sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Miséria, desmonte e desemprego: os 12 meses que abalaram o Brasil

 (Foto: Lula Marques/AGPT)
Ano chega ao fim com saldo de retrocessos sociais e cortes de direitos capitaneados pelo governo Temer
Por Pedro Rafael Vilela
Do Brasil de Fato

Como numa volta ao seu pior passado, o Brasil termina 2017 com a sensação de ter perdido décadas em um ano. O governo golpista de Michel Temer (MDB), que ostenta uma reprovação de 77% da população, segundo dados do Ibope, vem patrocinando medidas para aprofundar ainda mais as desigualdades sociais e enfraquecer o Brasil no cenário internacional.
A volta da miséria e do desemprego em níveis alarmantes, além da retirada de direitos trabalhistas e, mais recentemente, a tentativa de restringir até a aposentadoria dos mais pobres formam a face mais perversa de um governo que só chegou ao poder depois de um golpe parlamentar que afastou uma presidenta eleita pelo voto direto.

O desmonte também inclui o congelamento de recursos para áreas como saúde e educação pelos próximos 20 anos, o corte de programas sociais de habitação, saneamento básico, ciência e tecnologia, além da entrega das reservas de petróleo para empresas estrangeiras, que inclui isenção de até R$ 1 trilhão em impostos. Como se não bastasse, Michel Temer ainda usou recursos públicos para comprar apoio parlamentar e evitar que fosse investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O Brasil de Fato enumerou os principais retrocessos e as tentativas, ainda em curso, de retirada de direitos do conjunto da população. Confira:
Câmara livra Temer de processo criminal
Mesmo após ter sido flagrado em conversas suspeitas com um dos sócios da multinacional JBS e ter sido acusado pela Procuradoria Geral da República (PGR) de crimes como corrupção, formação de quadrilha e obstrução de justiça, Michel Temer conseguiu a proeza de barrar a denúncia criminal na Câmara dos Deputados por duas vezes este ano. Não saiu barato para o bolso da população. Para evitar que a denúncia fosse aberta pelo STF, o presidente golpista abriu os cofres públicos e distribuiu mais de R$ 32 bilhões em emendas parlamentares aos aliados. Com a rejeição das duas denúncias, uma em agosto e outra em outubro, Temer permanece blindado de investigação no mínimo até 2019.
A mesma delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS, revelou o pagamento de R$ 2 milhões em propina para o senador Aécio Neves (PSDB-MG), em mala de dinheiro que teria sido recebida por um primo seu. Apesar das evidências, o plenário do STF decidiu que caberia somente ao Senado decidir se mantinha Aécio afastado do cargo e em recolhimento domiciliar noturno, conforme havia sido determinado pela Justiça. O Senado não apenas aprovou a volta de Aécio ao cargo como paralisou o avanço de processo de cassação de seu mandato.
Orçamento congelado por 20 anos
Em 2017, começou a vigorar a chamada Emenda Constitucional do “teto dos gatos públicos”, também conhecida como “PEC do fim do mundo”. O apelido não é por acaso. A medida limitou o crescimento dos gastos à inflação do ano anterior, mesmo com a inflação de setores específicos, como saúde e educação, ser bem maior do que a média geral. Na prática, os gastos públicos ficarão congelados por 20 anos, mesmo em áreas que demandam aumento contínuo de investimentos, como é o caso da saúde. Ficaram de fora desse limite, no entanto, as chamadas despesas financeiras, que incluem o pagamento de juros da dívida pública — que beneficia diretamente os banqueiros —, além dos gastos com eleições, transferências aos estados e municípios, créditos extraordinários, entre outros.
Reforma Trabalhista
Em julho deste ano, foi aprovada a reforma trabalhista, apresentada pelo governo Temer. Considerada o maior desmonte de direitos e garantias desde a aprovação da CLT, a reforma passou a permitir aumento da jornada diária de trabalho, redução de salários, parcelamento de férias e enfraquecimento dos sindicatos.
O principal ponto da reforma é a possibilidade de que negociações diretas entre trabalhadores e empresas se sobreponham à legislação trabalhista em diversos pontos, o chamado “acordado sobre o legislado”. A lei passou a permitir também uma nova modalidade de contratação: o trabalho intermitente, feito por jornada ou hora de serviço.
Nesse tipo de contrato, o trabalhador fica à disposição do patrão, mas só recebe se e quando for convocado para o serviço, mesmo que ele fique à disposição ao longo de um ou vários dias.  
Reforma da Previdência
O governo Temer está gastando dezenas de milhões de reais em propaganda para tentar a convencer a população a aprovar a reforma da previdência, mas nem mesmo no Congresso Nacional há o apoio necessário para a votação da medida, que ficou para fevereiro de 2018.
Se for aprovada, a reforma vai atingir diretamente mais de 45 milhões de pessoas, especialmente os mais pobres, que terão que contribuir por até 40 anos se quiserem receber o valor integral da aposentadoria. A idade mínima para aposentadoria será fixada em 65 anos para homens e 62 para as mulheres, mesmo em um país onde a expectativa de vida em alguns estados não chega sequer aos 65 anos.
Entrega do pré-sal às multinacionais
