segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Bolsonaro e a esquerda que abraçou o neoliberalismo

Bolsonaro e a esquerda que abraçou o neoliberalismo


Com a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial do Brasil, no domingo, o ressurgimento global da direita radical é indisputável.

O sr. Bolsonaro é um representante particularmente feio do movimento, por ser politicamente repressivo e culturalmente intolerante.

A questão que tem sido apresentada pela imprensa burguesa: qual é o mal psicológico que poderia persuadir eleitores a escolher uma pessoa assim?

A formulação sugere que a ascensão da direita radical é inexplicável, resultado de uma falha fundamental da democracia, dos eleitores.

A ladainha dos fracassos é dirigida à base.

Já que o sr. Bolsonaro é politicamente repressivo e culturalmente intolerante, o eleitorado certamente quer repressão política e intolerância cultural.

Já que o sr. Bolsonaro é um valentão contra as mulheres e homofóbico, os eleitores certamente querem valentões e homofóbicos.

O que falta nas explicações é que o Brasil na última década experimentou a pior recessão econômica de sua história. Catorze milhões de brasileiros em idade de trabalho perderam seus empregos.

Como aconteceu nos Estados Unidos e na periferia da Europa a partir de 2008, a resposta liberal foi austeridade e a classe dominante brasileira se tornou mais rica e politicamente mais poderosa.

Desde 2014, a relação dívida/PIB do Brasil subiu de 20% para 75%, declara um FMI preocupado. Que uma boa porção disso resultou em queda do PIB por conta da austeridade econômica sugerida pelo FMI e por Wall Street não é mencionado.

Uma década de austeridade levou a presidenta Dilma Rousseff a perder o cargo em 2016, no que pode ser definido como um golpe de Wall Street.

Talvez Bolsonaro vá dizer a Wall Street onde deve enfiar seus empréstimos (não).

Nos Estados Unidos, todos sabem que a liberalização das finanças e do comércio nos anos 90 foram resultado de um cálculo político.

Que a liberalização foi bipartidária sugere que o cálculo político serviu a certos interesses econômicos.

Esquecem que estes interesses conseguiram o que queriam e levaram a economia ao colapso.

Se problemas econômicos resultam de cálculo político, a solução está na política — eleger melhores líderes.

Se eles são guiados por interesses econômicos, a solução seria reorganizar as relações econômicas.

Entre 1928 e 1932, a produção industrial da Alemanha caiu 58%.

Em 1933, seis milhões de trabalhadores alemães desempregados estavam mendigando nas ruas e procurando no lixo sobras para vender.

O partido liberal (Partido Socialista) respondeu com meias medidas e austeridade.

Num quadro de pensamento liberal, a Depressão foi um problema político enfrentado no campo da política.

Adolf Hitler se tornou chanceler da Alemanha em 1933, no auge da Grande Depressão.

No Brasil dos anos 2000, Luiz Inácio Lula da Silva, mais conhecido como Lula, implementou um programa de esquerda que tirou 20 milhões de brasileiros da pobreza.

A economia brasileira rapidamente se recuperou depois do crash de Wall Street em 2008, antes que a dívida pública fosse usada para forçar a implementação da austeridade.

Dilma Rousseff capitulou e o Brasil mergulhou na recessão.

Rousseff foi afastada do poder em 2016.

Alinhado à austeridade do FMI e de Wall Street, qualquer governo liberal que tivesse sido eleito teria tido o mesmo destino de Rousseff.

Na Itália dos anos 20, o pagamento de dívidas contraídas durante a Primeira Guerra Mundial levou à austeridade e à recessão que precederam a ascensão do líder fascista Benito Mussolini.

Na Alemanha, pagamento de reparações de guerra e de empréstimos industriais limitaram a capacidade da república de Weimar de responder à Grande Depressão.

Governos liberais que facilitaram a financeirização de economias industriais nos anos 20 se tornaram apenas cobradores de dívidas na crise capitalista que veio em seguida.

