Damares "passa uma imagem terna quando as suas políticas são ostensivamente contrárias aos direitos humanos", diz advogado
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"O cara"
Nos últimos dois meses, Jair Bolsonaro gerou aglomerações de apoiadores em frente ao Palácio do Planalto e não só tocou, abraçou e beijou gente de todas as idades e passeou a pé, ou a cavalo, como quase sempre o fez sem a máscara de proteção no combate à pandemia. Desde esta semana, será obrigado a usá-la por decisão de um juiz que acolheu uma ação popular interposta pelo advogado Victor Neiva, de Brasília.
Neiva, 43 anos, o homem que obrigou Bolsonaro a usar máscara, conta ao DN parte da sua trajetória e as razões por trás da ação.
A sua carreira no direito é ligada a questões de direitos humanos desde sempre?
Comecei como advogado da Petrobrás mas depois abri escritório para me dedicar a questões ligadas aos direitos humanos, sim, nomeadamente em relação às indenizações às vítimas da ditadura militar [1964-1985], na Associação Brasileira de Anistiados Políticos.
Lidou com muitos governos desde então?
Muitos. Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer e agora este.
Algum criou tantas dificuldades na questão da reparação dos atingidos pela ditadura militar?
Não, não. Nunca foi tão difícil até porque este governo lida com a ideia de que não houve ditadura. A Advocacia Geral da União [órgão jurídico que defende o estado] hoje impede acesso aos processos e por aí vai.
Passou, no ano passado, a integrar a Comissão de Anistia do governo como único representante dos anistiados.
Sim, para assumir tive de renunciar aos meus casos de defesa de anistiados contra o governo federal por questão de conflitos de interesse, e depois deparei-me na Comissão de Anistia com a presença de oito militares num órgão que investiga a ditadura militar e apenas um, eu, como representante dos anistiados. Mas depois, a ministra dos direitos humanos, Damares Alves, nomeou um outro representante dos anistiados, passando a haver dois. Como a lei diz que deveria haver apenas um, mantiveram esse que, digamos, não tinha ação tão combativa, e expulsaram-me.
Foi ingrata então a sua tarefa na Comissão de Anistia?
A minha função era procurar provas, o mais importante em processos judiciais, por isso recolhi depoimentos e outros indícios, mas as provas eram consideradas irrelevantes.
A ideia na opinião pública é que a ministra Damares, entre os ministros mais ideológicos, é a menos radical. Não concorda?
Nem um pouco. Ela joga muito com essa imagem, sim, mas nem um pouco. Isso é media training. Ela fala em afetos, diz que precisa de um namorado, fala da indiazinha que adotou mas na verdade sequestrou e dessa forma passa uma imagem terna quando as suas políticas são ostensivamente contrárias aos direitos humanos não apenas neste caso mas noutros, como no Conselho Nacional da Pessoa Idosa e outros exemplos.
Quando decidiu interpor ação a obrigar Jair Bolsonaro a usar máscara em público?
Por um lado, um professor muito importante para mim, Marcello Lavenère Machado, luta nas urgências de um hospital contra a covid-19. Por outro, a tendência do ser humano é obedecer à autoridade e o comportamento do presidente Bolsonaro, ao não usar máscara, só agrava a tragédia que atravessamos. Finalmente, como o Supremo Tribunal Federal legitimou as decisões dos governadores dos estados no combate à doença, havia uma base jurídica a viabilizar uma ação popular, que é quando um cidadão pode contestar decisões do poder público que lesem o patrimônio, o meio ambiente e outros casos.
Como se sente ao conseguir obrigar Bolsonaro a usar máscara?
Quando se encontra um juiz [Renato Coelho Borelli] com coragem para combater este retrocesso civilizatório a sensação é de esperança, de alegria.
Bolsonaro ou, em rigor, a Advocacia Geral da União, pretende recorrer.
Ela devia fazer a defesa do Estado e não a do governo mas, na verdade, é isso que ela faz, o que é uma pena, o que é triste, né? Em vez de buscar acordos fica nesse ‘bate boca’ interminável.
Depois de sair da Comissão de Amistia filiou-se a um partido, o PCdoB. Presumo que defenda Flávio Dino [o presidenciável do partido] na eleição presidencial de 2022?
O Flávio Dino é a melhor expressão da ideia de “Frente Ampla” [união das esquerdas, e não só, que movimentos populares vêm defendendo]. Ninguém, como ele, está disposto a falar com toda a gente. O Lula isola-se no PT e o Ciro Gomes não fala com o Lula, enquanto o Dino é o único que diz “deixem-se disso e vamos tratar do país”.
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