sábado, 22 de junho de 2024

A ELITE DO ATRASO - da escravidão à lava jato ( gota 04 - "g" )


A elite do dinheiro e seus motivos


O fundamental para compreender os reais interesses envolvidos no golpe de 2016 no Brasil é perceber a nova relação com a política e a sociedade que a nova dominância do capital financeiro sobre as outras frações do capital implica no mundo inteiro. Entre os anos de 1945 e 1975, o mundo desenvolvido viveu suas três décadas de ouro, no sentido de menor concentração de renda, maior igualdade em todas as esferas da vida e um aumento significativo da escolaridade e do bem-estar geral. O Brasil também era candidato à mesma bonança, mas o golpe de 1964, apoiado pela mesma elite e pela mesma imprensa de hoje, abortou o processo.

Essa época de bonança tem a ver com o pacto socioeconômico que marcou o pós-guerra. Países destruídos ou semidestruídos pela guerra sob o imperativo de reconstruir suas economias necessitavam da força de trabalho de seus países e até do estrangeiro. O capital precisava dos trabalhadores como nunca antes e tiveram que entrar em compromisso. Dessa vez, também não podiam apelar para as divisões dos trabalhadores que haviam possibilitado seu domínio irrestrito até então, como as divisões entre trabalhadores brancos e negros nos EUA mostra tão bem. Divisão em muitos casos açodada e alimentada pelo capital.

Por outro lado, a “ameaça” comunista tinha agora, depois da libertação de grande parte do continente europeu pelas forças soviéticas, um componente real e palpável. O novo pacto social do pós-guerra envolvia, portanto, pela primeira vez em grande escala, redistribuição de renda e acesso ao consumo e bem-estar para as grandes massas da população.

O chamado pacto social-democrata envolvia uma inédita participação política dos sindicatos e dos partidos da classe trabalhadora, que muito frequentemente decidiam o resultado das eleições. Os estados nacionais desfrutavam do máximo poder que jamais tiveram e regulavam grande parte da atividade econômica. Pela primeira vez na história, a capacidade produtiva do capitalismo tinha sido posta a serviço da sociedade como um todo e não apenas para o proveito de meia dúzia de capitalistas.

Eu próprio tive, enquanto jovem estudante em meados da década de 1980 fazendo meu doutorado na Alemanha, uma experiência pessoal nesse tipo de regime social. Apesar de uma bolsa de estudos pequena – equivalente ao que os próprios pais alemães davam a seus filhos para poderem estudar em outra cidade – e de pagar o seguro de saúde mais barato, a qualidade de vida era excelente. Literalmente não se viam pobres nas ruas. Mesmo os filhos de famílias problemáticas, que moravam nas estações de trem das grandes cidades com seus cachorros, recebiam dinheiro do governo para não passarem fome.

Eu podia escolher qualquer médico independente do prestígio com meu módico plano de saúde. O médico do presidente da Mercedes-Benz poderia ter sido meu médico também, se eu assim o desejasse, por determinação legal. Lembro-me do orgulho dos alemães de não terem uma saúde diferenciada para cada classe social. Na minha primeira ida ao oftalmologista, ganhei uns óculos e uma lente de contato sem custo adicional. Qualquer remédio, por mais caro que fosse, custava ao consumidor o equivalente a 1 euro – ou R$ 3,50 – na moeda de hoje. O restante era subsidiado. Saúde e educação de primeira qualidade para literalmente todas as pessoas.

E isso tudo sem comprometer a eficiência e o dinamismo da economia como um todo. O mantra de nossos economistas conservadores desde sempre, de que é necessário achatar o salário dos trabalhadores para se ter crescimento econômico, mostrava sua falácia. A Alemanha que conheci como jovem refletia riqueza por todo lado. O país possuía, como ainda hoje possui, de quatro a cinco grandes corporações de alta tecnologia em todos os ramos industriais de importância. Quase sempre com capital dividido entre o Estado e o capital privado. Para mim, aquilo tudo era como a realização concreta do “paraíso comunista” de Karl Marx: a cada um segundo a sua necessidade. Aprendi que o capitalismo regulado e não o socialismo estatizado era a forma mais perfeita de organização social.

