Prabhat Patnaik [*]
A cessação do fornecimento de gás natural da Rússia à Europa em retaliação às sanções ocidentais impostas à Rússia por causa da guerra da Ucrânia, está a ameaçar a Europa não só com um Inverno com aquecimento inadequado que irá ter um grande impacto em termos de vidas entre as pessoas pobres, mas também com encerramentos de empresas em grande escala. Tais encerramentos aumentariam a taxa de desemprego e aumentariam significativamente a pobreza e a miséria entre os trabalhadores.
Não é apenas o efeito imediato sobre a Europa que ameaça ser gravemente adverso. O capital já começou a deslocalizar-se da Europa para os Estados Unidos, uma tendência que inevitavelmente ganhará ímpeto, de modo que o crescimento a longo prazo e, consequentemente, as perspetivas de emprego naquele continente serão também afetadas. Em suma, a Europa está a entrar num período de graves dificuldades económicas que são da sua própria autoria; está a cometer hara-kiri económico no processo de afirmar a sua lealdade aos EUA na guerra da Ucrânia. Oscar LaFontaine, o antigo ministro do SPD na Alemanha e fundador do partido de esquerda Die Linke, agora retirado da política ativa, chamou à Alemanha "um vassalo americano na guerra da Ucrânia" (The Delphi Initiative, 17/Setembro/2022); ele está indubitavelmente certo.
A opinião pública europeia, como era previsível, está a ser alimentada com a ideia de que Vladimir Putin é responsável por estas desgraças europeias. Mas mesmo antes de Putin decidir encerrar o gasoduto Nord Stream-1 que traz o gás russo para a Europa, líderes europeus falavam quase diariamente acerca do boicote ao gás russo. Putin pode portanto dizer que efetuou aquilo que os líderes europeus queriam. Além disso, esperar que a Rússia se mantivesse a fornecer gás à Europa porque a Europa dele necessitava (porque o gás estava originalmente isento do âmbito das sanções), enquanto ela própria sofria o impacto das demais sanções, é análogo a fazer a exigência absurda de que a Rússia deveria oferecer a outra face quando esbofeteada numa delas. Aqueles que unilateralmente impõem sanções sobre outros deveriam estar preparados para a retaliação. De facto, o país que recebe sanções tem o direito de retaliar e aqueles que impõem sanções deveriam estar preparados para tal retaliação.
Mas a seguir seria argumentado que a culpabilidade de Putin se situa a um nível mais fundamental, nomeadamente pela interferência na liberdade da Ucrânia para decidir se quer aderir à NATO. Qualquer país, assim diz o argumento, deveria ter a liberdade de aderir a qualquer acordo e nenhum outro país tem o direito de impedir que o faça. Mas mesmo que nos esqueçamos das garantias ocidentais a Mikhail Gorbachev, o último líder da União Soviética, de que a NATO não seria expandida para leste; mesmo que nos esqueçamos do derrube, patrocinado pelos americanos, de um governo popularmente eleito na Ucrânia, em 2014, que havia desejado relações amistosas com a Rússia; mesmo que nos esqueçamos do facto de que o subsequente governo recém-instalado na Ucrânia, escolhido a dedo pela clique americana Neo-Con, esteve a travar uma guerra contra a região de Donbass, de maioria russa, que ceifou 14.000 vidas antes da intervenção militar russa; e mesmo que esqueçamos o facto de que os EUA têm 800 bases militares em 80 países em todo o mundo, cujo único objetivo é perpetuar a hegemonia americana; mesmo que esqueçamos todos estes factos e olhemos simplesmente para a questão da liberdade de um país aderir a qualquer acordo e instalar quaisquer armas no seu próprio solo, os quais as potências ocidentais lideradas pelos EUA estão agora a enfatizar, isto só levanta a questão: então porque é que os EUA empurraram o mundo para a beira de uma guerra nuclear por terem negado essa mesma liberdade a Cuba durante a crise dos mísseis de 1962?
A BELIGERÂNCIA EUROPEIA TERÁ CONSEQUÊNCIAS NEFASTAS
A beligerância europeia em relação à Rússia, seguindo a liderança americana, não terá só consequências económicas prejudiciais; a sua repercussão política será desastrosa: empurrará a Europa não só para a Direita, mas também para perto do fascismo. Os imensos fardos que imporá à classe trabalhadora são reconhecidos por todos e também o facto de que a classe trabalhadora aumentar a sua resistência contra estes fardos. Mas as formações políticas "liberais" não estão preocupadas com estes fardos, cujo lado negativo são os lucros maciços que estão a ser feitos pelas companhias petrolíferas que aumentaram as suas margens de lucro aproveitando-se da cessação do fornecimento de gás russo. (Do mesmo modo, o lado negativo dos impostos que estão a ser cobrados ao povo americano para financiar os fornecimentos militares dos EUA à Ucrânia para prolongar a guerra são os lucros maciços que estão a ser ganhos pelos fabricantes de armamento). O que é lastimável é que mesmo sectores da esquerda europeia estão dispostos a endossar estas ações beligerantes dos seus governos.
