segunda-feira, 24 de abril de 2023

O aprofundamento da decadência americana, por Andrei Martyanov

O analista Andrei Martyanov aponta o próximo colapso e desintegração do império (Foto: reprodução da capa do livro)

Resenha de Daniel Vaz de Carvalho sobre o livro de Martyanov é um retrato da atual crise de hegemonia dos EUA. “Eles são cada vez mais vistos como um país fanfarrão, provocador e agressor, do qual há cada vez menos receio”, diz o autor


A resenha de Daniel Vaz de Carvalho sobre o livro de Andrei Martyanov, “Desintegração: indicadores do próximo colapso do império americano”, publicado em maio passado, revela com bastante precisão e riqueza de detalhes a atual situação de decadência em que se encontra o império americano.

O trabalho do analista militar russo, atualmente residindo nos EUA, vai na mesma linha do pesquisador marxista britânico Michael Roberts, que, em artigo publicado aqui no HP, em junho passado, sob o título “Com produtividade em queda, parasitismo corrói economia americana”, analisou a queda da produtividade do trabalho naquele país e a sua relação com a decadência geral na economia e na sociedade americana.

De forma mais abrangente ainda do que Roberts, Martyanov nos apresenta, além da decadência econômica, outras áreas nas quais os Estados Unidos também estão numa trajetória descendente, como na qualidade de vida de seu povo, na infraestrutura do país, no baixo nível intelectual de sua elite, no atraso tecnológico, na baixa qualificação de suas universidades e, especialmente, na inoperância, relativamente a outras potências, de sua máquina de guerra.

O autor chama atenção para o fato de que a atual crise americana ultrapassa o mero caráter cíclico das crises capitalistas. Ele enfatiza que os EUA estão arrastando consigo os países da Europa que, segundo sua opinião, estão se deixando levar pelos desacertos das administrações americanas.

O analista aponta que as ameaças imperiais já não são levadas a sério e lembra que sanções impostas pelo país já não surtem os efeitos esperados. “Não apenas a Rússia desenvolveu com êxito um programa de substituição de importações, como contra-atacou sancionando o Ocidente e desenvolveu tecnologias próprias”, argumentou, citando o Financial Times, que escreveu: “A Rússia, adaptando-se às sanções, conseguiu uma economia robusta. Analistas dizem que Moscou tem agora mais medo do fim das sanções que o contrário”.

Em sua resenha, Daniel Carvalho afirma que “as ilusões geoestratégicas baseiam-se num poder irreal e em teorias econômicas totalmente falseadas. A forma como lidam com a Rússia mostra a extrema ignorância e incompetência para com o único país que pode varrer os EUA do mapa. Estabelecem, por exemplo, comparações absurdas do PIB da Rússia com o da Itália ou da Espanha, como se estes países, mesmo a Alemanha, possuíssem as capacidades científicas e tecnológicas no setor aeroespacial, aeronáutica, informática, indústria petrolífera e armamento sofisticado, da Rússia”.

“Do desastre no Iraque, à guerra perdida no Afeganistão, à Líbia, à Síria, etc., tudo tem sido um desastroso registo de incompetência geopolítica nos domínios diplomático, militar e de informações”, afirma o analista russo. Martyanov afirma que os EUA são cada vez mais vistos como um fanfarrão, provocador e agressor, do qual há cada vez menos receio. As habituais mentiras de espalhar a democracia não resistem a qualquer análise factual. As suas análises são meras câmaras de ecos, que as grandes agências midiáticas espalham pelo mundo, não deixando por isso de ser menos perigosas. Confira o artigo na íntegra.

S.C.
Desintegração: indicadores do próximo colapso do império americano

DANIEL VAZ DE CARVALHO

“Quando era cadete, qual era o lema em West Point? Não mentir, não enganar, não roubar nem tolerar que outros o fizessem. Fui diretor da CIA, mentimos, enganamos, roubamos. Tivemos completos cursos de treino. Isto deve recordar-vos a glória da experiência americana”.