Mas esse arranjo passou a ser criticado obstinadamente a partir dos anos 1970 e 1980. A taxa de lucro dos capitalistas era ligeiramente decrescente devido à ação dos sindicatos e dos partidos dos trabalhadores e à pressão política por redistribuição. Nada mais razoável do que retribuir à sociedade uma parte do que se apropria do trabalho coletivo pelo capital. Os capitalistas não deixavam de ter um padrão de vida excelente e não sabiam o que fazer com tanto dinheiro. Mas queriam mais. Sempre muito mais. A velha acumulação infinita do narcisismo infantil que luta por uma conta com mais zeros do que os outros. Um dinheiro que não se consegue sequer gastar e não tem mais nenhuma relação com necessidades reais. Uma versão adulta da brincadeira infantil de medir o pênis para ver quem tinha o mais comprido.

Em pouco tempo, a luta por uma taxa de lucro maior vai se tornar a obsessão dos capitalistas em todo o mundo. A queda do muro de Berlim retira de cena a concorrência socialista, o que facilita a imposição de novos discursos. A estratégia bem-sucedida equivaleu a uma revolução reacionária de impacto mundial: reverter todos os ganhos da classe trabalhadora nos últimos duzentos anos, seja no mercado e na vida econômica, seja no Estado e na vida política e social.

No âmbito do mercado e da vida econômica, o inimigo principal a ser abatido são os sindicatos. Na Alemanha, se dá violento ataque ao salário acertado em negociações com grandes sindicatos a partir da produtividade de cada setor. Nos EUA, o ataque é ainda maior. Os salários estacionam, nas décadas seguintes, ao mesmo nível de 1975, ainda que a produtividade tenha mais do que dobrado no mesmo período.82 Os grandes aliados da guerra contra os sindicatos foram o desemprego tornado estrutural possibilitando a “flexibilização” do regime trabalho, por um lado, e a massiva entrada do trabalho feminino, que foi percebido como “libertação” por muitas líderes feministas.83

Com os sindicatos na defensiva, o desafio da reorganização do capitalismo, a partir dos anos de 1980, passa a ter, na dimensão econômica, dois pilares interligados: transformar o processo de acumulação de capital, de modo a voltar a garantir taxas de lucro crescentes; e justificar esse processo de mudança segundo a semântica do “expressivismo” e da liberdade individual, que havia fincado fundamentos sólidos no imaginário social a partir dos movimentos contraculturais dos anos de 1960 emtodo o mundo. Como havia chamado atenção Boutanski e Chiapello, o capitalismo só sobrevive se “engolir” seu inimigo – no caso a contracultura expressivista – e transformá-lo nos seus próprios termos, ou seja, nos termos da acumulação infinita de capital.

Toda a semântica da luta expressivista dirigida contra um capitalismo fordista do trabalho repetitivo e alienador para os trabalhadores será utilizada segundo os interesses do capitalismo financeiro e seu novo discurso, que associa trabalho superexplorado a empreendedorismo, liberdade e criatividade. Essa “antropofagia” é sempre um desafio – ou seja, é um risco e pode falhar – e requer enorme coordenação de interesses em todas as esferas sociais para vencer resistências e criar um imaginário social favorável, ou, em outros termos, uma violência simbólica bem construída e aceita por todos como autoevidente. Tão autoevidente quanto a construção da falácia do patrimonialismo e do populismo entre nós.

O maior desafio da reestruturação do capitalismo financeiro e flexível foi, como não podia deixar de ser, uma completa redefinição das relações entre o capital e o trabalho. Desde o seu início, a história da industrialização no Ocidente havia sido a epopeia de uma luta de classes cotidiana em todas as fábricas, um combate latente – e muitas vezes declarado e manifesto – entre a dominação do capital por meio de seus mecanismos de controle e disciplina, por um lado, e a rebelião dos trabalhadores contra sua opressão, por outro.

