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A elite brasileira foi considerada uma das piores do mundo segundo o Elite Quality Report 2020, e isso atrapalha no desenvolvimento mais acelerado do país.
Desde o início da humanidade, as elites políticas têm sido conceituadas por diversos estudos. Em sua ‘’Teoria das Elites’’, o filósofo Gaetano Mosca estabeleceu preceitos do elitismo com foco em uma ‘’classe diligente’’. Ou seja, um grupo específico e restrito de pessoas a quem o poder estaria direcionado.
Mais tarde, com o avanço dos estudos, o conceito passou a ser enquadrado dentro do âmbito socioeconômico. Nesse sentido, o economista italiano Vilfredo Pareto foi um dos primeiros a atrelar a palavra ao sentido financeiro, relacionando a desigualdade natural ao surgimento dessas elites, que eventualmente poderiam se sobrepor aos demais.
Seja fazendo referência a oligarquias, seja direcionando a organizações burocráticas ou empresariais, o termo ‘’elite’’ foi tendo seu significado melhor analisado e adaptado. Atualmente, é comumente aplicado para se referir ao grupo social de maior poder aquisitivo e influência nas tomadas de decisões nas sociedades.
COMO FUNCIONA O ÍNDICE DE QUALIDADE DAS ELITES
Analisando mais a fundo a questão das elites ao redor do mundo, os economistas Tomas Casas e Guido Cozzi, com ajuda de outros especialistas, elaboraram um relatório o qual, a partir de 72 indicadores, analisa a qualidade das elites de 32 países.
O índice avalia, de forma geral, a propensão das elites dos países a gerar valor para a sociedade, ao invés de basear-se no parasitismo para manter seu ganho de renda. Conhecido como rent-seeking, esse processo ocorre a partir da manipulação dos agentes econômicos e da manutenção de privilégios, sem agregar valor aos demais.
Além disso, o estudo introduz importantes reflexões acerca do papel e da performance das elites nos mais diversos setores. Por meio de análises e dados bem fundamentados, são revelados os pontos de destaque em que a melhora e o progresso são necessários a fim de facilitar o crescimento e o desenvolvimento das regiões.
Por exemplo, há a perspectiva de que as elites reúnem os agentes capazes de alocar recursos, sejam eles humanos, naturais, econômicos ou intelectuais, para:
coordenar e escolher os modelos de negócios;
orientar o funcionamento do setor produtivo e seus subsequentes resultados.
Nestes dois pontos, estaria a importância deste grupo na sociedade.
METODOLOGIA DO ESTUDO
A base metodológica do Índice de Qualidade das Elites se concentra em quatro categorias, cujas análises relacionam-se ao poder e ao valor econômico das elites, assim como ao poder e ao valor político destas.
Assim, o relatório pousa sobre diversas questões interdependentes que vão desde corrupção política à mobilidade social; descentralização e globalização; risco de expropriação e proteção de minorias; bem como, investimentos, regulações e comércio.
Além disso, a expectativa de vida escolar, os gastos com serviços públicos, as questões fiscais e de protecionismo também fazem parte das análises e dos cálculos.
Também foram feitas comparações econômicas entre os países para avaliar o índice de desenvolvimento humano (IDH) e seus fatores envolvidos.
O estudo conta com diversas referências de bibliografia e análise, com destaque para o economista Daron Acemoglu e o cientista político James Robinson. Além deles, Pierre Bordieau, Max Weber, o próprio Banco Mundial e muitos outros personagens foram utilizados como base teórica.
AS IDEIAS APRESENTADAS NO RANKING DE QUALIDADE DAS ELITES
Na análise, é feito um paralelo entre grupos econômicos benéficos e prejudiciais à população geral.
Nesse sentido, o termo adotado para elites que se envolvem em modelos de negócios de criação de valor é dado como “elites de alta qualidade’’. Em contrapartida, as elites que se envolvem em modelos de negócio de extração de valor são cunhadas de “elites de baixa qualidade’’.
