segunda-feira, 27 de abril de 2020

A tragédia grega: Terceiro acto

          por Michael Roberts [*]
          https://www.resistir.info/

Na noite de quinta-feira líderes da UE mais uma vez deixaram de concordar sobre como proporcionar apoio orçamental adequado aos estados membros duramente atingidos pelos custos sanitários com a pandemia do coronavírus e com o colapso das suas economias devido aos confinamentos.

Os líderes da UE já concordaram com um pacote de medidas de emergência no montante de €540 mil milhões. Isto parece uma grande quantia mas na realidade é apenas um maço de empréstimos do Mecanismo Europeu de Estabilidade , o qual só empresta sob condições estritas quanto aos gastos e reembolsos dos estados membros que os recebem. Apenas €38 mil milhões foram oferecidos sem condições para apoio aos sistemas de saúde de toda a Eurozona. O chamado título coronavírus mutualizado, em que a dívida é partilhada por todos, é um nado morto.

Na reunião de quinta-feira os países mais duramente atingidos, apoiados pela França, pediram um maciço impulso orçamental directo. Mas os "quatro frugais" – Alemanha, Áustria, Holanda e Finlândia – mais uma vez rejeitaram concessões directas em qualquer proposto "fundo de recuperação". Apesar de a presidente da Comissão da UE, von der Leyen, falar de um fundo de cerca de €1 trilião, este seria constituído sobretudo por mais empréstimos. Guy Verhofstadat, um antigo primeiro-ministro belga, disse que acumular mais empréstimos sobre países atacados levaria ao risco de causar uma "nova crise de dívida soberana". "Subvenções são como água num combate a incêndio ao passo que empréstimos são o combustível", disse ele.

Lucas Guttenberg, do Jacques Delors Centre, disse que havia uma tentação para a UE de produzir manchetes com números enormes para o fundo, mas isto precisaria ser apoiado por transferências de cash significativas para os países mais gravemente afectados, não apenas garantias para projectos de investimento privado e empréstimos que aumentassem suas dívidas. "A questão é: queremos nós criar um instrumento que dê significativamente mais espaço orçamental à Itália e Espanha?, perguntou ele. "Isso exige um bocado mais de moeda real sobre a mesa".

Mas a Alemanha de Merkel insistiu em que qualquer financiamento tomado nos mercados tem finalmente de ser reembolsado. Havia "limites" sobre a espécie de ajuda que poderia ser oferecida, disse ela aos líderes, acrescentando que subvenções "não pertencem à categoria daquilo com que eu possa concordar". Assim, o plano de recuperação parece apenas como oferecer mais empréstimos avalizados por investimentos acrescidos de companhias do sector privado. Mas "estamos num momento em que companhias não estão a investir porque há um bocado de incerteza", disse Grégory Claeys, investigador da think-tank Bruegel, O que as economias precisavam era de gasto público directo, acrescentou, porque o sector privado pouco fará.

A Comissão Europeia está em vias de financiar o seu plano pela duplicação do orçamento anual da UE de 1% para 2% do PIB da União Europeia juntamente com alguma tomada de empréstimos nos mercados de capitais. Mas, como argumentei, num post anterior , isto será demasiado pouco para tornear as economias mais fracas da Europa uma vez cessados os confinamentos. Do que a Europa precisa é de um programa de investimento público cabal, orçamentado em torno de 20% do PIB da UE. Este deveria contornar (by-pass) os bancos e lançar directamente projectos públicos em saúde, educação, energias renováveis e tecnologia através das fronteiras europeias. Mas não há possibilidade disso.

Enquanto a Comissão Europeia pondera o que fazer e adia tudo para o próximo mês, a Europa como um todo – e as economias mais fracas do Sul em particular – estão a entrar numa espiral de recessão que ultrapassará as profundidades da Grande Recessão de 2008-9. Muito se tem falado acerca do impacto sobre economias relativamente grandes como as da Itália e Espanha. Mas fala-se menos do país que foi esmagado pela Grande Recessão, pela crise da dívida do euro e pelas acções da Troika (UE, BCE e FMI) – a Grécia.

Tenho acompanhado o drama grego em uma dúzia de posts neste blog desde 2012. Agora a tragédia da Grécia tornou-se um drama em três actos. O primeiro foi o crash financeiro global e a decorrente recessão que revelou as linhas de fractura do chamado boom nos anos anteriores da Grécia como membro da Eurozona. O segundo foi o terrível período de austeridade imposto pela Troika ao governo o governo de esquerda do Syriza que acabou por capitular, apesar de a votação do povo grego no referendo ter rejeitado as medidas draconianas da Troika.

Desde então, a economia capitalista grega tem lutado para se recuperar. Em 2017, terminou a depressão profunda e houve algum crescimento limitado. Mas o nível do PIB real ainda está uns 25% abaixo do seu nível de 2010. E o crescimento do PIB real começou a arrefecer outra vez (tal como em muitos países) pouco antes de ser atingido pela pandemia. O investimento produtivo foi raso durante sete anos, ao passo que o emprego reduziu-se em um terço porque muitos gregos instruídos (meio milhão) emigraram a fim de encontrar trabalho. Grandes partes do sector capitalista estão num estado de zumbis – mais de um terço dos empréstimos feitos por bancos gregos não estão a ser cumpridos e os bancos da Grécia têm o mais alto nível de incumprimento de empréstimos da Europa.

