Você já parou para pensar o que os membros do governo Bolsonaro faziam a portas fechadas durante os momentos mais tristes da pandemia de Covid-19? Isso era segredo até três semanas atrás, quando uma força-tarefa de repórteres da Agência Pública começou a analisar mais de 800 páginas de atas secretas do Comitê de Crise da Covid-19 – documentos que o governo Bolsonaro nos impediu de acessar durante anos.
Dias após publicarmos as primeiras reportagens, tivemos um grande impacto que reforça por que fazemos o que fazemos: por conta das novas provas, os senadores da CPI da Pandemia disseram que vão pedir a reabertura dos inquéritos sobre a condução da crise sanitária. Isso significa que, por causa das reportagens da Pública, Bolsonaro pode voltar a ser investigado sobre sua atuação na pandemia.
Hoje, queremos te contar um pouco sobre as muitas águas que rolaram para que a gente conseguisse publicar uma série de 11 reportagens capaz de ter um impacto dessa magnitude.
O primeiro pedido de Lei de Acesso à Informação em busca dessas atas foi em 2020, mas a solicitação foi seguidamente negada por diversas instâncias e pelo próprio general Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e ex-candidato à vice-presidência de Jair Bolsonaro. O governo Bolsonaro não queria que as histórias que hoje contamos viessem à público. Mas nossa equipe não considerou desistir.
Não é simples dedicar uma equipe para investigar o passado enquanto zilhões de coisas continuam acontecendo neste início de governo para lá de agitado. Para impedir que os gritos de “sem anistia” caíssem no esquecimento em meio a esse turbilhão, tivemos que remar contra a corrente, nos planejar e pedir ajuda. Lançamos no final do ano passado uma campanha de financiamento para garantir os recursos necessários para abrir a caixa-preta do governo Bolsonaro. Com a ajuda dos nossos Aliados, conseguimos o apoio que era necessário naquele momento.
Depois, resgatamos os pedidos de LAI que haviam sido negados no passado, debatemos ideias de pauta e fizemos dezenas de novos pedidos de acesso à informação, que agora começam a dar frutos. O repórter Rubens Valente repetiu o pedido então negado e, três anos depois, finalmente conseguimos ter acesso às 233 atas de reuniões do Centro de Coordenação das Operações do Comitê de Crise da Covid-19 (CCOP). O órgão, que se reuniu entre março de 2020 a setembro de 2021 no coração do Palácio do Planalto, era controlado pela Casa Civil, de Braga Netto. O CCOP unia representantes de 26 órgãos federais, incluindo os principais ministérios, em reuniões até três vezes por semana — às segundas, quartas e sextas — para debater o que fazer em relação à pandemia.
Com as atas em mãos, chegou o momento de ler os documentos e descobrir, afinal, o que o governo Bolsonaro tanto quis esconder. Cinco de nossos repórteres ficaram com cerca de 160 páginas para ler, resumir e compartilhar os principais achados com a equipe. Assim surgiram as primeiras pautas e nos dividimos para escrever, sempre em contato um com o outro para não deixar nada para trás.
Primeiro, mostramos em detalhes como o Ministério da Defesa se empenhou para que o Exército produzisse cloroquina, remédio ineficaz contra a Covid. Mostramos também que, enquanto Manaus vivenciava um colapso sanitário, o MEC insistia para realizar o ENEM na cidade, e o governo reclamava que as autoridades locais não estavam aplicando o chamado “tratamento precoce” — também comprovadamente ineficaz — “a contento”.
Outra novidade foi a tentativa de usar a capital amazonense para testar o TrateCov, um aplicativo que prescrevia cloroquina até para bebês resfriados. Não contente com todos os esforços em prol de um tratamento falso, o governo ainda tentou criar o Dia Nacional do Cuidado Precoce.
A estratégia de esperar o Supremo Tribunal Federal (STF) mandar para, aí sim, tentar conter a disseminação do vírus se repetiu em Manaus e nas comunidades indígenas e quilombolas, como revelam as atas. Também mostramos que, enquanto era criticado por sua omissão, o governo apostava em omitir informações sobre a letalidade da Covid-19 e fazer propaganda positiva sobre si mesmo.
Enquanto a Covid-19 se disseminava nas prisões, o Ministério da Justiça e Segurança Pública pouco fazia. Parecia mais preocupado com resolução do Conselho Nacional de Justiça que indicava medidas desencarceradoras para presos provisórios e de grupos de risco.
As atas também comprovaram que o Ministério da Economia não teve pressa para regulamentar a Lei Aldir Blanc, que daria auxílio financeiro de R$3 bilhões para o setor cultural em crise por causa da pandemia. E mostraram que o comitê de crise esperou passar seis meses de pandemia para formar um Grupo de Trabalho para coordenar a aquisição e distribuição de vacinas contra o coronavírus.
Alice Maciel, Bianca Muniz, Caio de Freitas, Laura Scofield, Matheus Santino, Rubens Valente, Thiago Domenici
Repórteres da Agência Pública
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