segunda-feira, 29 de abril de 2024

As esquerdas e a correlação de forças


Se não falar a lingua do povo, vai perder mesmo (Foto: Ricardo Stuckert)

"Conduzir a luta política pelo defensivismo e pela passividade, além de exercitar a pedagogia da desmobilização, representa cavar derrotas"

Aldo Fornazieri
brasil247.com/

Analise de correlação de forças significa estabelecer as semelhanças e diferenças entre dois ou mais entes, determinando as equivalências ou as equipotências entre eles. Gramsci distinguia três diferentes níveis de correlação de forças: 1) na estrutura do grau de desenvolvimento das forças econômicas e materiais; 2) na correlação de forças políticas e, 3) na correlação de força militar.

No primeiro e no terceiro níveis seria mais fácil determinar as semelhanças, diferenças e equivalências entre as forças analisadas, pois nesses níveis estão presentes fatores objetivos que se prestam mais a medições e quantificações. No caso das relações de força políticas existem fatores de natureza subjetiva como homogeneidade, graus de consciência, adesão, ânimo, solidariedade de interesses etc. Em se tratando de lutas políticas nacionais ou internacionais os três níveis estabelecem relações de interdependência. Os marxistas costumam analisar as correlações de força numa perspectiva de classe.

Analisar a correlação de força na política brasileira é uma tarefa complexa já que os corpos políticos não são homogêneos, e formam campos com a interpenetrações e dissoluções de partidos e grupos que variam segundo as circunstâncias. Por exemplo: num plano, é possível estabelecer a correlação de forças entre o bolsonarismo e as esquerdas. Em outro, entre governo e oposição; num terceiro, entre governo e centrão.

Observe-se que no centrão existem forças que são pró governo e outras são aliadas do bolsonarismo. Grupos do centrão ora comportam-se como governistas e ora como oposicionistas. A correlação de forças entre as esquerdas e o centrão é diferente da correlação de forças entre o governo e o centrão. A correlação de forças pode, ainda, ser medida em termos das forças parlamentares ou em termos das forças sociais, dos graus de hegemonia e assim por diante.

O número de deputados do centrão varia segundo o critério usado para definir sua composição. Do ponto de vista da correlação de força entre as esquerdas e o centrão no plano do Congresso, há um desequilíbrio em favor dele. Se for usada a clivagem entre esquerdas e direitas, de um ponto de vista mais geral, também há um desequilíbrio em favor das direitas.

A análise das correlações de força serve para dimensionar ações políticas, estratégias e táticas a serem adotadas por sujeitos politicamente ativos. As correlações de força, no entanto, não podem ser concebidas como um fator determinístico absoluto nas definições das estratégias e das formas de luta. Elas sempre devem estar referidas às circunstâncias onde os sujeitos agem e às suas necessidades e expectativas. As correlações de força favoráveis ou desfavoráveis a um sujeito ativo também não determinam, a priori, suas derrotas ou suas vitórias.

No caso das esquerdas brasileiras, o conceito de correlação de forças tornou-se um escudo ou uma máscara para adotar uma posição defensiva e escapista. Várias lutas, enfretamentos e mobilizações são evitados com o argumento de que a correlação de força não é favorável.

Esse escapismo das esquerdas às têm conduzido à passividade. A política é avessa à passividade, à conduta espontânea e ao conformismo. Política é direção e sentido, é virtù do comando e da liderança. A passividade e o conformismo impedem que se amplie as conquistas, levam a perder o que se conquistou e produzem derrotas. O conformismo impede que alguém se arrisque na luta, impede a coragem e a ousadia. Leva à fuga da luta e ao ressentimento de que a culpa pelo fracasso é dos outros. O resultado é a derrota da vontade e o triunfo do fatalismo e do cinismo e a aceitação da ordem capitalista tal como ela existe.

A ideia de que numa correlação de forças desfavorável não se deve lutar, enfrentar, mobilizar porque isto levaria a derrotas é desmentida por fartos exemplos na história. Os historiadores estimam que Alexandre, o Grande, dispunha de 50 mil soldados na batalha de Gaugamela, na qual derrotou o exército persa de Dario III, que dispunha de 100 mil homens. Na guerra civil romana, Júlio César derrotou Pompeu com um exército muito menor e com soldados de meia idade. Os afegãos derrotaram os poderosos exércitos da União Soviética e agora, dos EUA. Os camponeses do Vietnã derrotaram o mais poderoso exército da terra. A correlação de forças entre Israel e palestinos é desproporcional e mesmo assim, os palestinos lutam há décadas.

Lula, como presidente, pela sua liderança política e social, pelo seu poder simbólico, se constitui num ator singular na capacidade de constituição de correlação de força. Essa capacidade singular, contudo, não produz resultados automáticos. Ela depende das escolhas, das falas, das ações de Lula e do governo. O que se observa nos últimos tempos é que as ações de Lula e do governo contribuem para que ambos enfraqueçam a sua força política, particularmente perante o Congresso.

Na medida em que a força das esquerdas não tende a mudar no Congresso nessa legislatura, o presidente Lula e o governo são os atores que podem reequilibrar a correlação de força com o Congresso em geral e com o centrão em particular. Esse reequilíbrio requer um conjunto de ações, de medidas e de retóricas orientadas para um único objetivo: melhorar a popularidade do presidente e a avalição positiva do governo. Desde os tempos antigos se sabe que mesmo uma oposição se retrai nos ataques quando o líder da nação é muito popular. Temem a reação do povo. No nosso caso, passariam a temer a perda de votos.

Lula e o governo precisam reorientar suas as ações, condutas e os discursos. A articulação política e a comunicação funcionam mal, a base popular da militância não está suficientemente engajada para dar sustentação social ao governo, as disputas nas redes com o bolsonarismo continuam precárias, nem o governo e nem as esquerdas promovem disputas das subjetividades das pessoas a partir de ideologias e valores.

O mais grave é que não existe um estado maior dirigente nem no governo e nem nos partidos de esquerda. Não há como virar o jogo sem uma direção competente, que seja capaz de conferir sentido e rumo à sociedade e ao país. Falta um projeto de sentido universalizante capaz de superar a fragmentação de pautas e lutas. Um projeto que seja capaz de produzir uma síntese dos projetos particulares, dirigidos a grupos particulares.

Os discursos dos dirigentes partidários e de suas resoluções são defensivos: “resistir a isso e a aquilo”. Conduzir a luta política pelo defensivismo e pela passividade, além de exercitar a pedagogia da desmobilização, representa cavar derrotas.

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