quinta-feira, 31 de agosto de 2023

A contribuição de um saber milenar: a medicina alternativa e suas raízes ancestrais


(Foto: Marcos Santos/USP Imagens)

Na terceira semana de agosto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) se reuniu em uma pequena cidade da Índia buscando aprimorar as contribuições milenares da medicina tradicional


Por Sergio Ferrari, traduzido por Rose Lima - Ministros, cientistas, profissionais e promotores de medicina alternativa chegaram a Gandhinagar, Gujarat, para participar da primeira Cúpula Mundial de Saúde Tradicional patrocinada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para essa organização, o principal objetivo desse evento de 17 e 18 de agosto foi alcançar um consenso para que a medicina tradicional possa ser regulamentada e integrada nos sistemas de saúde "de forma segura e baseada em provas e evidências científicas".

Saber ancestral - A medicina tradicional é a primeira opção terapêutica utilizada por grandes grupos da população mundial. A OMS estima que ela seja praticada em nove de cada dez países. Alguns dos meios utilizados são ervas medicinais, acupuntura, yoga, bem como terapias indígenas muito diversas. Essas práticas há séculos são pilares da saúde em comunidades de todos os continentes e continuam sendo essenciais para milhões de pessoas, muitas das quais não têm acesso à medicina convencional, geralmente mais cara e, portanto, mais restritiva. Além disso, essa sabedoria ancenstral lançou as bases para os grandes textos clássicos da ciência médica.

Muitos dos componentes naturais utilizados pela medicina tradicional tornaram possível as indústrias farmacêuticas modernas de beleza, bem-estar e saúde. Segundo a OMS, mais de 40% dos produtos farmacêuticos hoje são feitos a partir de insumos naturais. Medicamentos de referência, como aspirina e artemisinina, têm raízes milenares.

No entanto, a contribuição da medicina tradicional para os sistemas nacionais de saúde ainda não foi totalmente integrada. Em muitos Estados, o reconhecimento e a valorização de milhões de trabalhadoras/es, instalações, despesas e produtos associados à medicina tradicional é um assunto pendente.

Para a OMS, a medicina tradicional "é a soma de todos os conhecimentos, habilidades e práticas baseadas em teorias, crenças e experiências específicas de diferentes culturas, explicáveis ou não, que são utilizadas na preservação da saúde, bem como na prevenção, no diagnóstico ou no tratamento de doenças físicas ou mentais".

Por sua vez, a "medicina complementar", ou "medicina alternativa", engloba um amplo conjunto de práticas de saúde que não fazem parte da medicina convencional e que não estão totalmente integradas em um sistema nacional de saúde. Em muitas esferas científicas, um conceito único já é utilizado: o de Medicina Tradicional e Complementar.

Centro Mundial de referência - Em março de 2022 e com o propósito de dinamizar e institucionalizar o contributo dos conhecimentos médico e curativos tradicionais, a OMS deu um passo tão concreto quanto transcendente: criar, na cidade de Jamnagar, no mesmo Estado de Gujarat, o Centro Mundial de Medicina Tradicional, repassando ao Governo da Índia um investimento inicial de 250 milhões de dólares. (https://www.who.int/es/news/item/25-03-2022-who-establishes-the-global-centre-for-traditional-medicine-in-india).

Por meio dessa iniciativa, a OMS busca aproveitar o potencial da medicina tradicional para melhorar a atenção integral à saúde globalmente, usando a ciência e as tecnologias modernas. Esse centro deve coordenar a cooperação, a informação, a biodiversidade e a inovação necessárias para maximizar a contribuição da medicina tradicional para a saúde global, a cobertura universal de saúde e o desenvolvimento sustentável. O respeito pelos direitos autóctones, bem como pelos recursos locais, é uma parte essencial do quadro de trabalho deste centro.

Uma cúpula que valoriza - A OMS está trabalhando para reunir provas e dados para informar políticas, normas e regulamentos para o uso seguro, econômico e equitativo da medicina tradicional, como observou o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em seu discurso de abertura na Cúpula da Índia. Na ocasião, ele também reconheceu que "a medicina tradicional tem contribuído enormemente para a saúde humana e tem um enorme potencial". Ele citou, por exemplo, o uso de um composto ativo em absinto doce ou a artemisinina para tratar a malária.

