quarta-feira, 30 de junho de 2021

O socialismo tem um problema de Relações Públicas

Créditos da foto: India Walton, de Buffalo, assistindo aos resultados das eleições.

A maioria do Partido Democrata e os meios de comunicação recusam-se a reconhecer a repressão de direita apoiada pelos EUA na América Latina

Por Sonali Kolhatkar

A segunda maior cidade de Nova York, Buffalo, essencialmente elegeu um prefeito socialista. India Walton, que se diz "muito orgulhosa" de ser uma socialista democrática, passou pelo atual prefeito Byron Brown na corrida primária democrata de Buffalo em 22 de junho. A vitória de Walton lembra as recentes reviravoltas eleitorais supreendentes, em que auto-proclamados socialistas, particularmente no estado de Nova York, como Alexandria Ocasio-Cortez e Jamaal Bowman, derrotaram os favoritos do establishment. Como os residentes de Buffalo têm escolhido os prefeitos democratas há décadas, os republicanos nem se preocuparam em apresentar um candidato, por isso espera-se que Walton prevaleça contra qualquer adversário nas eleições gerais de novembro.

A conquista de Walton é extremamente significativa e é mais uma indicação da tração que as ideias socialistas têm hoje em uma economia capitalista cada vez mais desigual. Com o apoio de grupos de esquerda cada vez mais poderosos, como os Socialistas Democráticos da América e o Partido das Famílias Trabalhadoras, Walton se tornará a primeira socialista a ocupar o cargo de prefeita em uma cidade grande desde que Frank Zeidler foi eleito em Milwaukee, Wisconsin, em 1948 e serviu até 1960. Depois dele, o socialista de maior destaque a ser eleito prefeito foi Bernie Sanders em Burlington, Vermont, na década de 1980. Além disso, a combinação da ideologia, raça, gênero e juventude de Walton (a mulher de 39 anos seria a primeira mulher de Buffalo a se tornar prefeita e a segunda prefeita negra) faz com que sua vitória como prefeita seja ainda mais significativa do que a de seus antecessores socialistas.

No mesmo dia em que Walton venceu em Buffalo, os residentes da cidade de Nova York votaram em uma grande lista de candidatos a prefeito, usando o sistema de votação ranqueada pela primeira vez. Em uma cidade que é considerada um bastião da política progressista, nenhum candidato forte se destacou como líder progressista, muito menos um socialista. Eric Adams, um democrata pró-polícia, emergiu com uma vantagem significativa de votos à medida que o processo de contagem de votos começou. Os socialistas não avançarem o suficiente, na maior e indiscutivelmente mais liberal cidade do país, não significa, como o colunista do Washington Post, Max Boot, disse, que "os progressistas estão fora de contato com os democratas comuns". Pode ser apenas uma questão de tempo — e marketing.

O socialismo tem um problema de relações públicas. O psicólogo social Romin Tafarodi em uma exploração hábil do estigma ligado ao socialismo escreveu em Psychology Today que há um profundo ceticismo da ideologia porque, "os norte-americanos o identificam de perto com os fracassos das repúblicas socialistas autoritárias, passadas e presentes". E ele explicou: "A maioria dos norte-americanos não gosta do que (eles acham) o socialismo representa."

Os republicanos têm explorado este mal-entendido de forma bastante eficaz, apelando para eleitores de origem imigrante, particularmente da América Latina. O estado da Flórida é o marco zero para tais táticas, e o governador Ron DeSantis acaba de assinar um projeto de lei que, se aprovado, exigirá que o departamento de educação de seu estado crie um novo currículo cívico que inclua doutrinação contra o socialismo. DeSantis disse:

"Temos um número de pessoas na Flórida, particularmente no sul da Flórida, que escaparam de regimes totalitários, que escaparam de ditaduras comunistas para poder vir para a América. Queremos que todos os alunos entendam a diferença: por que alguém fugiria através de águas infestadas de tubarões, por exemplo, saindo de Cuba para vir para o sul da Flórida? Por que alguém deixaria um lugar como o Vietnã? Por que as pessoas deixariam esses países e arriscariam suas vidas para poder vir para cá? É importante que os alunos entendam isso."

O senador Marco Rubio (R-FL), um cubano-americano, lançou uma linha de ataque semelhante, dizendo que os latinos são fundamentais para o poder político do Partido Republicano e responderão à mensagem antissocialismo do partido porque eles "sabem como é a vida em outro país". Vários analistas afirmam que Joe Biden perdeu a Flórida na corrida presidencial de 2020 porque Donald Trump e outros republicanos o ligaram ao socialismo, invocando efetivamente uma nova forma de macarthismo.