Vários grupos fascistas estão a fazer um grande barulho sobre o desastre que se aproxima e a sua produção é utilizada por muitos grupos de esquerda como argumento para não tomarem qualquer iniciativa contra estes movimentos que prejudicam a classe trabalhadora (pois então seriam vistos como estando a posicionar-se ao lado dos fascistas). Na Alemanha, por exemplo, é a AfD, o grupo fascista, que protesta contra as ações do governo. No entanto, o ruído fascista, dado o implacável oportunismo destes grupos, na realidade pouco significa. Se eles chegarem ao poder, farão uma completa meia volta e até agirão contra os seus próprios apoiantes que continuarem a levantar os seus velhos slogans. Mas a sua chegada ao poder com base nestes slogans é precisamente o perigo. Espera-se que a Itália eleja um governo de extrema-direita, no qual os fascistas descendentes do partido de Mussolini serão uma parte importante, nas eleições que se realizarão a 25 de Setembro. Mas o presságio é que a ascensão do fascismo será mais geral na Europa, propagada por vários países, incluindo, assustadoramente, até a Alemanha.
É este perigo que Sahra Wagenknecht, líder da Die Linke e sua antiga co-presidente, tinha em mente quando pediu ao seu partido que organizasse protestos sociais contra o governo, embora a Direita também esteja a fazê-lo. Como disse ela, "Qualquer pessoa que desista de posições corretas e populares só porque algumas delas são também representadas pela AfD já perdeu o combate antes mesmo de ele ter começado" (MR Online, 18/Setembro/2022).
A política anglo-americana sempre foi manter a Europa, especialmente a Alemanha, longe da Rússia e atual safra de políticos europeus assimilou completamente esta política, ao contrário de muitos dos seus antecessores. Charles De Gaulle, por exemplo, não permitiu uma base da NATO sobre o solo francês pois pensava que isto afastaria para longe das mãos francesas a decisão sobre lançar ou não uma guerra. O desejo de ter uma posição independente em relação aos americanos e de promover a paz na Europa levou Willy Brandt, quando foi chanceler da Alemanha, a abrir-se para a Europa Oriental no que era chamado Ostpolitik.
A falta de independência da safra atual de líderes europeus tem sido explicada de várias maneiras. Enquanto alguns atribuem-na à absoluta mediocridade destes líderes, outros vêem a estreita ligação entre eles e as corporações envolvidas em atividades que beneficiam diretamente da guerra, tais como a fabricação de armamento, incluindo mesmo corporações americanas. (O líder da CDU na Alemanha, por exemplo, que é hoje o maior partido da oposição e ao qual pertenceu a ex-chanceler Angela Merkel, Frederick Merz, é um antigo empregado da BlackRock, o gigante financeiro americano). Mas seja qual for a razão, estamos a testemunhar a uma situação que faz lembrar a que prevalecia na Europa na véspera da Primeira Guerra Mundial: governos completamente isolados do povo comum tinham pedido às pessoas, então como agora, que fizessem sacrifícios que não têm qualquer razão de ser do seu ponto de vista.
É o desejo de manter um mundo unipolar que explica a confrontação ocidental inspirada pelos Neo-Con com a Rússia e que impede uma solução negociada para o conflito da Rússia com a Ucrânia. O acordo de Minsk apoiado pela França e pela Alemanha havia proporcionado a base para tal solução; mas foi torpedeado pela Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos. Muitos, inclusive Oscar LaFontaine, acreditam que os acordos de Minsk ainda podem fornecer a base para uma solução negociada. Um cessar-fogo, seguido de negociações de acordo com aquelas linhas ainda pode evitar um desastre. Mas os EUA não deixaram de sonhar com uma mudança de regime na Rússia: se a guerra se arrastar, espera que haja uma revolta interna contra Putin dentro do seu próprio círculo (com alguma instigação sem dúvida "de fora"). Quanto mais cedo a Europa tomar uma posição independente dos EUA e trabalhar para um acordo negociado, melhor para todos os interessados.
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