Mike Pompeu, a gabar-se enquanto o público ria e aplaudia a declaração

1 – Para além da propaganda

Disintegration, o novo livro de Andrei Martyanov constitui uma aprofundada análise do império a que, quer se tenha disso consciência ou não, estamos submetidos. Um império em declínio ao qual Martyanov torna evidente o próximo colapso e desintegração, se o seu povo não se mobilizar em defesa de outras políticas. Uma evidência que, para além da propaganda e subserviência de “comentadores” e jornalistas formatados pelas midiáticas máquinas de mentir imperialistas, transparece nos resultados obtidos, sistematicamente deturpados ou escamoteados. De fato, nos últimos 30 anos, os EUA produziram um recorde de falhanços (fracassos) em termos de resultados práticos, porém, diz Martyanov, os falhanços são apontados como êxitos!

As intervenções dos EUA, deixaram países no caos, mereceram a apropriada designação de “império do caos”. A retirada do Afeganistão é um exemplo mais próximo: um país na miséria e em que a produção de ópio para heroína cresceu 40 vezes desde a intervenção da OTAN em nome da defesa dos direitos humanos. Na contabilização das mortes associadas a esta intervenção, no seguimento das ações para derrubar um governo popular e progressista, há que incluir as mortes pela heroína e pelas ações terroristas levadas a cabo pelos grupos do fundamentalismo islâmico, criados para serem mercenários a serviço do império e espalhados por múltiplos locais.

Como Martyanov prudentemente adverte, no seu declínio os EUA tudo farão para preservar o poder, embora deem sinais de estarem a tornar-se um país instável, comparável aos do terceiro mundo, mas com armas nucleares.

As suas elites dispõem de um imenso poder midiático, mas a acentuada quebra da sua qualidade resulta de uma crise que evolui de mal a pior. Claro que estas elites são um reflexo e um produto de outras forças: a oligarquia dominante.

Os “fazedores de opinião”, professores, especialistas em todas as áreas e nenhuma, continuam a depender dos políticos do sistema e vice-versa, todos eles dependendo da boa vontade das oligarquias, dizendo apenas o que estas querem ouvir. É normal advogados, atores, gente do desporto, pronunciarem-se sobre assuntos militares e geopolíticos sem que tenham nenhuma competência nestas matérias e um muito baixo nível de conhecimento em relação ao resto do mundo. Porém a ideia de os EUA deixarem de ser o líder mundial não entra na imaginação destas ditas elites para as quais as ilusões da sua propaganda podem alterar a realidade.

O imperialismo age a coberto de “direitos de proteção” e moralismo. Um pretenso moralismo que tem conduzido a catástrofes humanitárias é à morte de milhões de pessoas. Ousam mesmo falar em “bombardeamentos humanitários” como em 1999 sobre a República Federal da Jugoslávia.

Para Martyanov, o modelo liberal, a dita “democracia liberal”, é um termo completamente contraditório com a realidade social: uma ideologia totalitária e fascizante que procura destruir tudo o que de positivo foi conseguido desde o iluminismo. Uma ideologia moribunda saída da arrogância de elites americanas cuja ignorância foi tornada modelo virtuoso e verdade absoluta.

Os EUA falham miseravelmente na capacidade de lidar com os factos, exibindo uma rigidez ideológica que se tornou uma fanática crença religiosa. O resultado final só poderá ser a desintegração, independentemente de quem seja o próximo presidente ou o partido que vá prosseguir as desastrosas políticas económicas e culturais atuais.

Os EUA estão organizados numa ditadura de partido único, na tentativa de dominar o mundo, baseado em “valores” económicos e culturais por eles definidos, mas que são antitéticos para a maioria dos povos. Uma tentativa que contamina os media e os sistemas educativos, conduzindo a sociedade à distopia e não pode sobreviver perante a realidade de uma América economicamente em declínio, intelectualmente estéril e em que a decadência moral se torna evidente nas taxas de criminalidade e de presos.

Imaginam que a propaganda obvia os problemas que enfrentam e um inevitável colapso. Assim, eliminar o pensamento livre tornou-se o objetivo número um dos donos do discurso, produzindo gerações sujeitas a lavagem ao cérebro.