Desde 2008, a estrutura fiscal da União Europeia, combinada com relações comerciais desequilibradas, levaram a uma década de austeridade, recessão e depressão na periferia europeia.

Nos Estados Unidos, em 2009, Wall Street passou a cobrar austeridade e cortes na Previdência Social e no seguro de saúde para idosos de 65 anos ou mais [Medicare] como necessárias à estabilidade fiscal.

As consequências de quatro décadas de políticas comerciais do neoliberalismo não tiveram seus resultados compartilhados igualmente.

Relações de classe internas e externas se tornaram evidentes em booms que beneficiaram poucos e colapsos cujo custo foi amplamente distribuído entre a população.

Como enfrentar a ameaça do fascismo

As premissas ideológicas por trás do argumento de que fascistas explicam o fascismo emergem do liberalismo.

Dentro desse quadro temporal, um pouco de lógica social: se os fascistas já existissem, por que não o fascismo?

Devemos lutar contra os fascistas ou contra o fascismo?

A visão essencialista é de que características intrínsecas dos fascistas os fazem fascistas.

Sustenta a teoria da raça fascista.

A teoria de que um ditador explora pessoas que tem predisposição para o fascismo é essencialista, isto é, são assim devido à psicologia, genética, etc.

Em anos recentes, comentaristas da esquerda liberal tendem a esta visão essencialista — que fascistas nascem ou são predispostos ao fascismo.

Desconsiderado é o fato de que não-fascistas também seriam predispostos a não sê-lo.

Se os ‘deploráveis’ tivessem nascido assim, quatro décadas de neoliberalismo poderiam ser absolvidas de culpa.

A questão do que é o fascismo e como o fascismo europeu do século 20 se relaciona com o presente não pode ser respondida no contexto do pensamento liberal.

A ascensão e a queda da direita radical tem sido episódica.

Está ligada a uma história do desenvolvimento do capitalismo global dentro de um modelo assimétrico de poder econômico, centro-periferia.

As finanças dos paises centrais facilitam a expansão econômica até que uma crise interrompa o processo.

Governos periféricos ficam com o papel de gerenciar o pagamento das dívidas — com economias em colapso.

Globalmente, a dívida forçou a convergência política entre partidos de diferentes ideologias.

Governos europeus de centro-esquerda abraçaram a austeridade mesmo quando sua ideologia sugeria o oposto.

Em 2015, os auto-identificados marxistas do Syriza, da Grécia, capitularam às demandas por austeridade e privatização dos credores liderados pela Alemanha.

Mesmo Lenin negociou com credores de Wall Street (em nome da Rússia) nos meses seguintes à Revolução de Outubro.

Do ponto-de-vista político, a solução seria eleger líderes e partidos que agissem de acordo com sua retórica.

O problema prático disso é o poder dos credores.

Os devedores que repudiam suas dívidas são expulsos dos mercados de crédito.

O poder de criar dinheiro que é aceito como pagamento é um privilégio dos países centrais, que também são os credores.

A expansão capitalista cria interdependências que produzem escassez imediata e profunda se os juros das dívidas não forem pagos.

A dívida é uma arma cujos rendimentos são entregues a um grupo. A obrigação de pagar, a outro.

A posição dos Estados Unidos ficou implícita quando o FMI fez empréstimos impagáveis à Ucrânia para apoiar o golpe patrocinado por Washington lá em 2015.

A racialização fascista tem analogia com as relações de classe capitalistas.

Raça foi inventada décadas depois da escravidão ter sido imposta por anglo-americanos, para naturalizar a exploração dos negros.

Diferenças de gênero surgiram com a evolução do trabalho não pago para o trabalho pago das mulheres no capitalismo ocidental.

Definir isso como causas da exploração implica em aceitar uma sequência temporal errônea.

Estas eram/são classes exploráveis muito antes de seu status especial ter sido criado.

Isso não significa sugerir que as relações de classe capitalistas explicam completamente a racialização fascista.

Mas a premissa ontológica que congela e, assim, reifica a racialização, é fundamental para o capitalismo.