Isso significa que, enquanto as elites de alta qualidade proporcionam mais à sociedade do que recebem, as elites de baixa qualidade tiram mais da sociedade do que oferecem em retorno.
As elites classificadas como de alta qualidade pelo estudo visam a criação de valor aos demais, buscam o fortalecimento de políticas horizontais, melhorando o ambiente de negócios.
Isso se dá tanto a partir do aprimoramento do capital humano quanto do incentivo à proteção dos direitos de propriedade que fornecem incentivos para a inovação. Afinal, estes são os recursos consistentes e necessários para que empresas gerem valor.
Em contrapartida, as elites de baixa qualidade tendem a promover monopólios e privilégios tributários que as beneficiam em detrimento do restante da sociedade, buscam reservas de mercado e protecionismo — e é neste grupo que encontra-se a elite brasileira.
AS INSTITUIÇÕES INCLUSIVAS E EXTRATIVISTAS DE ACEMOGLU E ROBINSON
Em paralelo com os conceitos adaptados ao estudo, os economistas e escritores Acemoglu e Robinson analisam em sua obra “Por que as Nações Fracassam’’ as instituições em uma dicotomia.
De um lado, estariam as instituições inclusivas, as quais permitem que todos os indivíduos participem e se beneficiem de atividades econômicas em um nível de competição justa.
Do outro, estão as instituições extrativistas que explicitam a situação de exclusão de parte da sociedade. Com elas, determinados grupos veem-se proibidos de participar dos processos econômicos, enquanto as elites extraem os recursos e as oportunidades disponíveis.
Embora seja focada nas estruturas governamentais, esta análise pode ser direcionada aos modelos de negócios da elite, conforme seu cenário geográfico e cultural. Dessa forma, as elites de boa qualidade recebem o rótulo de Inclusivas, enquanto as de baixa qualidade são taxadas como extrativistas.
A ELITE BRASILEIRA É A 6ª PIOR DO MUNDO
No topo do ranking, com as elites de maior qualidade, estão: Singapura (1º), Suíça (2º), Alemanha (3º), Inglaterra (4º), Estados Unidos (5º) e Austrália (6º).
Já o Brasil aparece como uma das piores elites do mundo, ficando na 27ª colocação. Atrás, estão apenas Turquia (28º), Nigéria (29º), África do Sul (30º), Argentina (31º), e Egito (32º).
Os autores avaliam que, embora o país tenha progredido desde o reestabelecimento da democracia em 1985 – especialmente reconquistando o controle sob a inflação – a confiança ainda não foi restaurada.
Com pontuações e colocações baixas em todos os índices do estudo, o Brasil chama a atenção pela falta de uma cultura geradora de valor por parte de sua elite.
ALGUNS DOS PROBLEMAS A SEREM ENFRENTADOS
Dentre os principais problemas brasileiros diagnosticados pelo estudo, estão o rent-seeking na captura e ganho de renda; a precariedade de capital humano e a baixa produção industrial.
Quanto aos problemas de renda, depreende-se o fato de que, no Brasil, a pirâmide social é configurada de uma maneira em que os ricos pagam menos impostos do que os mais pobres a partir de uma tributação desproporcionalmente regressiva.
Isso acontece porque a arrecadação é focada principalmente em bens e serviços, cujas alíquota incidem sobre ricos e pobres com o mesmo valor, agravando as distorções sociais.
Essa configuração é apenas uma das questões a serem revistas por uma reforma tributária que há décadas está sendo discutida e prorrogada pela classe política do país.
Na indústria, o destaque vai para o mercado fechado, protecionista e engessado do país, que colabora para a formação de monopólios. Ao fechar sua economia, o Brasil condenou-se a preservar os privilégios da elite produtiva do país e impossibilitar a geração de riqueza.
Entre diversos vertentes de estudos econômicos, é bastante abordada a relação entre produtividade e protecionismo.
