terça-feira, 30 de outubro de 2018

Abertura da economia?, por Paulo Nogueira Batista Jr.


Abertura da economia?

por Paulo Nogueira Batista Jr.

As ideias de Bolsonaro na área econômica, quando existem, são regra geral nocivas e mal fundamentadas. Hoje quero comentar uma delas: a abertura da economia por meio de diminuição das tarifas alfandegárias sobre importações.

Pelo que sei, a abertura seria gradual. Menos mal. Uma “abertura fulminante” estaria descartada pela equipe liderada por Paulo Guedes, segundo se noticia.

Nesse particular, a plataforma de Bolsonaro não diverge do senso comum do mercado e da mídia tradicional. Como costuma acontecer, tenho minhas divergências com esse senso comum. Vejamos por quê.

A defesa da abertura se apoia geralmente nos seguintes argumentos. Primeiro, a abertura à competição do exterior retiraria a proteção de setores atrasados e promoveria a eficiência da economia. Segundo, a economia brasileira é das mais fechadas do mundo. Terceiro, o fechamento decorre, em grande medida, de tarifas de importação muito altas para padrões internacionais.

São meias verdades, leitor(a). E, como dizia Tennyson, a meia verdade é mais perigosa do que a mentira pura e simples.

Quanto ao primeiro argumento, nem sempre se menciona que as tarifas elevadas de importação são uma compensação, apenas parcial, para diversos fatores que oneram a competitividade das empresas no Brasil. Entre eles, cabe destacar: as deficiências crônicas de infraestrutura; o peso e a complexidade dos tributos; o elevado custo do crédito, particularmente para as empresas que têm pouco ou nenhum acesso a empréstimos externos e de bancos oficiais; a tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio; e as pesadas exigências burocráticas de vários tipos.

Esses fatores compõem o que se conhece como custo Brasil. Remover ou diminuir tarifas antes de enfrentar essas desvantagens sistêmicas tornaria ainda mais desiguais as condições de competição no mercado interno para as empresas localizadas no país.

Quanto ao segundo argumento, é verdade que o coeficiente de abertura comercial, tal como normalmente mensurado, é baixo para o Brasil. Os economistas costumam medir o grau de abertura da economia comparando as exportações, as importações, ou a soma das duas, com o PIB. Por esse critério, a economia brasileira aparece como uma das mais fechadas.

Convém não esquecer, contudo, que essa costuma ser uma característica de países de porte continental como o Brasil. Não quero abusar da paciência do leitor e, principalmente, da leitora (a minha experiência é que a mulher mostra uma saudável resistência à estatística), mas vou apelar brevemente para alguns dados comparativos publicados pelo Banco Mundial e outras fontes. São dados de 2016 ou 2017, referentes ao total das importações de bens e serviços divido pelo PIB – conhecido como coeficiente de importação de uma economia.

O coeficiente de importação é baixo no caso do Brasil, apenas 11,6%. O coeficiente para a economia mundial é 27,7%. Mas como se apresenta esse coeficiente em outros países continentais?

No caso dos EUA, cuja economia é considerada (até Trump, pelo menos) uma das mais abertas, o coeficiente de importação é apenas 14,7%, pouco mais da metade do mundial e não muito maior do que o do Brasil. Outros países continentais também possuem coeficientes consideravelmente inferiores ao mundial. Para a Índia, por exemplo, o coeficiente é 21,8%; para a Rússia, 20,7%; China, 18,1%; Austrália, 20,6%. A União Europeia, considerada como bloco (isto é, medindo apenas as importações de fora da União), também apresenta coeficiente reduzido, comparável ao dos EUA. Dos países continentais, apenas o Canadá apresenta coeficiente superior (30,9%) ao mundial – caso especial, contudo, de um país com população e atividade econômica muito concentradas na faixa de fronteira com os EUA, a quem sempre esteve profundamente integrado.

O melhor que se pode dizer em favor da abertura é que o coeficiente de importação para o Brasil, mesmo levando em conta as dimensões continentais do país, é consideravelmente menor do que se poderia esperar.

Terceiro argumento: é fato que as tarifas brasileiras são bem mais altas do que a média mundial. Mas também é verdade que as tarifas já não são – e há muito tempo – o principal instrumento de controle das importações. Os países, mesmo os campeões da “globalização”, em especial os mais desenvolvidos, aplicam rotineiramente os mais variados tipos de barreiras não-tarifárias às importações – cotas, cotas tarifárias, barreiras sanitárias e ambientais, legislação antidumping e contra concorrência desleal, requisitos trabalhistas, entre muitas outras – como forma de controlar o comércio exterior e proteger a produção e o emprego nacionais. Trump é, nesse ponto, apenas um praticante mais desabrido, mais sincero das políticas habituais dos EUA e de outros países desenvolvidos.

A China, diga-se de passagem, é mais um monumento à hipocrisia no comércio internacional. Prega, solene, a defesa de mercados abertos e da “globalização”, mas pratica o mais deslavado protecionismo sempre que lhe convém.

Não se pode perder de vista, além disso, que uma eventual abertura brasileira deve ser negociada, não unilateral. Concessões sem contrapartidas dos parceiros comerciais enfraquecerão o poder de barganha do Brasil e do Mercosul nas negociações de acordos com outros países ou blocos.

Finalmente, não estaríamos no pior momento para empreender uma abertura da economia brasileira, ainda que gradual? Com Trump desencadeando guerra comercial contra a China e outros países, o ambiente vem se tornando mais protecionista na maior parte dos mercados relevantes. 

Alguém que se preze vai jogar de peito aberto? Nesse ambiente, abertura é jogada de perdedor. 

O autor é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.

E-mail: paulonbjr@hotmail.com; Twitter: @paulonbjr

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