
Evento do G20 sobre saúde global, Roma, maio de 2021. (Divulgação G20)
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A Cúpula do G-20 sobre Saúde Global foi uma oportunidade para examinar a resposta do G-20 a pandemia da Covid-19. Como se sabe, esse grupo de países reúne as 20 maiores economias do mundo e representa 80% do PIB mundial
Esta última quinzena de maio de 2021 será crucial para os rumos da saúde global. De 24 de maio a 1º de junho acontece a 74a. Assembleia Mundial da Saúde, evento máximo da diplomacia da saúde global. O encontro reúne os ministros da Saúde dos 193 Estados-membros da Organização Mundial da Saúde (OMS). No dia 21 de maio aconteceu a cúpula do G-20 sobre Saúde Global. Ambos eventos têm como foco a pandemia, suas consequências e o que se seguirá, incluindo as discussões sobre mudanças no regulamento sanitário internacional. Além disso, outros temas devem ser abordados como os resultados do Painel Independente sobre Preparação e Resposta à Pandemias, que avaliou o desempenho global e da OMS frente à pandemia; a propriedade intelectual aplicada aos produtos necessários para enfrentar a pandemia; e tratado internacional sobre pandemias.
A Cúpula do G-20 sobre Saúde Global foi uma oportunidade para examinar a resposta do G-20 a pandemia da Covid-19. Como se sabe, esse grupo de países reúne as 20 maiores economias do mundo e representa 80% do PIB mundial, 75% do comércio global e 60% da população do planeta. Por isso havia grande expectativa com respeito aos resultados, que constam na Declaração de Roma. A pandemia continua a avançar e o número de contaminados não para de crescer. Atualmente, são mais de 3 milhões de mortes por Covid-19, mas a OMS estima que esse número seja até três vezes maior.
Reunião G-20
Kristalina Georgieva, a diretora geral do Fundo Monetários Internacional (FMI), disse na Cúpula do G-20 sobre Saúde Global, que as políticas para enfrentar a pandemia são políticas econômicas e que as mesmas são mais importantes que os instrumentos de política fiscal ou monetária. Por sua vez, a diretora geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, no mesmo evento, enfatizou que o acesso equitativo a vacinas, diagnósticos e medicamentos constitui a questão econômica e moral de nosso tempo. “Temos que agir agora e assegurar que todos os embaixadores se sentem à mesa para negociar um texto. Não há como progredir com discursos e polêmicas”, disse. O diretor geral da OMS, Tedros Adhanom, repetiu a fórmula “ninguém está a salvo enquanto todos não estiverem a salvo”.
Poucos dias antes do encontro do G-20, havia razão para otimismo por conta da crescente onda em favor da suspensão temporária de patentes, proposta pela África do Sul e Índia, e que conta com apoio de cem países, ex-líderes e prêmios Nobel, além de deputados e senadores norte-americanos da ala progressista do Partido Democrata, sem contar ONGs e representantes da sociedade civil de todo o mundo. A onda de apoios ficou gigantesca com a decisão do presidente Joe Biden de associar o seu país ao waiver (ou suspensão em inglês) das patentes, mas limitada a vacinas. Tomada de surpresa, a União Europeia juntou-se ao que então parecia consenso universal, com a ressalva que aceitaria que o assunto fosse discutido no âmbito da OMC. Como não poderia deixar de acontecer, a indústria farmacêutica fez dura oposição a proposta de suspensão, convocou o seu poderoso e influente exército de lobistas e fez ameaças de que a suspensão de patentes teria como consequência o desinvestimento na área mais crítica na pandemia, os produtos de ou para a saúde.
A expectativa era grande com a declaração do evento, cuja o projeto inicial afirmava logo no início que “a pandemia é uma crise de saúde global e econômica-social, que afeta grupos marginalizados, assim como mulheres e meninas e que não terminará até que todos estejam seguros e que os países possam controlar os surtos”. A redação desse parágrafo anunciava, talvez, uma vontade de corrigir aquele estado de coisas, tomando como bússola a flecha da solidariedade. A menção à segurança de todos e à capacidade de os países controlarem a pandemia parece garantir o desenrolar de múltiplas ações, em harmonia, para o bem comum.
Na sexta-feira, dia 21, a redação final acordada pelos líderes havia sido melhorada com a incorporação de “sem precedente” depois de crise e de “diretos e indiretos” depois de desproporcionais, e a substituição de grupos marginalizados por “nos mais vulneráveis”, que não constituem necessariamente um grupo, encontram-se mais dispersos e são quase invisíveis. A redação parecia mais generosa e lia-se assim: “reafirma que a pandemia é uma crise sem precedente de saúde global e econômica-social, que afeta de maneira desproporcional, de maneira direta e indireta, os mais vulneráveis”.
