sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Sindicato “apartado”; para que serve?

Omar dos Santos

Com este artigo provocativo procuro instigar a participação mais ativa dos trabalhadores brasileiros no debate sobre nosso sindicalismo trabalhista, o qual entendo ser “mais que necessário e urgente”, visto o risco concreto e iminente do desbaratamento e até a extinção das entidades representativas e defensoras dos direitos desses mesmos trabalhadores.

Tenho me preocupado por demais com os rumos que o nosso Sindicato dos Professores no Distrito Federal – Sinpro/df vem seguindo na última década ou até mesmo um pouco antes. Pior ainda é que esta preocupação não se esgota no Sinpro/df. A questão é muito mais grave, já que se estende a todo o sindicalismo brasileiro.

Olhando a inércia dos sindicalistas brasileiros diante da gravidade do quadro atual, fico convencido de que esses aprenderam com nossas elites, entre outras lições, a certeza de que trabalhador só serve para votar e pagar contribuição sindical, tal como é para aquelas, que também acreditam que ele, o trabalhador, só serve para votar e pagar impostos. É possível que o comportamento dos primeiros tenha sido consequência de sua convivência com governantes, burocratas e patrões, na qual eles, os sindicalistas, incorporaram as concepções e práticas políticas e filosóficas dos últimos, passando a acreditarem que fazem parte da burguesia dirigente.

Inicialmente apresento à consideração do leitor, algumas questões sobre o tema, as quais julgo cruciais.

A primeira, e talvez a mais grave, é o distanciamento das direções sindicais das “bases”, termo preferido por eles próprios para denominarem quem não faz parte da “diretoria”.

A segunda questão diz respeito à falta de “lideres legítimos e naturais”, que atualmente acomete a classe trabalhadora em geral. As exceções, se é que existem, são raríssimas.

Ao lado destas duas primeiras, que “de per si” já inibem a saúde e o funcionamento do movimento sindical, podendo conduzi-lo à extinção, há uma terceira questão capaz de potencializar seus efeitos nefastos, que é a postura de desinteresse adotada pelos dirigentes sindicais ante aos associados. Parece até que o sindicato não tem nenhuma responsabilidade com seus representados; aqueles que o sustenta.

A última questão que abordo é a absoluta falta de preparo político e competência administrativa dos dirigentes para lidar com as situações adversas a que estão submetidos os trabalhadores do país. 

Quando aponto a enorme gravidade do distanciamento entre sindicato e trabalhadores, criado pelas direções, é porque entendo ser ela a mãe de todas as dificuldades e dos desvios que acometem a organização política, funcional e administrativa da instituição. Se há exceção, é possível que haja, elas são poucas.

O início deste século consolida uma grande transformação na sociedade mundial, que altera as relações humanas em todos os campos de nossa existência, sejam elas políticas, socioculturais, produtivistas e tecnológicas e, por via de consequência, estabelece um novo modus vivendi que engloba toda. Como não poderia ser diferente, esse fenômeno induziu sérias e profundas transformações nas formas de comunicação e de relacionamento humano, quer seja nas relações interpessoais como nas institucionais, tornando-as muito mais indiretas e virtuais e muito menos físicas/pessoais.

Como a finalidade deste artigo é refletir sobre sindicalismo, não vou aqui, aprofundar o debate sobre as magnificas transformações da história ocorridas nos últimos tempos. Só as cito para contextualizar o debate aqui proposto. Assim, enfocaremos somente suas consequências nas transformações do sindicalismo brasileiro, sendo uma delas, a nova forma de relacionamento entre as direções sindicais e os trabalhadores que esses representam.

Pode-se dizer que a razão fundamental que justifica a existência de qualquer sindicato de trabalhadores se resume em duas grandes finalidades: representar política, profissional e juridicamente a categoria a que ele pertence; e, defender os interesses econômicos e profissionais coletivos de seus membros. Obviamente que no desempenho deste papel, o sindicato tem outros objetivos tão importantes quanto essas duas finalidades como por exemplo, o dever de prover a educação política para a classe trabalhadora.

No exercício de tamanha responsabilidade, alguns elementos de ação são de extrema importância, dentre eles, as formas de comunicação e relacionamento instituição/trabalhador, que ganham status quase transcendental. É justamente aí que reside o grande problema de nosso sindicalismo. Vejamos mais de perto esta questão.

