sonhos eram possíveis, em oposição ao socialismo dos soviéticos, onde o "Estado dizia o que cada pessoa devia fazer no seu dia-a-dia".

Até mesmo a pintura, uma arte aparentemente não politizável, foi utilizada para vender o conceito de liberdade dos americanos. O pintor abstracionista Jackson Pollock confessou que ele mesmo não entendia seu prestigio, já que se considerava um artista de entendimento difícil pára os leigos. A explicação veio mais tarde, quando se descobriu que suas exposições no mundo inteiro tinham o patrocínio do governo americano, que via no seu abstracionismo uma resposta libertária à pintura figurativista dos russos, que seria fruto de uma determinação do Estado.

Mesmo aqui em Porto Alegre foi possível assistir-se de graça no auditório da reitoria da Universidade Federal a grande orquestra sinfônica de Nova York, regida por Dimitris Mitropoulos. Certamente não foi a reitoria quem pagou seus cachês.

Essa grande ação de mídia, enaltecedora das virtudes da sociedade capitalista, era combinada com uma forte repressão interna para quem ainda sonhasse nos Estados Unidos com o ideal socialista. A famosa comissão liderada pelo senador Joseph McCarthy acusou de comunistas e interrompeu as carreiras de importantes nomes das artes nos Estados Unidos, principalmente no cinema, que era a ponta de lança da divulgação dos chamados "ideais americanos". Além de Charles Chaplin, o mais famoso de todos, foram processados os escritores Arthur Miller e Dashiell Hammett, a cantora e atriz Judy Holliday, o diretor de cinema Edward Dmytryk, e o roteirista Dalton Trumbo, entre outros.

A acusação de serem espiões dos russos, levou à cadeira elétrica os cientistas Julius e Ethel Rosemberg.

Este enorme esforço de convencimento das pessoas no mundo inteiro conseguiu transformar em poucos anos a imagem da União Soviética e por, extensão, a proposta socialista de organização social, de libertadora dos povos na segunda guerra naquilo que Churchill chamou de "a cortina de ferro".

Mesmo assim, todo esforço não seria suficiente para liquidar com a experiência socialista no leste da Europa, se além dele e também dos reconhecidos erros dos dirigentes soviéticos, não tivesse a União Soviética tentado acompanhar a corrida armamentista desencadeada no governo Reagan e com isso exaurido sua economia, tornando cada vez mais difícil atender as necessidades das suas populações.

O fim da União Soviética não é, porém, como afirmam os defensores do capitalismo, o fim do ideal socialista. A cada dia fica mais claro que as nações europeias, depois que viram secar as possibilidades de exploração colonial na África e na Ásia, nunca mais recuperaram seu antigo esplendor e vivem hoje atreladas às decisões norte-americanas.

Os Estados Unidos, por sua vez, só fazem funcionar sua economia levando a guerra aos confins da terra, como nos casos do Iraque e do Afeganistão. Mas essas soluções cobram sempre um custo posterior muito alto.

Quando as crises sistemáticas, provocadas pelo beco sem saída que o sistema capitalista gerou no mundo, são cada vez mais seguidas, com a destruição de riquezas e empobrecimento das populações, não há como não pensar na alternativa do socialismo, mesmo para o Brasil.

Ainda que restritos ao mundo acadêmico, no mundo inteiro pensadores como Zizek, Badiou e Meszaros, entre outros.discutem a possibilidade de uma alternativa socialista.

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS.

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