A violência interétnica, o abrandamento da produtividade, a vulgaridade universitária são realidades da desintegração dos EUA. Porém, tudo o que o autor nos apresenta relativamente aos EUA tem que ver com a UE e outros aliados colocados na condição de vassalos relativamente ao suserano. Como não é visível qualquer intenção de, designadamente na UE, mudar de política é inevitável serem arrastados no declínio e colapso do império.

O esclarecimento quanto à real situação em que estamos envolvidos é, ou devia ser, tarefa prioritária de todos os sectores realmente progressistas.

2 – O Consumo

Martyanov aborda a questão do consumo. Uma das principais bandeiras da suposta superioridade do capitalismo, com que seduziu e seduz multidões em particular de jovens, mas não só, para os quais consumir representaria liberdade. O que finalmente encontram, tanto nos EUA como em qualquer outro país sujeito ao sistema, é insegurança nas suas vidas, instabilidade pessoal e social, marginalidade, prostituição, mesmo escravatura sexual. Estima-se que 2,5 milhões de estudantes universitários recorram à prostituição para pagar as suas dívidas. Em 2019, haveria 100 a 150 mil crianças como “trabalhadoras e trabalhadores sexuais”.

A “liberdade de escolha” para consumir não passa de uma falácia, que raros ousam denunciar. Nos EUA, segundo uma sondagem, a insegurança alimentar atinge 40,9% das mães com filhos de 12 anos ou menos, valor que tem aumentado dramaticamente. Não se trata aqui de padrões de consumo, mas de não ter o suficiente para comer. O que põe em causa o sistema de distribuição de bens em termos capitalistas. Num Estado dos mais pobres como o Colorado, 30% da população tem dificuldade em satisfazer as necessidades alimentares.

Dezenas de milhões de trabalhadores dos EUA viram os seus salários reduzirem-se ou mesmo desaparecerem, incluindo os que entretanto perderam direito a subsídio de desemprego. Mesmo entre a classe média branca a esperança média de vida vai-se reduzindo devido à falta de apoios médicos, suicídios, toxicodependência. Situações que apontam para problemas mais profundos como salariais, insegurança de existência, dessocialização, entre outros, mostrando muitas pessoas a perderem a vontade de viver.

Aumento da miséria nos EUA. 7 milhões ameaçados de despejo

O consumo nos países capitalistas ricos levando parte da população a consumir não por precisar, mas para evitar uma marca de inferioridade e pouco mérito, era uma montra contra o socialismo. Um desejo de consumir que transforma as pessoas de cidadãos em “consumidores”, um objetivo do fascizante “fim das ideologias”. Um consumo que tinha e tem como contrapartida exploração, fome e opressão nos países dominados noutras partes do mundo. Eis que agora situação semelhante enfrentam os cidadãos do designado Ocidente – para além do que a propaganda exiba.

Em 1985 o salário médio pagava em 32 semanas as despesas básicas de um casal como habitação, saúde, carro, educação. Em 2020 são 52 semanas para os mesmos itens. Os EUA tornaram-se um país pobre – e de pessoas endividadas – e nada mais fazem senão imprimir dólares, o que torna o problema ainda pior.

3 – Prosperidade

A riqueza é medida em dólares, porém o dólar em relação ao ouro vale apenas 19 cêntimos do que valia em 1971, quando se desligou daquela referência. O sistema permite aos EUA gerir os seus défices simplesmente pela venda de dólares aos bancos centrais de outros países. Esta é a base da riqueza dos EUA permitindo-lhes manter a ilusão de ter “canhões e manteiga”. Uma riqueza fictícia que Michael Hudson designa como o sistema FIRE (Finanças, Seguros e Imobiliário).

De acordo com o Bank of America os intangíveis das empresas, isto é, ativos que não têm natureza física, passaram de 17% dos ativos das S&P500 em 1975, para 84%, 20 milhões de milhões de dólares no início de 2020. A valorização da economia dos EUA, afirma Martyanov, é geralmente uma fraude, uma maneira de dar cobertura aos jogos de especulação dos “estrategistas” da Wall Street e à eliminação de indústrias produtivas. A ideia de os EUA serem o país mais rico vem da forma como o PIB é contabilizado, em que a financeirização, a especulação financeira e as dívidas, isto é, o sector não produtivo da economia aparece como valor e poder económico.

