segunda-feira, 22 de junho de 2020

A tempestade perfeita e o abandono de Bolsonaro pelo mercado, por Ion de Andrade

Não é difícil imaginar em que medida os capitalistas ligados a esses setores estão irritados e o quanto as sempre surpreendentes notícias novas elevam a percepção do risco para os seus negócios.

Por Ion de Andrade
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A tempestade perfeita e o abandono de Bolsonaro pelo mercado

por Ion de Andrade

A tempestade perfeita vivida por Bolsonaro decorre de uma clara saída das forças ditas do mercado da sua base de sustentação devido à percepção tardia de que esse governo não reúne condições mínimas para a defesa dos seus interesses políticos e econômicos, conceito esse que é agora definitivo e compartilhado por amplos setores do capital.

Para além da pandemia, os prejuízos e o stress para esses setores, em virtude de uma condução alucinada da agenda comercial do país, (o que pode ser ilustrado, por exemplo, pelas reiteradas provocações gratuitas à China), e a percepção de riscos novos e inusitados toda vez que uma autoridade abre a boca, se agigantam a cada dia.

A economia:

De forma esquemática os prejuízos e riscos aos interesses brasileiros poderiam ser desenhados assim:

a. Mercosul: perda pelo Brasil da posição de primeiro parceiro comercial da Argentina , a segunda economia do bloco, para a China e consequente perda de liderança, importância e vantagens no bloco;

b. China: condução insana e alucinada das relações com os nossos principais parceiros comerciais, além das reiteradas e inexplicáveis provocações dos chineses por autoridades do primeiro escalão do governo. Percepção de que a China vai retaliar o Brasil e da oportunidade de retaliação arrasadora no mercado de carnes que a China associará à propagação da Covid, no surto de Pequim, com risco de efeito dominó sobre as posições brasileiras no mercado internacional de carne;

c. Estados Unidos: mal visto nos Estados Unidos por razões inúmeras, racismo, ecologia, trato da pandemia, e fascismo o Brasil se tornou uma companhia tóxica até mesmo para Trump que não quer ser associado ao país em nenhuma hipótese, não oferece facilidades e formalmente não está interessado em nenhum acordo de livre comércio;

d. União Europeia: O acordo com o Mercosul parece estar fadado ao fracasso, sobretudo em virtude da agenda climática, da questão indígena, da destruição da Amazônia e dos agrotóxicos.

Não é difícil imaginar em que medida os capitalistas ligados a esses setores estão irritados e o quanto as sempre surpreendentes notícias novas elevam a percepção do risco para os seus negócios.

Porém o que selou em definitivo o destino do governo Bolsonaro, foi a desmoralização completa do Brasil pela condução irresponsável do enfrentamento da pandemia, o que impede total e irremediavelmente a recuperação da credibilidade do país no concerto das nações, fato crucial para a retomada da economia e dos investimentos no país.

Naturalmente que o capital não vai querer assistir de camarote ao naufrágio desse Titanic, afinal, apesar de estarem na primeiríssima classe, o Brasil é também o navio negreiro em que viajam.

A política

A segunda carta, que sai do jogo depois da primeira que toca aos interesses econômicos é a da política. Ela pode ser ilustrada por FHC que reaparece propondo a Bolsonaro a sua renúncia, em lugar de um longo e desgastante processo de impeachment, já decidido.

Mas isso não é tudo. Na atual conjuntura, a esquerda se encontra extremamente fragilizada. A própria presença da pandemia reduziu a sua capacidade de mobilização, agravando e prolongando a longa crise também decorrente do fato de que não tem um projeto de sociedade capaz de galvanizar as maiorias.

Possíveis desfechos:

A necessidade econômica incontornável do afastamento de Bolsonaro, por total e irremediável incapacidade de conduzir os assuntos que tocam aos interesses gerais do capital no Brasil, emerge nessa conjuntura com uma vantagem suplementar para a burguesia: a oportunidade histórica de retorno ao Estado de direito com total hegemonia, derrotando a um só tempo (a) a extrema direita e (b) a esquerda, à imagem do que ocorreu na Europa Ocidental quando da sua libertação do nazifascismo pelas tropas americanas.

Se trata, portanto, da conclusão final do movimento golpista que derrubou, num primeiro momento Dilma Roussef e passa agora à sua fase final, pois o golpe não foi, obviamente, dado para entregar o Poder a Bolsonaro, mas à direita tradicional, legítima representante do capital.

Portanto ao que parece as cartas estão jogadas.

Ao derrotar Bolsonaro nessa quadra, as forças da direita terão circunstancialmente condições extraordinariamente favoráveis para serem folgadamente hegemônicas no Brasil por décadas, respeitando a liturgia formal do Estado de direito. Isso poderá reposicioná-la, no plano da sua narrativa, da condição de força golpista (que é o que é), à condição de força supostamente democrática, para figurar no imaginário coletivo como libertadora do Brasil do jugo da extrema direita.

Esse cenário nada mais é do que a mesma ironia à que foi submetida a resistência ao nazifascismo na Europa do pós guerra, toda ela nucleada por partidos socialistas e comunistas, quando foi reduzida à condição de força fraca por um Poder burguês “democrático” constituído comumente por personalidades e forças que colaboraram com o inimigo.

Temos que refletir sobre essa conjuntura que nos desafia, pois ela pode nos brindar simultaneamente (a) com o alijamento pela direita tradicional da extrema direita do Poder (o que nos interessa) e (b) pela conversão da influência política da esquerda no Brasil de peso pesado a peso pena.

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