O idoso é aquele ente que de um momento para o outro deixa de ser ganho para ser gasto. No patriarcado todos temos preço, embora nem todos tenhamos valor.
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A vida sem valor infinito
por Cristiane Alves
Na África a morte de um idoso tem o mesmo peso de um incêndio em uma biblioteca.
É difícil compreender tal correlação estando em um mundo onde idosos e bibliotecas não tenham valor algum. Mas como negar o conhecimento prático, chamado de sabedoria, adquirido com a vivência?
Na sociedade atual o idoso é um fardo, desses que oneram. Mesmo que durante toda a vida esse indivíduo tenha contribuído à manutenção da sua e de outras vidas.
O idoso é aquele ente que de um momento para o outro deixa de ser ganho para ser gasto. No patriarcado todos temos preço, embora nem todos tenhamos valor.
O liberalismo precifica tudo porque só reconhece números. Uma inteligência artificial que veio muito antes da computação.
É provável que sem os psicopatas nunca desenvolvêssemos muitas das tecnologias que temos hoje. Embora eu não esteja sugerindo que todo cientista de exatas seja psicopata, esclareço.
A pandemia do Coronavírus satisfará quantos Charles Cullen? Quantos dentre nós festejam a peste como resposta às suas preces (literais ou não)? Imputando a Deus, deuses, ou a Darwin uma seleção natural que a própria evolução científica desmente.
A Geografia física mostra o mundo como uma grande balança. Se em algum lugar surge uma cordilheira, necessariamente em outro lugar um relevo é rebaixado. Se existe um degelo na Antártida, uma orla deixa de existir. Uma floresta extinta muda o regime hidrológico. Não é difícil supor que ao catalizarmos efeitos naturais, aceleramos as repostas do planeta rumo ao equilíbrio.
Somos nosso próprio predador, diria Hobbes: “Lupus est homo homini”.
Tenho ouvido que a peste “só” leva os velhos e os doentes num misto de resignação e alívio, como se o Cullen em cada um de nós aflorasse para brincar de divino. O interessante é ver que nessa “escolha” Caetana, fere a consciência somente o que nos atinge ou pode fazê-lo.
Há dois anos falávamos sobre o ódio às minorias como o parto a todo ódio possível. Então vem a peste e escancara que a humanidade se extinguiu faz tempo. Sobrou apenas o homem sem valor, o homem precificado.
O idoso e os doentes agora são o sobrepeso atirado ao mar. Evitamos que o barco vire, mas não desviamos do iceberg. E o comandante sabe que jogar fora os suprimentos, remédios e pessoas não evitará a tragédia. Apenas protelará o sofrimento dos que ficam, mas ele se diverte.
A síndrome do pequeno poder explica nossa condição atual.
Enquanto isso Gaia pulsa e revive.
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