Beto Barata / PR
por André Barrocal
Investigação de negociata em decreto portuário de 2016 retoma inquérito que indica propina a “MT” em Santos nos anos 1990
“Não vou admitir mais que se diga impunemente que o presidente é, se me permite a expressão, entre aspas, trambiqueiro, que fez falcatruas.” Será que a pretensão de Michel Temer, proclamada em uma rádio na segunda-feira 29, resiste ao passado do peemedebista? A julgar por um novo relatório da Polícia Federal (PF), não.
O documento, de 15 de dezembro, propõe quebrar os sigilos bancário, fiscal e telefônico de Temer e foi usado por um delegado, Cleyber Malta Lopes, para pedir mais prazo para concluir investigações contra o presidente em um inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal (STF).
Assinada pelo agente Paulo Marciano Cardoso, a papelada defende ressuscitar um inquérito de 2011 que investigou trambiques no Porto de Santos nos quais haveria digitais de Temer, o manda chuva político no pedaço no governo da época, o do tucano Fernando Henrique Cardoso.
O relatório integra um inquérito, o 4621, que desde setembro apura possíveis falcatruas no setor portuário que teriam ocorrido não no passado, mas na própria gestão Temer. O qual teria deixado mais do que metafóricas digitais: a assinatura em um decreto.
Com base no relatório de dezembro, a PF pediu ao STF nesta terça-feira 30 acesso ao inquérito de 2011, o 3105, arquivado pela corte naquele mesmo ano. “Documentos e provas originais” geradas nesse inquérito, diz o relatório do agente Cardoso, “aparentemente são contundentes”.
Exemplo de contundência é uma planilha que registra o que parece ser suborno decorrente de contratos do Porto de Santos.
Ela é de 8 de agosto de 1998, ocasião em que o porto era comandado por um indicado de Temer, Marcelo Azeredo. Lista “parcerias realizadas” e, ao lado, três siglas acompanhadas de percentuais e de valores em reais.
Entre os parceiros, estão as empresas Rodrimar e Libra, donas de contratos de concessão em Santos e pertencentes a amigos de Temer – Antonio Celso Grecco (Rodrimar) e a família Torrealba (Libra).
Entre as siglas, estão MT, MA e L. Segundo o relatório policial de dezembro, MT seria Michel Temer, MA, Marcelo Azeredo e L, João Baptista Lima Filho, o coronel Lima, outro amigo do presidente.
A citação da Rodrimar na planilha tem a cifra de 600 mil reais. Ao lado, aparecem a sigla “MT” e os números “300.000 (+ 200.000 p/campanha)”. “MA” e “L” surgem com 150 mil cada.
A Rodrimar é protagonista da investigação aberta em setembro pelo STF a colocar na berlinda um decreto baixado por Temer em maio de 2017 com bondades ao setor portuário. A investigação quer saber se o decreto foi assinado em troca de grana.
A suspeita nasceu de telefonemas do “homem da mala” e da confiança de Temer, Rodrigo Rocha Loures, às vésperas da edição do decreto. Em uma ligação, ele fala com Temer. Em seguida, com Ricardo Mesquita, diretor da Rodrimar, empresa com interesse particular no decreto, a fim de obter a renovação de um certo contrato.
As conversas foram gravadas durante a Operação Patmos, aquele surgida das delações de criminosos confessos da JBS/Friboi.
Outro motivo de desconfiança quanto à gênese do decreto presidencial: no dia em que pegou a mala com 500 mil reais em propina das mãos do então lobista da JBS/Friboi, Ricardo Saud, em abril de 2017, Loures foi ao local de carona com Mesquita. Depois foi resgatado pela mesma pessoa.
Mais um: nas negociações da propina com Saud em troca de facilidades dentro do governo, Loures citou “Celso” como alguém que poderia receptar dinheiro destinado a Temer. “Celso” é Antonio Celso Grecco, da Rodrimar.