Uma vez que os republicanos usam, repetidamente, a América Latina como exemplo para demonizar o socialismo, um contexto internacional baseado em fatos é um contraponto útil à propaganda de direita. Embora os conservadores possam citar Cuba, Venezuela e Nicarágua como exemplos de socialismo autoritário, há muitos exemplos mais, historicamente e atualmente, de regimes repressivos de direita e ditaduras militares, que seguem o capitalismo neoliberal em vez do socialismo. E tais regimes — Chile, El Salvador, Brasil, Colômbia, Venezuela, Guatemala, Honduras e Argentina — geralmente chegaram ao poder com a ajuda dos Estados Unidos.

O problema é que a maioria dos políticos do Partido Democrata e os meios de comunicação corporativos liberais alimentam a propaganda de direita, recusando-se a reconhecer a repressão de direita apoiada pelos EUA na América Latina — talvez porque isso mine o mito do compromisso norte-americano com a democracia e os direitos humanos. Após sua recente reunião com o presidente russo Vladimir Putin, o presidente Biden fez uma pergunta retórica risível:

"Como seria se os Estados Unidos fossem vistos pelo resto do mundo como um país que interfere diretamente nas eleições de outros países e todos soubessem disso?"

O Washington Post e outros grandes meios de comunicação, que cobrem as manifestações de Biden, não se preocuparam em ilustrar as inúmeras maneiras pelas quais os EUA realmente interferem nas eleições, mais notavelmente na América Latina, e geralmente o fazem para combater os esforços socialistas para nacionalizar as indústrias.

Dada a crescente dependência trumpiana do racismo e da supremacia branca para expandir seu poder, o Partido Republicano vê os líderes socialistas não-brancos como alvos particularmente tentadores. O deputado Bowman, também sem medo de ser abertamente socialista, explicou eloquentemente: "não podemos falar sobre os ataques contra o 'socialismo' sem falar sobre a reação branca às demandas por investimento em comunidades formadas por pessoas não-brancas".

Líderes do Partido Republicano têm repetidamente visado e atacado jovens socialistas eleitos para o cargo como Ocasio-Cortez, Bowman, Rashida Tlaib, Cori Bush, e outras participantes do chamado Esquadrão. A resposta republicana a este grupo de alto perfil de socialistas não-brancas é "Freedom Force" [Força da Liberdade] - sim, é verdade. Embora os membros da Força da Liberdade não pareçam ter o carisma do Esquadrão, eles são compostos — surpresa, surpresa — de jovens republicanos de ascendência latino-americana que afirmam lutar contra o socialismo.

No mesmo dia em que Walton declarou vitória, dizendo: "hoje é apenas o começo", um vazamento perturbador publicado no Intercept revelou um manual de contraterrorismo da Marinha que equiparava o socialismo à ideologia nazista. O repórter Ken Klippenstein explicou que, "uma seção do documento de treinamento com o título 'Perguntas de Estudo' inclui a seguinte questão: 'Anarquistas, socialistas e neonazistas representam qual categoria ideológica terrorista?'" A resposta correta para essa pergunta é aparentemente "terroristas políticos". Em outras palavras, especialistas em contraterrorismo treinados pela Marinha estão sendo instruídos a considerar legisladores socialistas democraticamente eleitos, membros de câmaras de vereadores da cidade e prefeitos como "terroristas políticos".

Se os republicanos estão equiparando o socialismo com a repressão autoritária, e os democratas centristas estão se recusando a rivalizar com essas reivindicações, então socialistas como Walton podem vir a enfrentar uma batalha difícil para convencer a maioria dos norte-americanos dos benefícios do socialismo.

Um dia após sua vitória em Buffalo, os conservadores previsivelmente começaram a demonizar Walton, com a Fox News afirmando sua posição de "apoiadora do corte do financiamento da polícia"— provavelmente a primeira salva de uma artilharia maior. Mas Walton, aparentemente experiente em ataques, como muitos outros de sua geração, tinha precisamente a resposta certa, dizendo: "estamos perfeitamente bem com o socialismo para os ricos... [mas] quando se trata de fornecer os recursos que as famílias trabalhadoras precisam para prosperar, o socialismo se torna assustador."

Este artigo foi produzido pelo Economy for All, um projeto do Independent Media Institute.

*Publicado originalmente por LA Progressive | Traduzido por César Locatelli

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