Da coluna de Jânio de Freitas, publicada na Folha:
A ordem de comemorar os 55 anos do golpe de 64 seria, vinda de qualquer cabeça antidemocrática, uma provocação tola e de mau observador. No caso de Jair Bolsonaro, a incompreensão da realidade é, claro, muito maior. Inclui até a falta de percepção do que tem sido sua vida.
Comemorar —relembrar com outros— o golpe e a ditadura em data determinada é redundância. Mais do que eventualmente inesquecíveis, o golpe e a ditadura são lembrados todos os dias, por cada um de nós, sem depender de vontade. Os restos de autoritarismo, apodrecidos mas ainda criminosos; os cacos de legislação, os privilégios e impunidades; as discriminações, boicotes e perseguição aos que não rezam pelo conservadorismo; as preocupações e temores com o golpismo latente —tudo isso integra ainda a vida neste país.
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Muitos milhares têm a agradecer o que receberam da ditadura, por via direta ou pelas circunstâncias. Por isso mesmo, também para esses beneficiados os dias são derivações do golpe. Entre os beneficiados, está Bolsonaro. Em posição particular e, por ironia, conquistada por meio da ditadura já na incipiente democracia.
Era o governo Sarney. Veja foi convidada à casa do tenente Bolsonaro para um “assunto importante”. O tenente não apareceu na reportagem. Para os efeitos públicos, sua mulher então cumpriu o papel de porta-voz: ou o governo aumentava o salário (“soldo militar”) dos tenentes, ou o abastecimento de água do Rio seria cortado pela explosão de bombas em um ponto crítico das adutoras. Foi oferecido para fotografia um croquis, bastante tosco, da linha de adutoras e das localizações.
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Apesar disso, e embora não por unanimidade, o tenente terrorista foi absolvido. No centro de um conchavo, não lhe era sentenciada a devida condenação, mas passaria para a reforma. O que ainda lhe rendeu, como bonificação dada na época aos reformandos, promoção ao posto seguinte (por isso o “capitão Bolsonaro”) e o soldo correspondente e integral.
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