sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

PARA ALÉM DAS UNIVERSIDADES: FORMAR PESSOAS PARA AS NECESSIDADES DE ANGOLA


Rui Verde
https://www.makaangola.org/

A igualdade e a prosperidade alcançam-se por meio da diversidade e flexibilidade, e não através da uniformização e unidimensionalidade. Deve ser este o pilar da reflexão que iniciámos recentemente acerca da universidade do futuro, tomando como ponto de partida as afirmações do general Paka acerca da “doutoromania”. Queremos dar continuidade a essa reflexão.

Efectivamente, o ensino superior não deve ser um formador universal de “doutores”, pois a partir de certo momento nem estes são necessários à sociedade, nem o ser “doutor” satisfaz o pleno desenvolvimento da personalidade de cada um. Deve-se assegurar a existência de vários caminhos possíveis para uma carreira de sucesso profissional e realização pessoal.

Este texto foca-se nas alternativas válidas à formação universitária tradicional, as quais deverão cumprir duas funções: satisfazer a realização pessoal de cada um e ir de encontro às necessidades do país.

É fundamental criar uma nova geração de pessoas capazes de explorar os muitos caminhos para uma carreira de sucesso. A educação e formação não pode ser afunilada num ensino universitário ainda muitas vezes escolástico, desinteressante e desmotivador, cujo futuro é apenas o desemprego. Há que abandonar a convicção de que a universidade clássica é o único caminho para o sucesso profissional.

A taxa de abandono escolar em Angola é elevada. Tanto quanto sabemos, não existe uma quantificação estatística agregada actual [o problema das estatísticas em Angola é tremendo e dá origem a uma grande dificuldade em adoptar políticas públicas pensadas e eficazes], mas qualitativamente parece claro que há uma grande percentagem de jovens que abandonam a escola e não continuam o seu percurso escolar até à universidade clássica. Por exemplo, em Dezembro de 2019, no Huambo, o abandono escolar abrangia mais de 49 000 alunos, representando um aumento de 5% em relação ao ano transacto, segundo afirmou o director de Educação na província do Huambo, Celestino Chikela. É um número que impressiona e entristece.

Ora, começa por ser exactamente a estes jovens em abandono escolar que deve ser oferecida uma alternativa educacional que lhes proporcione trabalho no futuro e também realização pessoal. Essa alternativa é uma rota de aprendizagem centrada na valorização e no desenvolvimento das capacidades reveladas por cada um dos jovens.

Para isso, deveriam ser criadas instituições resultantes de parcerias público-privadas, dedicadas a três áreas principais: medir o potencial de cada um, além do académico, para recrutar técnicos; fornecer treino de nível mundial com foco no trabalho, por meio de programas de aprendizagem aplicada; ajudar diferentes grupos de pessoas a construir fortes redes profissionais, por meio de comunidades online e offline.

Este sistema de aprendizagem, ao concentrar-se nas capacidades e aptidões de cada um, na formação contínua e na criação de redes de profissionais, seria concebido para durar a vida toda.

Não se trata de instituir imitações de universidades, como são os politécnicos, cujo real objectivo acaba por ser sempre tornarem-se em universidades.

Estas instituições que aqui sugerimos seriam uma alternativa à universidade e resultariam de uma parceria entre o Estado e a sociedade civil. Consequentemente, daria origem a um tipo de aprendizagens que ajudaria a construir uma carreira, possibilitando e incentivando o aperfeiçoamento ou a modificação ao longo de toda a vida.

É muito importante a promoção destas instituições flexíveis, de modo que constituam uma alternativa apelativa, útil e necessária às universidades, formando os técnicos de que o país precisa e a que o general Paka se referia.

Trata-se de instituições não académicas, em que a aprendizagem se faz na prática e nas empresas, e os professores são os mestres dos seus ofícios, e não diplomados. O importante será o conhecimento prático e técnico, e não os graus académicos. Os alunos-alvo começariam por ser todos aqueles que abandonaram o curso escolar tradicional.

Este tipo de ensino, focado na aprendizagem e na prática, apresenta três vantagens óbvias: desde logo, o combate ao desemprego, porque quem se iniciasse nessa aprendizagem deixaria de estar desempregado; depois, a orientação daqueles que abandonaram a escola e se sentem desmotivados, proporcionando-lhes uma perspectiva de futuro; por fim, a promoção da formação dos técnicos fundamentais para o desenvolvimento do país.

Note-se que o governo surgiria como parceiro da sociedade civil, sobretudo agilizando as burocracias e fornecendo o necessário enquadramento legislativo – mas não ficaria encarregado das funções principais, designadamente ao nível do financiamento. A sociedade civil seria o motor fundamental destas organizações, quer realizando os contactos empresariais para estágios e aprendizagem no local, quer montando o sistema de captação dos estudantes em situação de abandono escolar, ministrando as formações e criando as comunidades de profissionais. Esta ainda é uma ideia embrionária, mas que acreditamos constituir uma via alternativa ao ensino universitário clássico, apostando na formação técnica e prática tão necessária para o desenvolvimento económico e social de Angola.

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