Isso se relaciona com meu argumento de que a burguesia educada alemã, na forma de cientistas e engenheiros nazistas trazidos para os Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial, achava a racialização nazista plausível.

Colocado de outra forma, não foi só a ralé que acreditava nas grotescas caricaturas raciais. A questão é, por que?

A propaganda foi desenvolvida e refinada por Edward Bernays nos anos 1910 para ajudar o governo Wilson a vender a Primeira Guerra Mundial a um público cético.

Tem sido usada pelo governo americano e na forma de publicidade por capitalistas desde então.

A ideia era integrar psicologia com palavras e imagens para fazer o povo agir de acordo com os desejos e aspirações daqueles que a produziam.

O quadro operacional da propaganda é instrumental: usar as pessoas para atingir objetivos que elas não ajudaram a conceber.

A perspectiva política pode ser ditatorial, benevolente ou outra.

A propaganda tem sido usada pelo governo americano desde então.

Métodos similares foram usados pelos fascistas italianos e alemães em sua ascensão ao poder.

Desde a Segunda Guerra Mundial a propaganda comercial se tornou onipresente e as firmas de publicidade dos Estados Unidos contratam psicólogos para desenhar campanhas sem qualquer preocupação com o fato de que a coerção psicológica elimina a livre escolha no capitalismo.

A distinção entre propaganda política e comercial é baseada em intenção, não método.

Seu uso pelo governo de Woodrow Wilson foi instrutivo: um grande e vocal movimento contra a guerra tinha razões legítimas para se opor à entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial.

O objetivo de Bernays e Wilson era enfraquecer a oposição política.

Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos trouxeram 1.600 cientistas e engenheiros nazistas (e suas famílias) para trabalhar no Departamento de Defesa e na indústria através de um programa chamado Operação Paperclip.

Muitos eram dedicados e entusiasmados nazistas. Alguns eram criminosos de guerra.

Em contraste às afirmações liberais e neoliberais de que o nazismo era politicamente irracional, os cientistas nazistas se encaixaram sem problemas na produção militar americana.

Não havia contradição aparente entre ser nazista e ser um cientista.

O problema não era apenas que muitos nazistas declarados eram cientistas.

A ciência e a tecnologia criaram a máquina de guerra nazista.

Ciência e tecnologia estavam completamente integradas na criação e administração dos campos de concentração nazistas.

A pseudociência americana da raça, a eugenia, formou a base da teoria racial dos nazistas.

Ciência e tecnologia formaram o coração funcional do nazismo.

E os cientistas e engenheiros nazistas da Operação Paperclip foram grandes contribuintes para o domínio militar americano no pós-guerra.

A tensão no interior do nazismo ficava entre os mitos românticos de um passado glorioso e a tarefa burguesa de levar a industrialização e a modernidade adiante.

O foco das análises liberais e neoliberais tem sido nesta mitologia como uma forma irracional de pensamento.

De fora das análises fica o fato de que o nazismo não teria ido além das fronteiras alemãs se não tivesse tido uma base burguesa na ciência e tecnologia, necessárias ao poder industrial.

Isso coloca o projeto dentro das premissas ontológicas e administrativas do liberalismo.

Se Bolsonaro puder impor austeridade enquanto mantém uma paz injusta, Wall Street e o FMI vão sorrir e pedir mais.

Interesses de negócios dos Estados Unidos já estão circulando o Brasil, sabendo que consumidores cativos, direitos de propriedade assegurados e uma força de trabalho maleável significam lucros.

Onde estavam os liberais quando a Wall Street, que foi salva por Barack Obam,a estava apertando os povos do Brasil, da Espanha, da Grécia e de Portugal para pagar dívidas contraídas pelos oligarcas?

O liberalismo é a ligação entre o capitalismo e o fascismo, não sua antítese.

Tendo abandonado Marx, a esquerda norte-americana está perdida na lógica temporal do liberalismo.

A forma de lutar contra os fascistas é acabar com a ameaça do fascismo.

Isso significa enfrentar Wall Street e as grandes instituições do capitalismo ocidental.

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