quinta-feira, 29 de julho de 2021

Sem escárnio, nobres parlamentares


por Isaac Lima

A sociedade não confia na própria classe que elege e naturalmente associa política a desvio de dinheiro público

Escárnio, segundo o dicionário Aurélio, significa “atitude ou manifestação ostensiva de desdém, de menosprezo”. Pois trata-se do que parecem demonstrar nossos parlamentares quando analisamos duas recentes decisões: a aprovação de um exorbitante orçamento de R$5,7 bilhões para gastos nas próximas eleições – três vezes mais do que no pleito de 2018 – e a promulgação de lei que regulamenta o valor do salário-mínimo em míseros R$1.100.

Os exemplos ilustram a escala de prioridades de nossos governantes, postura também ratificada no texto da Proposta de Emenda à Constituição 32/2020. A reforma administrativa – defendida de forma tão veemente pelo governo federal como solução para a crise financeira do Estado – lhes dará direito a empregar cerca de 1 milhão de pessoas em cargos comissionados, de livre nomeação. Além de não significar uma economia aos cofres públicos, convenientemente dará aos governantes a oportunidade de distribuir cargos estratégicos a apadrinhados políticos, que não passarão por uma seleção ancorada em critérios claros e isentos – como hoje são os concursos públicos.

Estamos envoltos em discussões sobre corrupção na compra de vacinas para combate à Covid-19, e, infelizmente, denúncias dessa natureza já estão incorporadas à rotina dos brasileiros e brasileiras. A sociedade não confia na própria classe que elege e naturalmente associa política a desvio de dinheiro público. Mas apenas por meio da exposição dos fatos é que poderemos promover alguma mudança efetiva e estrutural. Na contramão, o que a reforma administrativa pretende é fechar as cortinas para que tramoias sigam livres em meio à escuridão.

Para completar o cenário, a PEC 32/2020 abre brechas para que serviços hoje constitucionalmente garantidos aos cidadãos, de forma gratuita – como saúde e diversos benefícios sociais –, sofram mudanças impactantes. Com privatizações e sem a prerrogativa da atuação forte do Estado a serviço da população, como assegurar tais direitos?

Para alertar os cidadãos e a opinião pública, estamos envolvidos na campanha “Quem Faz o Brasil”. Nossa luta é para defender os direitos de todos e para que qualquer mudança seja direcionada, de fato, ao fortalecimento do serviço público e não a ações que disfarçadamente prometem melhorias, mas só objetivam centralização de poder nas mãos de nossos governantes. Queremos que a população tenha um serviço de qualidade, fazendo jus aos altos impostos que pagamos. Os únicos donos do serviço público são os brasileiros. Sem corrupção, sem favorecimentos. Sem escárnio, nobres parlamentares.

Isaac Lima é coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal no Estado de Minas Gerais (Sitraemg).

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