Contraditoriamente, o advento dos meios e canais de comunicação social modernos, estes que tanto beneficiam os processos de relacionamento humano de quase todos os campos da atividade humana, visto que trouxeram mais mobilidade, eficiência e rapidez, no sindicalismo isso representou um abissal atraso.

Para mim, esse retrocesso se deu porque os dirigentes sindicalistas, nos três níveis da organização sindical do país: sindicatos, centrais e confederações, entenderam possível fazer sindicalismo à moda dos burocratas do Estado e das grandes corporações empresariais; dentro de salas refrigeradas e sentados em suas confortáveis poltronas, sendo servidos com lanches e cafezinhos a toda hora e, de quando em quando, fazendo reuniões e debates, que não têm nenhuma serventia para a solução dos grandes problemas enfrentados pelos – camaradas, companheiros, parceiros –, os trabalhadores. Ao contrário, regra geral, o “produto” de tal atividade é a “esquematização” e o refinamento do já colossal aparato de regalias e vantagens conquistadas para os membros das direções. Se para o poeta Milton Nascimento: “todo artista tem que ir aonde o povo está”, para os novos “lideres sindicais”, o grande avanço trazido pelas novas e modernas formas de comunicação, é o “Sindicato Virtual”, cuja virtude maior é seu “apartamento” de seus representados.

Para os defensores desta nova moda, a velha forma de fazer sindicalismo “chão de fábrica”; sindicalismo “tetê-à-tetê”; sindicalismo que vai para as ruas e praças; sindicalismo que confronta o patrão em sua cidadela; sindicalismo onde se pode sentir o cheiro de suor, compartilhar sorrisos e lágrimas, ver a alma de cada irmão de luta, é coisa arcaica e caduca. Essa forma de sindicalismo, segundo os novos líderes, não leva a nada. Porque fazer reuniões e assembleias presenciais se temos Twitter, WatsApp, Instagram, Facebook, E-mails?

Sou do tempo em que os líderes sindicais exerciam suas funções no lugar de trabalho de seus filiados. Nas palavras do maior líder sindical do Brasil e um dos maiores do mundo, o Lula: “Sindicalismo chão de fábrica”.

Nesse tempo, os sindicalistas visitavam sistematicamente os locais onde os trabalhadores exerciam sua atividade. Quando solicitados, compareciam aos mesmos locais para mediarem conflitos trabalhistas entre empregador e empregado, para defender, incondicionalmente, os interesses de seus filiados.

À época, a equipe de dirigentes era organizada de forma que, em todos os locais onde houvesse filiados fossem assistidos por um diretor do sindicato. As direções organizavam comissões e grupos de trabalho para envolver os filiados nas campanhas e tarefas sindicais. Uma das estratégias mais eficientes na estruturação e no desenvolvimento do sindicato era o instituto do “delegado sindical”. Não tenho nenhuma dúvida de que foi esse conjunto de estratégias da organização sindical que consolidou o sindicalismo no Brasil.

Não há nenhum exagero em se afirmar que os dirigentes sindicais modernos raramente vão aonde o trabalhador está, essa postura causa nesse trabalhador o sentimento de que seu sindicato nunca está com ele. Para que não me acusem de intolerância afirmo: os atuais dirigentes só comparecem ao local de trabalho de seus filiados em épocas de eleições sindicais, prática que aprenderam com os políticos brasileiros e que os tornam verdadeiramente semelhantes.

Nenhum tipo de relacionamento, seja ele afetivo, social, profissional, político etc. resiste ao distanciamento. Esse é letal para aquele. Embora que, por questão de honestidade, se tenha que reconhecer que outras determinantes concorram também para o enfraquecimento do movimento sindical brasileiro, não se pode duvidar que a apartação dos lideres e dirigentes sindicais de seus representados é o fator mais determinante desta situação.

A segunda questão concorrente para o referido enfraquecimento dos sindicatos é a incontestável falta de “lideranças legítimas e naturais”. Estou absolutamente convencido de que o “sindicalismo virtual” veio acirrar muito mais as já existente dificuldades do processo de mobilização e atuação do trabalhador em torno de seu sindicato. Numa sociedade governada pela lógica de um dos regimes capitalistas mais atrasados do mundo, que cultiva o individualismo e despreza a participação direta do povo e, por assim dizer, desconhece a solidariedade, a opção sindical por essa forma de modernização certamente mereceu acalorados os aplausos dos patrões.