A menção à segurança de todos havia sido retirada, no entanto, afirma-se agora em compensação que a pandemia não terminará até que todos os países possam controlar a Covid-19, sendo necessária imunização efetiva e equitativa, em combinação com outras medidas de saúde pública.
Ao final do parágrafo o texto afirma que a principal prioridade do G-20 – ademais das medidas de imunização extensiva e equitativa – é a volta do crescimento, forte, sustentável e equilibrado. Os adjetivos forte, sustentável e equilibrado parecem sugerir uma ordem decrescente. Se for assim teremos provavelmente à volta ao normal que nos trouxe até aqui e que ninguém em sã consciência poderia desejar. Após pouco mais de um ano da declaração da Covid-19 como pandemia queremos tomar a oportunidade para corrigir o rumo que vínhamos tomando e que certamente nos levaria a novas pandemias.
Sublinhar que investimentos sustentáveis em saúde global de modo a alcançar a cobertura universal em saúde, com a atenção primária no centro, Uma Saúde (humana, animal e de ecossistemas), preparação e resiliência – constituem bens públicos globais e que o custo da inação é muitas vezes superior – é um passo importante na direção de reconhecer os impactos da pandemia sobre o progresso dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Reconhecer a imunização extensiva como um bem público global também é um passo na boa direção, assim como apoiar os esforços colaborativos no quadro do Access to Covid-19 Tools Accelerator (ACT) [Acelerador de Acesso às Ferramentas contra a Covid-19], contudo, a iniciativa segue subfinanciada, revelando assim a dificuldade de passar das palavras à ação.
Com respeito a suspensão de patentes, nenhuma palavra, apenas uma vaga promessa de aumentar a eficiência no uso das capacidades e trabalhar de maneira consistente no âmbito do Acordo TRIPS e promover o licenciamento voluntário. Nada novo, portanto, nem a proposta da África do Sul e da Índia.
A parte resolutiva da declaração apoia-se nos seguintes princípios, como uma espécie de selo de garantia: a solidariedade global a equidade e a cooperação multilateral; a efetiva governança; colocar as pessoas no centro da preparação (para a pandemia, pressupõe-se) e equipá-las de maneira a que respondam com efetividade; construir de volta com políticas baseadas na ciência e na evidência científica; promover financiamento sustentável para a saúde global.
Cada um desses princípios encabeça as ações resolutivas que se pretendem levar a cabo. A primeira dessas ações é o apoio à meta de uma recuperação sustentável, inclusiva e resiliente que promova o direito de todos ao gozo do mais alto padrão de saúde. Recorda o distante preâmbulo da Constituição da OMS, tão esquecido e agora alçado a uma ação resolutiva. Em seguida, lê-se que o G-20 apoia a promoção do sistema de comércio, que é justamente a pedra no caminho para o acesso desimpedido a kits diagnósticos, medicamentos, vacinas e todos os produtos de e para a saúde.
Há, de fato, muito pouco a esperar desse grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo e representa 80% do PIB mundial, 75% do comércio global e 60% da população do planeta.
É por essa razão que os princípios que encabeçam as ações parecem abstratos. A solidariedade dá a impressão de ser um anúncio para o futuro. A efetiva governança é uma questão administrativa-burocrática importante, mas se espera que durante a pandemia não seja o fator mais decisivo. Pôr as pessoas no centro é a peça chave da Agenda 2030, infeliz e paradoxalmente atingida em cheio pela pandemia. Basear as ações na ciência e nas evidências científicas deveria ser a norma no século XXI. O fato de ser preciso afirmar isso revela o estado do mundo em que vivemos. Por último, a promoção do financiamento sustentável é um outro passo na boa direção, mas com tantos passos cheio de voltas não se pode ter certeza onde iremos parar.
No meio dessa tormenta de ações que talvez não levem a nada, surge nova iniciativa de grupo de países na OMC que solicitam de novo a suspensão de patentes para a Covid-19. Espera-se que desta vez o movimento em favor de uma suspensão consiga romper as barreiras que impedem que a saúde assuma o lugar central em sua relação com o comércio. Afinal, nada é mais importante que a vida.
Aguarda-se agora os resultados da 74a. Assembleia Mundial da Saúde. Voltaremos ao tema deste momento por que passa o mundo, com redefinições cruciais dos rumos da saúde global e da diplomacia da saúde.
Santiago Alcázar e Paulo M. Buss fazem parte do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (CRIS Fiocruz).
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