Acima de tudo, o capital grego tem experimentado lucratividade baixa e cadente. Segundo as Penn World Tables, a taxa interna de retorno caiu 23% de 1997 para 2012. Desde então até 2017, recuperou em apenas 14%. Mas em 2017 a lucratividade ainda estava 12% abaixo da de 1997. Desde 2017, segundo dados da AMECO, a lucratividade melhorou, mas ainda estava 10% abaixo do nível de 2007 anterior à crise.


Mas agora a tragédia da Grécia está no seu terceiro acto, com a pandemia. A economia global entrou numa recessão (slump) na produção, comércio, investimento e emprego que ultrapassará a Grande Recessão de 2008-9, que era a mais profunda recessão desde a década de 1930. E a Grécia está exactamente na linha de fogo. Cerca de 25% da sua economia está no turismo e este está a ser dizimado.

E o governo não está em posição financeira de gastar para salvar a indústria, os empregos e os rendimentos. Durante anos, primeiro sob a imposição da Troika e posteriormente da UE, governos gregos foram forçados a incidir em grandes excedentes primários nos seus orçamentos – por outras palavras, o governo deve tributar o povo muito mais do que quaisquer gastos em serviços públicos.


A diferença tem sido utilizada para pagar o fardo crescente dos juros sobre o nível astronómico de dívida pública. Todo ano, 3,6% do PIB é pago em juros sobre a dívida pública que continuaram a aumentar para 180% do PIB.


Agora a recessão conduzirá a uma baixa do PIB real de 10% segundo o FMI e remeterá o nível de endividamento para 200% do PIB. Este ano, as necessidades de financiamento bruto do governo atingirão 25% do PIB (que é o défice orçamental e reembolsos devido à maturação da dívida). A menos que venha apoio orçamental do resto da UE, o povo grego será mergulhado em outro longo período de austeridade uma vez acabado o confinamento.


E há poucos sinais de que a Grécia venha a obter qualquer ajuda a mais do que aquela que obteve no Acto Dois – excepto para absorver ainda mais dívida.

O fracasso dos líderes da UE em darem apoio orçamental provocou uma reacção frustrada do antigo ministro das Finanças do Syriza e economista "estrela", Yanis Varoufakis. Eleito recentemente deputado, Varoufakis resumiu a reacção dos líderes da UE à aflição da Itália e da Grécia. Ele pensa que "a desintegração da eurozona começou. A austeridade será pior do que em 2011". Tal como ele argumentou em 2014 durante a crise da dívida grega, os estados do Norte devem ver como "senso comum" que é do seu interesse ajudar os companheiros da Itália e da Grécia para salvar o euro. Mas se não o fizerem, Varoufakis considerou que "o euro terá sido um projecto fracassado" e todo o seu trabalho para salvar a Grécia e mantê-la no euro foi desperdiçado.

Remontando a 2015, Varoufakis, o auto-denominado marxista errático , tentou como ministro das Finanças do Syriza persuadir os líderes do Euro da necessidade de unidade. Ele argumentara que a longa depressão dos últimos dez anos era "não um ambiente para políticas socialistas radicais, afinal de contas". Ao invés, que "é dever histórico da esquerda, nesta conjuntura particular, estabilizar o capitalismo, salvar o capitalismo europeu de si próprio e dos inanos manipuladores da crise inevitável da Eurozona". Ele disse: "Não estamos prontos para preencher o abismo que um capitalismo europeu em colapso irá abrir com um sistema socialista que funcione". Por isso, a sua solução na época era que se "trabalhasse rumo a uma vasta coligação, mesmo com a direita, cujo objectivo deveria ser a resolução da crise da Eurozona e a estabilização da União Europeia... Ironicamente, aqueles de nós que detestam a Eurozona têm a obrigação moral de salvá-la"!

Em 2015, o papel do Tsipras e do Syriza foi ainda pior. Destaco Varoufakis porque ele afirma fidelidade ao marxismo, de uma certa espécie, e oposição à capitulação por parte de Syriza no Segundo Acto. Mas nas suas memórias acerca do período em que negociou com "a direita" da UE, chamada Adults in the Room (Adultos na sala), Varoufakis mostra que foi até ao fim e voltou para obter um acordo da Troika que não atirasse a Grécia para a penúria permanente – mas que fracassou.

Num novo livro, Capitulation entre Adultes (Capitulação entre Adultos), Eric Toussaint, expõe de forma fulminante a abordagem da cabeça errática do "marxista errático". Toussaint, que na altura actuava como consultor em matéria de dívida para o Parlamento grego, argumenta que havia uma política alternativa que o Syriza e Varoufakis poderiam ter adoptado.

Numa entrevista recente perguntaram a Varoufakis "o que teria feito de modo diferente com a informação que dispunha naquele tempo?" Respondeu: "Penso que deveria ter sido muito menos conciliatório com a troika. Deveria ter sido muito mais duro. Não deveria ter procurado um acordo temporário. Deveria ter-lhes apresentado um ultimato: "uma reestruturação da dívida ou saímos do euro hoje".

Agora é demasiado tarde para essa mudança de visão. Em contrapartida, começou o Acto Três da tragédia.

25/Abril/2020

Ver também:


[*] Economista, autor de The Long Depression .


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