O PIB cresce ao mesmo tempo que se produzem cada vez menos bens materiais. Outra razão pelo qual está grandemente inflacionado é o estatuto do dólar como moeda de reserva, permitindo aos EUA pela sua proliferação e constante emissão pela Reserva Federal, viver acima dos seus meios. Contudo o dólar enfrenta uma dramática desvalorização e a desdolarização da economia mundial que a Rússia e a China lideram.

A riqueza dos EUA é, pois, em grande parte fictícia, um eufemismo para o seu afogamento em dívidas. A dívida federal atinge 28,5 milhões de milhões de dólares, 128,26% do PIB. Se incluirmos as dívidas dos Estados e locais atinge 143,4%, mas a dívida total incluindo empresas e cidadãos vai aos 85,5 milhões de milhões dos quais 1,75 milhões de milhões dívida estudantil, e quase 989 mil milhões em cartões de crédito. O desemprego real anda pelos 16,35 milhões de trabalhadores, além de 25,6 milhões que sobrevivem em part-time. (U.S. National Debt Clock: Real Time)(usdebtclock.org).

Pânico atrás de pânico em Wall Street

Há de facto no país 18,6 milhões de milionários, mas no final de 2019, mais de 50 milhões de pessoas recorriam a assistência alimentar. Entre os quais 25% de todas as crianças nos EUA. Cerca de 25% da população americana não pode comprar comida suficiente para se manter saudável.

Os sem abrigo eram em 2019, 3,5 milhões ou 7,5 milhões se considerarmos os que não têm casa própria vivendo com outros devido aos altos custos de habitação. Cidades antes apresentadas como centros de prosperidade tornaram-se autenticas lixeiras. A polícia é impotente para conter protestos e a violência desencadeia-se em áreas que parecem zonas de guerra. Numerosas comunidades assemelham-se a favelas do terceiro mundo, incrivelmente pobres e sujas, sem lei, onde proliferam drogas e gente sem abrigo. O próprio governo reconhece o estado deplorável das infraestruturas do país.

O mercado de ações continua em alta, mas também as filas para ajuda alimentar. Na realidade, nos EUA a prosperidade só tem significado para 10% da população ou ainda mais para o 1% cujo extravagante consumo como modo de vida prossegue.

4 – Produção

Os EUA deixaram de produzir riqueza real. Em 1960 a indústria representava 25% do PIB, em 2020 uns escassos 11%. A fanática crença na finança, na dívida e no seu excecionalismo conduzem os EUA a um suicídio económico. (p.45) Foram perdidos 5 milhões de postos de trabalho na indústria, em que 1 posto de trabalho na indústria origina 3 ou 4 noutros sectores. A escala deste desastre revela-se no défice da BC de 1 milhão de milhões de dólares, um terço do qual com a China. (usdebtclock.org/)

Na realidade os EUA são cada vez menos competitivos internacionalmente. Podem impor sanções à China e à Rússia, mas não impedem o desenvolvimento das suas industrias e da sua tecnologia. A perda de capacidade inovadora e competitiva dos EUA no sector automóvel, na aeronáutica (casos Boeing) atrás de indústria aeronáutica da UE ou da Rússia, na construção naval, nas máquinas ferramentas, é analisada por Martyanov.

Cena do documentário “Indústria Americana”

Relatórios apontam para que a “segurança nacional exige uma base industrial segura, resiliente e preparada” “o decréscimo na capacidade de produções chave e a redução do emprego industrial representa uma fraqueza primordial que ameaça a nação.” Os EUA são em 90% dependentes da China para a produção de telemóveis, computadores portáteis, videojogos, etc. O facto de reivindicarem ser a mais importante economia mundial apresenta-se como um mistério…

As contradições entre as suas ambições hegemónicas e a necessária base industrial são evidentes. Algo que nem nos EUA nem na UE é discutido. Os “comentadores”, os “fazedores de opinião” e académicos adotaram como ciência provada as teses da oligarquia americana. Estão tão longe das questões objetivas que afetam os seus países, como na Bizâncio cercada pelos otomanos os que se ocupavam a discutir “o sexo dos anjos”, neste caso as “reformas estruturais” para que o parasitismo neoliberal financeiro e monopolista seja mantido a todo o custo.

