dinheiro - Marcello Casal Jr./ABr
Se 2020 está sendo um ano muito difícil, 2021 vai exigir ainda mais de nós, mesmo com a perspectiva da chegada da vacina contra a covid-19 e a retomada da “normalidade”.
A tendência é uma piora significativa na conjuntura econômica e social. A aparente “recuperação da economia” alardeada pelo governo não é um processo sustentável. Não estamos vivendo o “alvorecer de um novo ciclo de crescimento”, como cantam alguns arautos, que propicie a retomada robusta das atividades e a geração consistente de empregos.
O padrão dos dados, seja na indústria, no comércio e serviços se mantém, com uma recuperação pós-abertura das atividades, sucedida da desaceleração do crescimento. O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre 2020, divulgado pelo IBGE na última quinta-feira (3) segue o mesmo padrão.
Em relação ao trimestre anterior, o PIB “cresceu” 7,7%, mas caiu 3,9% em relação ao mesmo período de 2019 e contribui para o encolhimento de 3,4% da economia nos últimos 12 meses.
É evidente que temos uma queda acentuada do PIB em função da pandemia, um PIB que já vinha em uma desaceleração relevante.
A economia brasileira foi pega num péssimo momento pela covid-19, pois ainda não havia recuperado o nível produção anterior à recessão de 2015/2016, em boa medida em função das políticas de austeridade aprofundadas pela dupla Bolsonaro/Paulo Guedes.
A pandemia foi um choque negativo e poderoso sobre um organismo que não vinha nada bem. Mas não foi a pandemia que inventou a queda. Ela apenas tornou o despencar mais abrupto e o abismo mais profundo.
O que o governo comemora como “retomada da economia” é apenas a subida da curva em um gráfico desenhada pela reabertura da indústria, do comércio e das atividades de serviço, que haviam sido paralisadas pelos protocolos sanitários exigidos para deter a covid-19. É apenas um efeito estatístico dessa reabertura.
Com a quase normalização da economia, é natural que o PIB cresça em relação a períodos anteriores à parada quase total da quarentena. Mas basta olhar os mesmos gráficos celebrados pelo governo para perceber que o crescimento, mês a mês, é cada vez menor. Após o choque estatístico gerado pela reabertura, a curva desacelera — como um carro empurrado ladeira abaixo que, ao chegar ao terreno plano, ainda tem alguma força para seguir em frente, ainda que seu motor esteja parado.
A indústria, por exemplo, recuperou seu nível de produção pré-pandemia. Mas o número de horas trabalhadas no setor ainda é muito baixo em relação ao período anterior à recessão. O mesmo ocorre com o número de empregos. O ilusório choque estatístico se repete no comércio e serviços. Neste último caso, sequer se recuperou o nível anterior à pandemia.
No que diz respeito à vida das pessoas, não há como se falar em reação estrutural da economia. Segundo a PNAD/IBGE, temos mais de 14 milhões de desempregados — gente que está sem trabalho, mas procura uma vaga. O percentual de pessoas desocupadas é o maior da série histórica, iniciada em 2012.
Com o fim do auxílio emergencial, o quadro do desemprego tende a explodir, pois as pessoas que estão fora do mercado de trabalho por contarem com esse recurso — e que não entram na estatística do desemprego — vão voltar a procurar ocupação. Para se ter uma ideia, a população fora da força de trabalho aumentou em 13,7 milhões comparando setembro de 2020 com o mesmo mês em 2019. A redução de benefícios sociais levará mais pessoas ao mercado de trabalho, que será incapaz de absorvê-las, ampliando ainda mais o desemprego.
O fim do auxílio emergencial, o desemprego e a queda da renda do trabalho tecem um quadro desolador para o próximo período, com aumento da pobreza, da miséria e do desespero. O fim do auxílio sem recuperação do mercado de trabalho não faz qualquer sentido, a não ser pelo fanatismo fiscal da equipe econômica, num momento em que o mundo todo está discutindo estímulos fiscais para a recuperação de suas economias.
Segundo projeção dos economistas Daniel Duque, Tiago Martins e Paulo Peruchetti, publicada no Blog do Ibre, da Fundação Getúlio Vargas, o desemprego teria alcançado os apavorantes 36%, no segundo trimestre de 2020, caso a jornada média e a população na força de trabalho tivessem permanecido constantes em relação a 2019.
Outro aspecto gravíssimo: a inflação para as pessoas de baixa renda está se mostrando mais elevada do que para os setores médios. Principalmente em função do preço dos alimentos, está criada uma relação inversamente — e perversamente— proporcional entre renda e inflação. O aumento dos índices de inflação pode levar a um salário mínimo maior do que o previsto na proposta orçamentária de 2021, pressionando ainda mais o teto de gasto.
O cenário, portanto, é catastrófico, combinando elevado desemprego e inflação. A única saída, em linha com a flexibilização fiscal verificada no resto do mundo, seria o governo usar sua política fiscal como ferramenta anticíclica. De um lado, aumentar os benefícios sociais. Do outro, turbinar os investimentos públicos como motor de crescimento, favorecendo a geração de emprego e renda.
Mas — além de queda, coice — o Brasil não tem atualmente um governo petista. Estamos sob o comando econômico de Jair Bolsonaro, o homem sem capacidade de empatia, e de Paulo Guedes, o Chicago Boy que canta o arrocho como um mantra, agarrado à ortodoxia do aluno medíocre que decorou, mas não entendeu a lição.
A insistência em sustentar o teto de gastos — um teto que pesa especialmente nas costas de quem precisa viver do trabalho e depende de serviços públicos — não deixa saída. Com o país em frangalhos, o retorno ao teto em 2021 implicará queda de oito pontos percentuais na despesa, prejudicando políticas sociais e investimentos. Não há equilíbrio fiscal possível sem a retomada do crescimento.
O Brasil está sendo estrangulado e é urgente virar esse jogo, começando por novas regras de gasto, mais modernas e ajustáveis ao ciclo econômico, conforme as adotadas em diversos países desenvolvidos. Estas implicam limites ao gasto, mas não há congelamento, sobretudo de despesas com elevados efeitos multiplicadores sobre a renda, que fazem a economia crescer, reduzindo a relação dívida/PIB. Assim, é possível compatibilizar a retomada do crescimento, o financiamento a serviços públicos essenciais e a sustentabilidade fiscal no médio prazo.
É o que a bancada do PT propôs na PEC 36, de 2020, assinada por senadores de diversos partidos políticos e que merece ser discutida urgentemente como opção ao austericídio contratado para 2021.
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