Mesmo em pleno período de “compromisso de classes fordista”, fazia parte da tradição de luta dos trabalhadores se perceber como um soldado de uma “guerra de guerrilha” contra toda tentativa de controle e disciplina do trabalho julgada excessiva. A uma rotina de trabalho baseada na medição milimétrica de tempos de movimentos se contrapunha toda a criatividade dos trabalhadores em construir nichos secretos de autonomia. Durante os duzentos anos de hegemonia do capitalismo industrial no Ocidente – muito especialmente durante o “compromisso de classes fordista” –, a dominação do trabalho pelo capital significou sempre custos crescentes de controle e vigilância do trabalho. Nesse sentido, não é de modo algum surpreendente que a nova forma fabril que estava destinada a substituir o fordismo viesse, sintomaticamente, de um país não ocidental, sem qualquer tradição importante de luta de classes e de movimento organizado dos trabalhadores no sentido ocidental do termo,84 o Japão.

A grande vantagem do toyotismo japonês em relação ao fordismo ocidental era, precisamente, a possibilidade de obter ganhos incomparáveis de produtividade graças ao “patriotismo de fábrica”, que subordinava os trabalhadores aos objetivos da empresa. A chamada lean production (produção flexível) fundamentava-se precisamente na não necessidade de pessoal hierárquico para o controle e disciplina do trabalho, permitindo cortes substanciais dos custos de produção e possibilitando contar apenas com os trabalhadores diretamente produtivos. A secular luta de classes dentro da fábrica, que exigia gastos crescentes com controle, vigilância e repressão do trabalho, aumentando os custos de produção e diminuindo a produtividade, deveria ser substituída pela completa mobilização dos trabalhadores em favor do engrandecimento e maior lucro possível da empresa.

O que está em jogo no capitalismo flexível é transformar a rebeldia secular da força de trabalho em completa obediência ou, mais ainda, em ativa mobilização total do exército de soldados do capital. O toyotismo pós-fordista permitia não apenas cortar gastos com controle e vigilância, mas, mais importante ainda, ganhar corações e mentes dos próprios trabalhadores. A adaptação ocidental do toyotismo implicou cortar gastos com controle e vigilância em favor de uma auto-organização “comunicativa” dos trabalhadores por meio de redes de fluxo interconectados e descentralizados. A nova semântica “expressiva” – o velho inimigo de 1968 agora “engolido” e redefinido “antropofagicamente” – serve para que os trabalhadores percebam a capitulação completa em relação aos interesses do capital como uma reapropriação do trabalho, sonho máximo do movimento operário ocidental nos últimos duzentos anos, pelos próprios trabalhadores.

Na verdade, as demandas impostas ao novo trabalhador ocidental – quais sejam: expressar a si próprio e se comunicar – escondem o fato de que essa comunicação e expressão são completamente predeterminadas no conteúdo e na forma. Transformado em simples elo entre circuitos já constituídos de codificação e de descodificação, cujo sentido total lhe escapa, o trabalhador “flexível” aceita a colonização de todas as suas capacidades criativas em nome de uma “comunicação” que se realiza em todas as suas vicissitudes exteriores, excetuando-se sua característica principal de autonomia e espontaneidade.85

Como nota André Gorz, a verdade é que a caricatura do trabalho expressivo do capitalismo flexível só é possível porque não existe autonomia no mundo do trabalho se não existir também autonomia cultural, moral e política no ambiente social maior. Vimos anteriormente neste livro a ênfase de Habermas no vínculo entre as esferas privada e pública, uma retroalimentando a outra, para que qualquer processo de aprendizado durável seja possível. É preciso solapar as bases da ação militante, do debate livre e da cultura da dissidência para realizar sem peias a ditadura do capital sobre o trabalho vivo. As novas empresas da lean production no Ocidente preferem contratar mão de obra jovem, sem passado sindical, com cláusulas explícitas de quebra de contrato em caso de greve: em suma, o novo trabalhador deve ser desenraizado, sem identidade de classe e sem vínculos de pertencimento à sociedade maior. É esse trabalhador que vai poder ver na empresa o lugar de produção de identidade, de autoestima e de pertencimento.