Em janeiro de 2020 o “valor” em dólares dos sectores de serviços nos EUA era seis vezes superior ao da indústria transformadora. O constante declínio do capitalismo industrial, pode já ter passado o ponto de não retorno, não se vendo esforços de reindustrialização que possam ser bem sucedidos. Assim é-se levado a crer num desenvolvimento industrial acelerado na Eurásia, conduzido em especial pela China e pela Rússia.

Os EUA formam tantos quadros científicos e técnicos como a Rússia (metade da população) mas um terço daqueles são estrangeiros. A diminuição da capacidade produtiva conduz também a um declínio cultural e político. O desaparecimento e a atomização do proletariado industrial corresponde à desintegração dos sectores socialmente mais avançados de um país.

Fazer coisas requer mais que tecnologia, requer mão-de-obra qualificada, requer uma visão lúcida das realidades, uma verdadeira preocupação com o bem estar das pessoas, temas que são blasfémias para as elites globalistas, há muito alojadas na bolha ilusória da financeirização, completamente desligadas das realidades.

Os evangelistas “verdes” parece também não entenderem que os telemóveis não crescem nas árvores, que o mundo opera baseado em energia, máquinas, produção real, física básica e engenharia. Necessita de gigantescos recursos de extração mineira, enormes navios metálicos, redes elétricas, milhares de engenheiros e professores. A América esqueceu como tudo isto funciona e a UE vai atrás. Uma cultura assim está destinada a colapsar, incapaz de uma atribuição correta ao valor trabalho enquanto se foca em discursos sobre igualdade de raças e géneros.

Na UE, o pensamento dominante, totalmente alinhado com os EUA, não entende que o mundo da Conferência de Berlim para desenhar fronteiras entre povos coloniais ou o da guerra do ópio para submeter povos aos seus interesses comerciais já não existe.

5 – Geopolítica

Geopolítica num sentido abrangente tem que ver com expansão económica, conquista de mercados, acompanhada frequentemente de extrema violência. Não pode deixar de se reconhecer que efetivamente os objetivos geopolíticos dos EUA têm sido acompanhados de morte e destruição, não tendo apenas uma motivação militar, mas também económica.

Trata-se de um termo inventado pelos EUA para polir todo um conjunto de instrumentos que usam na política internacional, meios regulares e irregulares, desde massivas operações militares a sabotagem económica, guerra psicológica, etc. Em resumo, geopolítica é um eufemismo para mascarar os processos usados para travar o seu óbvio declínio.

Como diz o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, quando alguém age contra a vontade do Ocidente imediatamente respondem com a alegação de que “as regras foram violadas” (sem se preocuparem em apresentar qualquer evidência) e declaram ser seu “direito responsabilizar os perpetradores”. “A Carta da ONU é um conjunto de regras, mas essas regras foram aprovadas por todos os países do mundo e não – como neste caso – por um grupo fechado de amigos numa reunião intima”.

A arrogância dos EUA atinge o nível do ridículo, protegida pelo controlo mediático, como Obama a declarar que a economia da Rússia “ficaria em farrapos” após as sanções americanas. Não apenas a Rússia desenvolveu com êxito um programa de substituição de importações, como contra-atacou sancionando o Ocidente e desenvolveu tecnologias próprias. O Financial Times escrevia: “A Rússia, adaptando-se às sanções, conseguiu uma economia robusta. Analistas dizem que Moscou tem agora mais medo do fim das sanções que o contrário”. O que, diga-se deita por terra as teses neoliberais do “mercado livre”…

Armas obsoletas

As ilusões geoestratégicas baseiam-se num poder irreal e em teorias económicas totalmente falseadas. A forma como lidam com a Rússia mostra a extrema ignorância e incompetência para com o único país que pode varrer os EUA do mapa. Estabelecem, por exemplo, comparações absurdas do PIB da Rússia com o da Itália ou da Espanha, como se estes países, mesmo a Alemanha, possuíssem as capacidades científicas e tecnológicas no sector aeroespacial, aeronáutica, informática, indústria petrolífera, armamento sofisticado, da Rússia.