No caso de Libra, a planilha do inquérito 3105 menciona que, por um contrato de 20 anos celebrado pela empresa no Porto de Santos, “MT” teria caixinha de 3,75%, equivalente a 640 mil reais.
Um desses contratos, referente ao terminal 35, é objeto de uma bilionária disputa. Libra é cobrada pela Advocacia Geral da União (AGU) e pela direção atual do Porto a pagar 2,8 bilhões de reais, por dar calote em compromissos assumidos no contrato de 25 de junho de 1998.
O litígio será julgado em um tribunal arbitral, longe da Justiça comum, por obra de uma parceria entre Temer e o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na votação da atual Lei de Portos, em 2013, e na montagem do segundo governo Dilma Rousseff, em fins de 2014, quando o PMDB arrancou o controle do Ministério de Portos.
Esse tribunal arbitral, a funcionar na Câmara de Comércio Brasil-Canadá, em São Paulo, realizou a primeira sessão nesta terça-feira 30. Informações obtidas perla reportagem indicam que Libra teve mais motivos para festejar do que a AGU e o Porto, embora não tenha havido decisão.
Cada centavo que a empresa economizar, será prejuízo para os cofres públicos. Graças a Temer e Cunha.
Na eleição de 2014, três irmãos Torrealba, a família dona de Libra, doaram 1 milhão de reais a Temer e 750 mil reais ao PMDB do Rio, o de Cunha. A mãe do trio, Zuleika Torrealba, deu mais 1 milhão de reais à direção nacional do PMDB, na época controlada por Temer.
Os 640 mil reais destinados a Temer por Libra em virtude de negócios em Santos são citados uma segunda vez no inquérito 3105, aquele que o recente relatório da PF tenta ressuscitar.
“De acordo com o relatório emitido em 08.08.1998 (doc 83) e ‘posição de negócios’ (doc 84), somente pela concessão dos Terminais 34/35 do Porto de Santos para a empresa Libra, a participação do grupo engendrado pelo requerido receberia 7,5% do total do negócio, um saldo de R$ 1.280.000 (hum milhão e duzentos e oitenta mil reais), cabendo ao requerido (‘MA’ no relatório) a quantia de R$ 320.000,00 (trezentos e vinte mil reais), a Lima (‘L’ no relatório), igual quantia e, a Michel Temer (‘MT’ no relatório), R$ 640.000,00 (seiscentos e quarenta mil reais).”
Esse trecho faz parte de uma petição de 1999 que deu origem ao inquérito 3105. Na petição, apresentada em uma Vara de Família, uma ex-mulher de Marcelo Azeredo, o indicado de Temer que comandou o Porto de Santos no governo FHC, queria uma pensão mais gorda. Érika Santos alegava que o ex podia pagar mais pois tinha enriquecido cobrando propina na estatal.
Temer era deputado. Cabia à Procuradoria-Geral da República investigá-lo. Em 2001, fim do governo FHC, o PGR, Geraldo Brindeiro, justificou a fama de “engavetador-geral” e mandou o caso ao arquivo.
Uma investigação policial de 2006 ressuscitou a história, incluiu Temer e chegou ao Supremo em 2011. Em fevereiro, o STF abria o inquérito 3105, relatado por Marco Aurélio Mello. Em setembro, o juiz tirava Temer de cena e devolvia o caso à Justiça comum em São Paulo.
Em setembro de 2016, Grecco, da Rodrimar, pediu a Mello uma certidão descritiva da investigação. Queria o documento, alegou, para prestar contas a parceiros comerciais. O juiz mandou-o bater na porta da Justiça paulista, onde corria o processo desde 2011.
Agora Mello recebe outro pedido de acesso, desta vez por parte da PF, solicitação feita nesta terça-feira 30. Segundo CartaCapital apurou, o diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segóvia, ficou furioso.
Segóvia foi indicado por Temer para o cargo, em novembro. Nem bem assumiu, disse a que veio. Comentou que “uma mala”, a de meio milhão em propina pega por Loures, não era prova de crime.
E “mala” mais planilha com cifras para “MT”, indica algo?
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