É nítida a quase total falta de “líderes legítimos e carismáticos” nas lutas trabalhistas, – esses que são indispensáveis ao desenvolvimento de qualquer movimento social, cultural, político ou profissional – e que podem resgatar o sindicalismo brasileiro de sua “experiência quase morte – EQM”. Infelizmente, o que se vê por aí é um punhado de oportunistas e carreiristas, que se aproveitam de um “vaco de liderança” para se perpetuarem no poder e se arrumarem na vida.

Outra dificuldade enfrentada pelo sindicalismo do país é, sem nenhuma dúvida, o enorme desinteresse das pessoas responsáveis pela condução da ação sindical e das obrigações afetas às instituições sindicais. Refiro-me aqui, não só aos dirigentes, mas também ao corpo de funcionários. É claro que existem exceções, mas a regra geral é a indiferença, o mau atendimento, a falta de profissionalismo etc. Decididamente já não fazem parte das preocupações das atuais lideranças, se é que elas merecem este qualificativo, cuidados mínimos e naturais como: esmero no atendimento, tanto presencial como virtual ao associado, estreitamento das relações sociais com esse, comunicação institucional com os donos da instituição, empenho na solução das questões tanto profissionais quanto judiciais apresentadas por ele, liderança na criação e implementação de alternativas para o enfrentamento da luta trabalhista e por aí adiante. O desinteresse é de tal ordem, que a maioria dos sindicatos se quer cumpre as determinações expressas no estatuto social da entidade como por exemplo, o rito necessário para prestação de contas, convocação de assembleias etc.

Por último, abordo a gravíssima questão da falta de preparo político e de competência administrativa dos nossos dirigentes sindicais.

Como todos sabem e sentem, hoje, o Brasil enfrenta uma de suas maiores crises econômicas, e essas não foram poucas, e vive aquela que é, de longe, a maior crise política de nossa história republicana. Os efeitos dessas crises, estampados diariamente na mídia, têm dilacerado a vida da grande maioria dos brasileiros, mas como não poderia ser diferente, são os trabalhadores, os que mais sofrem. Por tradição e deliberada vontade de nossas elites, na hora do sacrifício, sempre coube ao povo, sobretudo o mais sofrido, arcar com o ônus dos efeitos nocivos impostos pelas crises.

As consequências de tal situação que são imputadas ao trabalhador têm sido a extinção de quase todos os direitos trabalhistas, o assombroso e insuportável desemprego e a desesperadora estagnação econômica em que os políticos e dirigentes fincaram o país. Nestas condições, o trabalhador precisa, mais que qualquer coisa, de lideranças capazes e de instituições sólidas que possam ajudá-lo a encontrar um “porto seguro” para escapar do pressagiado desastre para onde navega essa “nau sem rumo” em que estamos todos embarcados.

Não se pode olvidar que a diferença entre o sucesso das lutas trabalhistas e seu fracasso, depende, radicalmente, da competência de quem está à frente das mesmas. Contudo, e esse é o problema, tal constatação cria enormes incertezas e inseguranças em todos nós, pois a postura e a prática administrativa e política evidenciadas por nossos dirigentes sindicais não os referenciam como arrimo e norte para o necessário enfrentamento da situação.

Hoje, todos os trabalhadores do país vivem dia e noite sob o açoite de angústias sem fim: Será que as reformas neoliberais em curso no país vão “revogar” a Lei Aurea? Será que no mês que vem estarei empregado, ou vou ser mais um “microempreendedor” dono de um negócio com média de vida trimestral? Será que vou ter que me inscrever em um programa social para não deixar minha família passar fome? Será que a tão sonhada superação da estagnação econômica do Brasil só é utopia?

Quando olhamos para a qualidade do preparo técnico, político e cultural de nossos representantes classistas e para seu comprometimento com a causa trabalhista um forte desânimo e uma profunda desilusão batem no peito e somos tentados a desistir da luta.

As grandes “proezas” desses sindicatos e de seus dirigentes é a de “imporem”, vez por outra, uma “grevezinha setemesinha”, que já nasce desmoralizada, carente de planejamento, de coerência e de apoio da categoria, sendo por isso, execrada pela sociedade.