Do desastre no Iraque, à guerra perdida no Afeganistão, à Líbia, à Síria, etc., tudo tem sido um desastroso registo de incompetência geopolítica nos domínios diplomático, militar e de informações.

Em 2007, Putin tornou evidente a irrelevância da geopolítica americana ao rejeitar o comportamento supranacional dos EUA: “É inadmissível que um país estenda a sua jurisdição para além das suas fronteiras.” Estas e outras declarações, como as revelações sobre o armamento russo, foram recebidas com desdém e objeto de censura para que a opinião pública não chegasse a apreender o seu significado. As pessoas são desta forma conduzidas para situações que põem os seus países à beira de confrontos militares de incalculáveis consequências na perfeita ignorância das opções tomadas. É esta a democracia da geopolítica vigente.

6 – Armamento

Os EUA perderam todas as guerras do século XXI e a superioridade em armamentos. AM salienta que o poder militar dos EUA é suportado pela hegemonia do dólar e não por qualquer mítica competitividade da sua economia. O dólar e o poder militar estão de facto numa relação simbiótica, alimentando uma hipotética superioridade que as produções de Hollywood se encarregam de difundir.

Apesar dos enormes montantes do orçamento militar o seu poder reduz-se drasticamente. Os misseis Tomahawk foram em 70% derrubados no ataque à Síria em 2018, sem que este país sequer dispusesse dos mais avançados mísseis defensivos russos. Na Arábia Saudita os sistemas defensivos dos EUA não puderam evitar os ataques a refinarias por parte de drones dos Houtis do Iémen.

Novas armas russas como o míssil Buresvestnik (Petrel) com alcance ilimitado colocam os EUA num atraso de dezenas de anos. O Kinzhal com alcance de 2 000 km, Mach 9, não é interceptável por qualquer sistema antimíssil dos EUA. Os 3M22 Zircon excedem significativamente o alcance da aviação dos porta-aviões. Os P800 ONIKS são considerados dos mísseis anti-navio mais versáteis e perigosos da atualidade. Com velocidade supersónica têm excelente resistência a contra-medidas eletrônicas e podem voar pouco acima do mar, tornando-se praticamente invisíveis ao radar. A Rússia dispõe também do míssil intercontinental (alcance 18 000 km) RS-28 Sarmat , Mach 20, e dos Avangard Mach 20, míssil planador com alcance de 6 000 km.

F-35 em liquidação

Os super porta-aviões morreram como instrumento militar viável para a guerra moderna. Seriam destruídos antes de poderem concretizar qualquer impacto sério à Rússia ou à China. Note-se que já nos anos 1980 aqueles navios poderiam não sobreviver num combate real convencional com a União Soviética.

Os modernos S-400 e os revolucionários S-500 de defesa aérea fecham o espaço aéreo russo e de seus aliados a quaisquer ataques aéreos, balísticos e armas colocadas no espaço. Os EUA não têm meios contra o caça SU-35C russo, ou o novo SU-57. O radar do SU-35C pode detectar aviões ditos invisíveis ao radar a 100 km, dispondo de uma inultrapassável capacidade de manobra. A nova tecnologia radiofotônica tornou os aviões “invisíveis” F-35 (em que os EUA gastaram cerca de 1,5 milhões de milhões de dólares) obsoletos.

Não apenas a Rússia, também a China tem capacidade contra alvos dos EUA ou NATO. O Irão, com armamento próprio, da China e da Rússia pode fechar completamente o Golfo Pérsico e o Estreito de Ormuz. Atacar o Irão seria um suicídio para os países ocidentais, mas apesar disto é um objetivo incentivado pelos corruptos promotores de guerras.


Nos EUA a produção de armamento é um negócio. A capacidade militar dos EUA tem pouco a ver com a defesa do seu território – ao contrário da Rússia e da China –, são forças armadas concebidas para policiamento colonial.