Em novembro, Michel Temer sancionou a lei que praticamente acaba com o sistema de partilha das reservas de petróleo na camada pré-sal, descobertas pela Petrobras. Considerada uma das maiores jazidas de petróleo do planeta, a camada pré-sal tinha uma lei de exploração diferenciada, que dava à Petrobras o comando do consórcio de exploração e estabelecia cotas para compras de equipamentos e serviços no Brasil, como forma de gerar empregos e desenvolver a cadeia produtiva de petróleo no país.
Com a mudança na lei, a Petrobras deixa de ser operadora dos consórcios e as reservas poderão ser exploradas por petroleiras estrangeiras. A medida diminui em muito o lucro do país com os royalties do petróleo, que seriam direcionados diretamente para a educação. Além disso, o governo Temer ainda aprovou uma Medida Provisória que estabelece isenção de impostos para petroleiras estrangeiras que pode chegar à R$ 1 trilhão em 30 anos. 
Desemprego e miséria
Os cortes em programas sociais promovidos pelo governo Temer, a manutenção de desempregos em níveis alarmantes (mais de 12% da população economicamente ativa sem trabalho) e a recessão econômica têm aumentando de forma significativa a miséria no país.
Estimativas do Banco Mundial indicam que, apenas este ano, cerca de 3,6 milhões de novas pessoas ficarão abaixo da linha da pobreza no Brasil. A tendência de queda da pobreza que vinha se verificando nos últimos 14 anos foi drasticamente interrompida e o cenário é de piora para os próximos anos, porque será agravada com a restrição de gastos públicos para programas sociais e as mudanças na legislação trabalhista.
Cortes nos programas sociais
Levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para os Direitos Econômicos e Sociais revela uma queda de até 83% em políticas públicas voltadas à área social ao longo dos últimos anos, especialmente ao longo de 2017. De acordo com o estudo, a área que mais perdeu recursos desde 2014 foi a de direitos da juventude, com queda de 83% nos investimentos.
Em segundo lugar estão os gastos com programas voltados à segurança alimentar, reduzidos em 76%. A área de moradia sofreu perdas de 62%, assim como a de Defesa dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. No Ensino Superior, o governo Temer acabou com o programa de concessão de bolsas “Ciência Sem Fronteiras” e limitou os gastos de custeio das universidades federais, prejudicando atividades de ensino, pesquisa e extensão. 
Entre os maiores cortes promovidos pelo governo, está a redução de 92% nas verbas do programa de combate à seca no semiárido, o que ameaça inviabilizar a construção de cisternas nas zonas rurais do Nordeste e norte de Minas Gerais. A fila de espera por uma cisterna de primeira água, destinada ao consumo doméstico, segundo a ASA (Articulação do Semiárido), chega a 350 mil famílias. Nos últimos 15 anos, foram construídos mais de 1,2 milhão desses equipamentos.
Ataques contra a população do campo e os povos tradicionais
O ano de 2017 também foi repleto de ataques do governo contra a população camponesa e os povos indígenas. Para obter apoio no Congresso em favor das medidas de cortes de direitos, o governo Temer fez uma aliança estratégica com a bancada ruralista, que reúne mais de 200 parlamentares. Além de acelerar projetos como a autorização de venda de terras para estrangeiros, que pode afetar a soberania nacional e contribuir para a expulsão de famílias de agricultores familiares, a base do governo aprovou uma Medida Provisória que legaliza áreas de quem cometeu desmatamento e grilagem de terras.
Em outra frente, o governo bloqueou a demarcação de terras tradicionais indígenas e quilombolas e a desapropriação de áreas para a reforma agrária. Também houve forte contingenciamento orçamentário da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e lideranças indígenas e camponesas, e até mesmo servidores públicos, foram indiciados pela CPI da Funai e do Incra, numa clara iniciativa de perseguição contra as políticas públicas do setor.
Comunicação Pública e violações à liberdade de expressão
Em 2017, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) denunciou dezenas de episódios de ameaças à liberdade de expressão no país, por meio da campanha Calar Jamais!. “O conjunto das violações comprova que práticas de cerceamento à liberdade de expressão que já ocorriam no Brasil […] encontraram um ambiente propício para se multiplicar após a chegada de Michel Temer ao poder, que resultou na multiplicação de protestos contra as medidas adotadas pelo governo federal e pelo Congresso Nacional”, diz um trecho da apresentação do relatório de um ano da campanha, lançado em outubro. São casos de repressão a protestos de rua, censura privada ou judicial a conteúdo nas redes sociais, violência contra comunicadores, desmonte da comunicação pública e pelo cerceamento de vozes dissonantes dentro das redações.
No caso da comunicação pública, os ataques à Empresa Brasil de Comunicação (EBC) se intensificaram ao longo do ano. A EBC é a empresa pública que controla agência de notícias, emissoras de rádio e a TV Brasil, responsável pela distribuição de conteúdo informativo gratuito e comprometido com a cidadania. Segundo o coordenador da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom), Jean Wyllys (PSOL-RJ), a EBC tem sofrido com o cancelamento de programas, demissão de comentaristas, censura e ataque aos trabalhadores e, mais recentemente, a aprovação de um manual de conduta que aumenta ainda mais o clima de ameaça à liberdade de expressão e atuação sindical dentro da empresa.

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