Os sindicalistas não dão importância alguma às outras funções importantes do sindicato. Não existe nenhuma ação efetiva de educação política do trabalhador; nenhum trabalho sério de acompanhamento e fiscalização da elaboração e execução do orçamento do Estado; qualquer ação para acompanhar e fiscalizar o cumprimento das leis e convenções pelas empresas; não há nenhum esforço para acompanhar e influenciar os legislativos e os judiciários na elaboração e acatamento das leis que decidem a vida dos trabalhadores. A própria administração dos sindicatos é, essencialmente, feita da maneira mais amadora possível, seus administradores entendem desnecessárias as boas práticas de governança e administrativas, por isso, as instituições dispensam planejamentos elaborados democraticamente, prestações de contas, práticas que estimulem a participação dos associados etc.

Acredito piamente que este estado de coisas se deve a duas questões: Uma é a total falta de competência administrativa e gerencial dos dirigentes; a outra é a comprovada visão política tacanha dos mesmos. A primeira só pode ser superada pelo estudo, e para isso eles não “têm tempo”, além de demonstrarem verdadeira aversão a ele. O enfrentamento da segunda exige autocrítica e desapego às mordomias e conveniências que lhes garantem a perpetuação no poder. Ambas, aos ouvidos dessa gente, soam com verdadeiras heresias, que merecem ser punidas com o “fogo do inferno”.

Considerando que hoje a grande maioria dos sindicatos oferece ótimas condições de trabalho para seus dirigentes e funcionários, que antes se quer eram imaginadas, essa conduta, que em muitos momentos chega à beira da anarquia, mostra o quanto essas direções estão na contramão no exercício das responsabilidades para as quais foram democraticamente eleitos.

Houve um tempo em que os trabalhadores eram traídos por seus representantes sindicais, foi a era dos pelegos trapaceiros que de maneira sórdida se aliavam ao patrão para traírem e pugnar contra os seus representados. Embora ainda exista esse tipo de sindicalista, esse não é o problema mais grave de nossas representações. O que atrapalha e coloca em sério risco a existência da atividade sindical é a ganância financeira e o carreirismo que contaminou e persuadiu nossas lideranças a aderirem à lógica do capitalismo atrasado e desumano, ao qual esse instituto nasceu para combater.

As exigências dos dirigentes sindicais de hoje para exercerem suas funções chegam ao absurdo. As velhas e boas práticas alicerçadas em princípios ideológicos e de solidariedade são coisas anacrônicas e obsoletas. Sem um carro, um celular, um grande salário, um conjunto de colossais mordomias etc. “não há como trabalhar”.

Esses dirigentes defendem a necessidade de terem oportunidades de se aperfeiçoarem, acredito que isso é absolutamente necessário para melhorar seu desempenho. Mas o que é desonesto e mesquinho é a prática, tão comum entre eles, de ir a cursos, congressos e outras atividades de aperfeiçoamento, pagas pela instituição, para fazer turismo. O nome desse tipo de conduta é espoliação. Cabe aqui uma pergunta: Na prática, quais são, para os sindicalizados, os resultados do grande investimento em aperfeiçoamento de seus dirigentes, feitos pelos sindicatos, inclusive em estudos de pós-graduação?

Os líderes atuais ainda não perceberam o obvio: as consequências dessa inoperância e desses desvios de conduta se reflete no agigantamento da falta de interesse, de participação e de envolvimento do trabalhador com o seu sindicato. É extremamente preocupante para os que acreditam que o sindicato é indispensável para a luta do trabalhador, acho que eles, os dirigentes, não pensam assim, o exorbitante número de trabalhadores que se desfiliam de sua instituição representativa, bem como o número de novos trabalhadores que não se interessam em filiar.

Para concluir, lembro aqui os versos de João Cabral de Melo Neto: “Esse mar se agiganta cada vez mais e nenhuma força é mesmo vencê-lo capaz”.

Senhores dirigentes de sindicatos, centrais e confederações, atenção! A necessidade de se rever princípios, planejamentos e condutas é mais que urgente, chega a ser desesperadora.

Com as lideranças, a palavra; e com os trabalhadores, o poder e a capacidade de mudar. 

Omar dos Santos, professor aposentado. Mora no DF.

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