Sem dúvida que os EUA são capazes de desencadear uma guerra contra a Rússia, mas se isto acontecer significa que os EUA deixarão de existir, tal como a maior parte da civilização humana. Este horror é algo que para alguns nos EUA representa um preço pequeno a pagar para satisfizer o seu vício de poder.

7 – Elites

As elites dos EUA deixaram de ter gente verdadeiramente competente, capaz de prever mesmo ao nível mais geral as consequências das ações, militares ou outras, que promovem. São incultas, insuficientemente preparadas e hipnotizadas por décadas de propaganda. Também são arrogantes e corruptas.

Estas elites escondem-se atrás de uma retórica escolástica, incapazes de reconhecer a catastrófica situação económica, militar, política e cultural, cujas raízes estão na crise sistémica do liberalismo. Em geral estão em completa negação do facto de que a crise capitalista atingiu uma tendência muito mais profunda e perigosa, a nível económico e político, que os meros ciclos capitalistas.

Defendem uma economia baseada em teorias que resultam de abstrações do real. Uma economia gerida pela elite financeira à qual comentadores e políticos se prostram em patética admiração. Vários deles foram responsáveis por estrondosas falências e fraudes, alguns apanhados nas malhas da justiça, apesar de muito largas nestes casos.

As teorias da “vitória na guerra fria”, do “fim da História” ou do “choque de civilizações” mostram claramente as severas limitações da ciência política dos EUA. Estes trabalhos provaram ser falsos nos seus principais pontos de vista e mesmo no seu conjunto idiotas. Não deixaram por isso de ser propagandeados como súmulas da sabedoria liberal, orientar a mentalidade de milhões de pessoas e acalentar as ilusões dos belicistas dos EUA e seguidores deste lado do Atlântico.

Os intelectuais dos EUA aparecem como pouco convincentes se confrontados com os factos, mesmo risíveis, incompetentes e vulgares. A degeneração moral e intelectual da elite ocidental não é acidental ou episódica, é sistémica, do mesmo modo que a crise liberal é sistémica.

Por exemplo, no caso da Ucrânia a agitação fomentada pelos EUA e UE resultou numa guerra civil, regiões que se desligaram de Kiev, a Crimeia em referendo preferindo integrar-se na Rússia. A Ucrânia tornou-se um Estado disfuncional dominado por grupelhos neonazis, atolado na pobreza e na corrupção. “O facto das elites não reconhecerem as consequências do que faziam e o que se iria desde logo desencadear mostra o seu completo colapso intelectual.”

A objetividade deriva de bases científicas baseadas na realidade, não pode operar em narrativas opostas à evidência empírica, mas isto está dramaticamente em falta nos EUA. Aquilo que nos EUA se designa de esquerda é apenas revolta e anarquia; tal como o conservadorismo é revolta e anarquia.

A democracia americana revela-se como um espetáculo político financiado pela oligarquia que procura legitimar o seu poder enquanto evita por todos os meios quaisquer reformas ao sistema económico. Apesar de muito rica a oligarquia não percebe que os EUA já não são o superpoder global. Podem aqui e ali ameaçar e chantagear políticos, estrangeiros, enviar porta-aviões, mas ninguém no terceiro mundo está a tremer nas suas botas.

Tudo isto devia ser ponderado pelos políticos europeus, que pelo contrário seguem os EUA, cegos arrastados por outros cegos, como no quadro de Brugel, para o pântano das crises insolúveis e da insegurança coletiva.

8 – Colapso e desintegração

Atualmente os EUA são confrontados com forças de desintegração. A questão é quantos dos interesses vitais dos EUA são de facto verdadeiros interesses nacionais. Quem define esses interesses são os lóbis do complexo militar industrial, de Israel e outros. (200) O seu exército tem estado envolvido em tarefas, imprudentes, mesmo miseráveis e impossíveis de levar a cabo. É usado como instrumento de agressão e não de defesa. A questão que se coloca é se representa a nação ou é um mero instrumento das transnacionais.

Como dizia um veterano da guerra do Vietnã: “O procedimento normal nos EUA é sobrestimar o poder americano, subestimar o inimigo e não entenderem o tipo de guerra em que se metem”.

