segunda-feira, 25 de março de 2024

Marielle: o fio do novelo


Feitas as prisões, falta muito a esclarecer sobre a motivação do crime e os envolvidos. Qual a possível relação entre os mandantes e o clã Bolsonaro? Será possível começar a mapear a presença das milícias na política do Rio e do Brasil?

Os últimos lances na investigação que já dura 6 anos, desde o assassinato de Marielle e Anderson, foram celebrados como a aproximação do seu fim, com o esclarecimento dos mandantes e da motivação do crime bárbaro, a partir da convocação de um coletiva pelo Ministro Lewandowski para anunciar que a delação premiada do assassino confesso Ronnie Lessa havia sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal. Para a família, as esperanças foram renovadas como expressou a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco; para a viúva, vereadora Mônica Benício, a coletiva convocada pelo Ministro causou frustração e dor, enquanto o Governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, reagiu dizendo que até agora tudo que se sabe são fofocas. Aliás, sua postura tem variado ao longo do tempo entre a necessidade de manter uma aparente neutralidade, como em 2021 quando declarou que cobrava uma solução mas não garantia um desfecho da investigação, até a postura atual, cujo cinismo ao afirmar que tudo não passa de fofoca, o retira, definitivamente da sua busca de neutralidade, Em ambos os casos, apresenta posturas não condizentes com a autoridade máxima do Estado onde o crime foi executado e investigado, até recentemente, pela polícia civil do seu governo.

Neste 6 anos de investigação, foram detidos o ex-policial e traficante de armas Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Queiroz, réus confessos de terem participado diretamente do assassinato, e o bombeiro Maxwell Simões também envolvido, todos vinculados ao Escritório do Crime e à milícia, e, mais recentemente, o dono do ferro-velho que desmanchou o carro usado no crime. Nenhum deles, até o momento foi julgado e condenado. O processo de investigação na polícia civil, no entanto, é digno de uma investigação sobre o percurso rocambolesco, com a participação e posterior afastamento de uma promotora bolsonarista, a substituição por quatro vezes do delegado responsável pela investigação, a tentativa de delação premiada envolvendo homicídios e ligação com políticos da viúva do chefe do Escritório do Crime, o ex-PM Adriano Nóbrega, executado na Bahia – agraciado com a medalha Tiradentes por Flavio Bolsonaro e considerado um herói por Jair Bolsonaro – o pedido de afastamento da promotoras Simoni Sibilio e Leticia Emile do MPRJ, sob alegação de riscos e interferências externas no processo, a partir do vazamento de informações sigilosas pelo Delegado Mauricio Demétrio – posteriormente preso e condenado a 9 anos, acusado de comandar uma quadrilha – vazamento autorizado pelo secretário da Polícia Civil Alan Turnowski, posteriormente preso por ligação com o jogo do bicho.

Em outubro de 2023 o inquérito foi enviado ao Superior Tribunal de Justiça e, posteriormente, para o STF, após surgirem suspeitas do envolvimento no crime de um membro do clã Brazão, com imunidade. O nome de Domingos Brazão, ex-deputado estadual por cinco mandatos consecutivos e atual conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, foi mencionado como mandante do crime. Trata-se do líder de um poderoso grupo político da zona oeste do Rio, berço das milícias, que tem uma vasta folha corrida, com acusações de assassinato, improbidade administrativa, fraude, envolvimento na máfia dos combustíveis, com as milicias e na compra de votos.

Após a homologação da delação premiada de Ronnie Lessa, seus advogados de defesa abandonaram o caso, em clara manifestação de contrariedade com o rumo que as investigações tomaram. Também chama atenção o acesso da imprensa a informações confidenciais da delação, divulgadas pelo jornal O Globo, nas quais além da informação sobre os mandantes do crime, envolvendo também Chiquinho Brasão, deputado federal, Ronnie Lessa teria afirmado que a motivação do crime se deveu ao fato de a vereadora ter entrado em rota de colisão com os interesses da milícia em relação à expansão de terrenos sob seu domínio na zona oeste. O investigado afirma ter tido pelo menos quatro encontros com os mandantes depois do crime, preocupado com a enorme repercussão do assassinato de Marielle, ao que teria sido tranquilizado por eles pois “a investigação não ia dar em nada”.

Mapa dos grupos armados do Rio de Janeiro

Em azul, as comunidades do Rio de Janeiro comandadas pelas milícias, hoje majoritárias. Em vermelho, as que estão sob o controle da facção Comando Vermelho. Em verde, as administradas pela facção Terceiro Comando Puro. Em amarelo, as regidas pela facção Amigos dos Amigos.

O que chama atenção é a certeza de impunidade dos mandantes, que parecem seguros que não ia dar em nada a investigação da morte de uma mulher preta favelada, mesmo sendo a quinta vereadora mais votada e tendo se tornado a expressão de uma nova forma de fazer política – a mandata, que deixou muitas sementes -, chegando junto das populações de favelas, das mulheres negras, dos movimentos LGBTQIA+, dentre outros, encantando com sua coragem jovens de toda a cidade, que viam na sua atuação uma esperança de mudança política. Mais além da sua atuação junto ao deputado Marcelo Freixo na CPI das Milícias ou dos interesses das milícias em sua expansão territorial, o assassinato de Marielle ceifou sua potência política e a esperança de que seria possível uma nova política no Rio de Janeiro. Sua morte, no entanto, tornou-a um símbolo internacional das lutas identitárias e urbanas.

Os avanços na investigação, com a denúncia dos nomes dos mandantes e da motivação do crime, sinalizam para alguns, para em breve, o possível término da investigação, enquanto, para muitos, ainda restam inúmeras questões a serem esclarecidas, sendo o assassinado a ponta do fio do novelo que deveria desvendar, entre outras, as seguintes perguntas:

– O que aconteceu com o porteiro do condomínio onde Bolsonaro e Ronnie Lessa eram vizinhos, depois que ele declarou que o presidente autorizou a entrada de Élcio Queiroz no dia do crime?

– Existe relação da morte de Adriano Nóbrega, considerada queima de arquivos, com o assassinato de Marielle e Anderson, já que Adriano e Ronnie Lessa atuaram juntos em vários crimes, segundo depoimento de Orlando Curicica sobre o Escritório do Crime?

– Quais as relações do Escritório do Crime e das milícias com a polícias, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário?

– Será que o assassinato de Marielle e Anderson poderá ser o fio do novelo que poderia desvendar, como fez o mapa do domínio das milicias e tráfico nos território do Rio de Janeiro, um novo mapa deste domínio na política?

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* Texto produzido para o site Fonte Segura, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)

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