Nesse sentido, como 124º país quanto à facilidade de fazer negócios e 144º em relação à liberdade econômica, o Brasil se destaca por dificultar a geração de riqueza e, consequentemente, a mobilidade social de sua população.
ALGUNS EXEMPLOS DE INSTITUIÇÕES EXTRATIVISTAS NO BRASIL
No Brasil, muitos são os exemplos de instituições e membros da sociedade que buscam a manutenção de privilégios, favores e facilidades ao invés de promover a geração de valor.
O Judiciário brasileiro, por exemplo, que majoritariamente mantem rendimentos acima do teto constitucional – é um setor que representa grande parte da elite brasileira: os juízes em atividade custam, em média, R$51 mil por mês.
Isso contribui para ter um custo em relação ao PIB é muito superior ao que países como Alemanha, Chile e Argentina dedicam nesta esfera. Além de caro, a tramitação dos processos também é lenta.
Outro exemplo é o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). Ao capturar recursos públicos para beneficiar determinadas empresas, volta e meia apenas prejudica a sociedade, mantendo monopólios ou oligopólios. Com a falta de concorrência, deixam de ser oferecidos melhores produtos, serviços e preços à população.
De forma geral, o funcionalismo público – que agrupa cerca de 6% mais ricos do país — é parte importante da elite brasileira, cujos papel e desempenho deveriam ser revistos.
Já a educação brasileira também se configura como extrativista, na medida em que os desempenhos educacionais estão entre os piores do mundo no PISA, prejudicando a mobilidade social.
BOA PARTE DA ELITE BRASILEIRA ACREDITA QUE “RICOS SÃO OS OUTROS”
Um dos primeiros passos fundamentais para a superação dos desafios socioeconômicos brasileiros é o reconhecimento da existência de uma elite brasileira. Para a maioria dos brasileiros, ricos são sempre “os outros”, e há pouca compreensão quanto à condição real da maior parte da população.
De acordo com análises do banco de dados World Inequality Database (WID), os brasileiros que contam com mais de R$ 1.800 por mês per capita em seus domicílios já estão acima da renda de 50% da população nacional.
Ao passarem dos R$ 5 mil, esta parcela pode ser considerada como parte dos 10% mais ricos. Por fim, os que ganham mais de R$ 20 mil, por exemplo, estariam entre o 2% ou até 1% mais rico do país.
Já em uma pesquisa feita há alguns anos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), 75% dos brasileiros se diziam pertencer à classe média. Em um país cuja renda média domiciliar per capita fechou em R$ 1.439 no ano de 2019, tal afirmação não faz sentido.
Em suma, esta ausência de compreensão e consciência acerca de suas posições e papéis na sociedade atrapalham o senso de responsabilidade que os cidadãos devem ter para o desenvolvimento de uma sociedade.
Com uma espécie de “terceirização moral“, muitos são beneficiários de políticas públicas ou recebem privilégios às custas dos mais pobres da sociedade. E, por fazerem parte da classe mais articulada e influente, acabam por barrar reformas e mudanças necessárias para a superação de problemas básicos, como foi com a reforma da previdência, adiada por três décadas e meia.
REFORMAR E MODERNIZAR
No geral, para o Brasil caminhar rumo a uma geração de riqueza mais ampla, com menos parasitismo e rent-seeking, devemos seguir o trilho das reformas, das modernizações do estado e da extinção de privilégios.
Isso passa pelo fim de subsídios às empresas “amigas do Rei”, no combate aos supersalários da elite do funcionalismo público e da promoção de mais liberdade econômica.
Em vários aspectos, nosso país urge por mudanças que promovam mais harmonia e eficiência entre todos os agentes da sociedade. A partir disso, gradativamente, a qualidade da elite brasileira nos rankings e estudos será maior.
Por: Luan Sperandio
Head de Conteúdo do Ideias Radicais, além de atuar no mercado financeiro na Apex Partners e colunista da Folha Vitória. É associado do Instituto Líderes do Amanhã.
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