AM afirma que os EUA são cada vez mais vistos como um fanfarrão, provocador e agressor, do qual há cada vez menos receio. As habituais mentiras de espalhar a democracia não passam qualquer análise factual. As suas análises são meras câmaras de ecos, que as grandes agências mediáticas espalham pelo mundo, não deixando por isso de ser menos perigosas.

A hegemonia dos EUA baseia-se na convicção que outros países tenham da sua capacidade de punir aqueles que duvidem da sua omnipotência militar ou tenham visões alternativas sobre a economia e a finança dos seus países e do mundo, nas quais o dólar não seja a única medida do valor do trabalho humano.

Esta agenda global colapsa porque são incapazes de vencer guerras. Isto não quer dizer que não tentem e usem todos os meios: sanções, sabotagem, bombardeamentos, mesmo invasões. Milhões de pessoas poderão ser mortas, perecerem pela fome ou tornarem-se refugiados para satisfazer as elites dos EUA e a ilusão de serem a nação mais poderosa do mundo. E tudo isto vale a pena, como disse Madeleine Allbright sobre as mortes de crianças no Iraque devido às sanções.

Esta insensibilidade, ignorância e incapacidade de aprender fundamentam a política dos EUA e leva-os ao seu dramático declínio. O debate sobre política externa diz apenas respeito a conservarem a hegemonia, referida como os seus interesses e a sua segurança, sem se aperceberem de quão perigosa é esta falácia.

A estrutura da ordem liberal global colapsa ante os nossos olhos. Enquanto os EUA continuam a proclamar-se o poder hegemónico a sua economia e a de outros países ocidentais afunda-se e amplas regiões da Eurásia saem da sua influencia.

Invasão do Capitólio

Quando “comentadores” falam de Cuba como “uma das últimas ditaduras comunistas” ou apoiam o Estado fantoche e nazificado da Ucrânia contra a Rússia, vemos a que ponto a UE se afunda, dominada pela mentira e ilusões do império, incapaz de uma atitude e um pensamento racional, mesmo na defesa dos mais evidentes interesses dos seus países. O facto dos mesmos nunca por nunca questionarem as atrocidades direta ou indiretamente cometidas pelo império, em agressões militares, conspirações, sanções sobre pequenos países, mostra a degeneração moral e intelectual atingida pela elite ocidental.

Atualmente os EUA são confrontados com forças históricas e antropológicas de desintegração. AM expõe as razões pelas quais os EUA estão num processo que pode levar à sua desintegração como Estado Federal por credos políticos, raciais, religiosos, fragmentação social e desigualdades gritantes. Na base deste processo verifica-se porém que os interesses a que a sua política está sujeita, pouco têm a ver com os interesses da nação americana.

Os EUA não são nem uma democracia nem uma república, são governados por uma oligarquia, representada por dois clãs dirigentes. O perigo reside em que têm capacidade para desencadear um conflito termonuclear global na sua desesperada tentativa de preservar um imaginário estatuto de excecionalismo dos EUA. E se isto não assusta as pessoas, nada o fará.

No “colapso da URSS”, à parte fatores internos, as suas forças armadas não eram inferiores às da NATO, nem a educação inferior e a população soviética estava (pelo menos antes da perestroika) a viver melhor que em qualquer outra época da sua História, no entanto grandes massas do povo foram seduzidas pela riqueza exibida no Ocidente. (p.20) A Rússia sofreu então os horrores da sombria experiência liberal e de um revisionismo histórico que custou milhões de vidas. Paradoxalmente os EUA parecem encaminhar-se para uma experiência semelhante. E não é o seu discurso de ilusória hegemonia global que pode travar a desintegração.

A UE é arrastada neste desastre e está a desintegrar-se ainda mais rapidamente que os EUA. Em todas as ações do império nem uma única se pode dizer que beneficiou de alguma forma a Europa no seu conjunto a começar pelo que realmente importa ao seu povo.

No final, conclui AM, é espírito da nação que decide o resultado quando tudo parece perdido. Se a América vai encontrar este espírito para se preservar como um país unido e inverter a sua desintegração, é o que se espera para ver. E tudo decorrerá daqui.

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