Segundo Ghebreyesus, um dos fundamentos mais sólidos da medicina tradicional consiste em ter entendido "as ligações íntimas entre a saúde dos seres humanos e o nosso ambiente". E defendeu que a medicina tradicional, complementar e integrativa é especialmente importante para prevenir e tratar doenças não transmissíveis e proteger a saúde mental, bem como para garantir um envelhecimento saudável.

Durante as sessões da Cúpula, Ghebreyesus lançou três desafios à comunidade internacional. Em primeiro lugar, que todos os países se comprometam a identificar a melhor forma de integrar a medicina tradicional e complementar nos seus sistemas nacionais de saúde. Além disso, que apresentem recomendações concretas, baseadas em argumentos e evidências sólidas, que possam servir de base para a elaboração da próxima estratégia global para a medicina tradicional. E, em terceiro lugar, que considerem esse evento como um ponto de partida "para promover um movimento global que libere o potencial da medicina tradicional através da ciência e da inovação" (https://www.who.int/es/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-who-traditional-medicine-global-summit---17-august-2023).

A América Latina e o Caribe estiveram presentes na Cúpula da Índia. Entre outras delegações, a da Biblioteca Virtual em Saúde (Medicinas Tradicionais Integrativas e Complementares) e a Rede MTCI Américas (https://mtci.bvsalud.org/), estreitamente ligadas à Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Visão estratégica e debate aberto - Esse setor da atividade em saúde não é um campo novo para a OMS. Já em 2014, os Estados Membros aprovaram a primeira estratégia global em matéria de medicina tradicional por um período de dez anos. A Assembleia Mundial da Saúde, realizada em Genebra, na Suíça, em maio de 2023, prorrogou essa estratégia por mais dois anos e decidiu que uma nova deve ser elaborada para a década 2025-2034. (https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/95008/9789243506098_spa.pdf).

A estratégia atual define produtos, práticas e profissões da medicina tradicional. Os produtos incluem plantas, preparações à base de ervas e outros que contenham princípios ativos vegetais.

Em alguns países, os fitoterápicos tradicionalmente contêm outros princípios ativos naturais, orgânicos ou inorgânicos, como de origem animal ou mineral.

As práticas englobam terapias farmacológicas com ervas medicinais, naturopatia e acupuntura, além de terapias manuais como a quiropraxia e a osteopatia. Também técnicas como Qi Gong, Tai Chi, yoga, Spa médico e outros tratamentos físicos, mentais e espirituais.

No que diz respeito às/aos especialistas que podem exercer a medicina tradicional, são profissionais de medicina tradicional e complementar, bem como profissionais de saúde convencional (médicas/os, dentistas, enfermeiras/os, parteiras/os, farmacêuticas/os e fisioterapeutas) que prestam serviços alternativos aos seus pacientes.

Para a OMS, o principal desafio é promover a cobertura universal de saúde por meio da integração dos serviços de Medicina Complementar Tradicional na prestação de serviços de saúde, na prevenção e no autocuidado. Não há mais dúvidas: a Medicina Tradicional e Complementar é segura e eficaz e sua inclusão nos planos de cobertura universal de saúde poderia estendê-los muito além de suas limitações atuais e reduzir significativamente seus custos. Ambos os argumentos devem encorajar os Estados a integrar essa opção nas suas próprias políticas de saúde. Atualmente, apenas 124 Estados têm leis ou regulamentos a esse respeito.

Embora a medicina alternativa e complementar tenha emergido mais forte da Cúpula da Índia, continuará a estar no centro de um debate ainda não concluído. Seus opositores, muitas vezes ligados aos grandes interesses do setor da saúde, alegam a falta de argumentos científicos de algumas das terapias alternativas. Enquanto isso, seus defensores reivindicam as contribuições do saber ancestral e questionam a tendência predominante no Ocidente de considerar a saúde como um negócio e não como um serviço público essencial.

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