O novo espírito do capitalismo que se consolidou a partir dos anos de 1990 revelou-se uma caricatura perfeita do sonho iluminista e expressivista. Os novos gerentes, engenheiros e executivos se apropriaram nos seus próprios termos – ou seja, como sempre, os termos da acumulação infinita do capital – de palavras de ordem como criatividade, espontaneidade, liberdade, independência, inovação, ousadia, busca do novo etc. O que antes era utilizado como crítica do capitalismo tornou-se afirmação do mesmo, possibilitando a colonização da nova semântica a serviço da acumulação do capital. Temos aqui um perfeito exemplo da tese de Boltanski e Chiapello acerca das virtualidades antropofágicas do capitalismo em relação a seus inimigos.86

No âmbito do Estado e da política, o ataque também é frontal e redefine a forma como a política vai ser percebida e exercida a partir de então. Estava na base do contrato social do Estado de bem-estar a ideia distributivista de que uma estrutura de impostos na qual quem ganha mais também paga mais, seria a base financeira que possibilitaria uma sociedade afluente e igualitária. No âmbito do capitalismo fordista, onde a fração mais importante do capital é a burguesia industrial, esse esquema era viável.

Com a dominância crescente do capitalismo financeiro, todo o esquema do Estado fiscal cai por terra. Os novos capitalistas financeiros passam a ter um poder de chantagear a política e o Estado comparativamente muito maior. Em um átimo, um fundo de investimento pode retirar investimentos bilionários em um país e aplicá-los em outro. Transferir uma planta industrial é bem mais complicado. O poder de barganha aumenta a tal ponto que os ricos podem se dar ao luxo de quebrar o pacto democrático de que quem ganha mais tem também de pagar mais impostos. Crescentemente, os ricos passam a pagar muito pouco ou deixam simplesmente de pagar impostos por mecanismos legais e ilegais de evasão de renda, agora facilitados pelos paraísos fiscais, especialmente criados para “lavar dinheiro” do capitalismo financeiro e satisfazer a nova máxima dos capitalistas vitoriosos: sonegadores fiscais de todo o mundo: uni-vos!

Com o Estado impossibilitado de forçar o pagamento de tributo dos mais ricos, em um contexto de extraordinária concentração de renda nas mãos de poucos, passa a existir a necessidade de “pedir emprestado” aquilo que não se pode mais exigir. A passagem do Estado fiscal para o Estado devedor é marcada por esse fato basilar. O Estado precisa se financiar com o resultado do trabalho coletivo. Esse resultado, a riqueza social, por sua vez, passa a estar concentrada no 1% mais rico que não paga mais imposto, seja porque compra os políticos para não passar leis nesse sentido – caso da CPMF no Brasil, por exemplo –, seja pela evasão fiscal ilegal. No caso brasileiro, estima-se a evasão fiscal em US$ 520 bilhões. “Corrupção real”, esta muito maior que toda a corrupção apenas da “política”, que não é vista como tal pela população midiaticamente manipulada. Não nos esqueçamos de que a farsa da Lava Jato se rejubila de ter recuperado a merreca de R$ 1 bilhão!87

Como os ricos que ficam cada vez mais ricos deixam de pagar imposto por métodos “legais” e ilegais, o Estado tem agora que pedir emprestado o que lhe era devido por direito. Como quem tem dinheiro são os plutocratas, os bancos e os fundos de investimento do capital financeiro, o Estado tem que pedir emprestado a eles o que eles não pagam mais em imposto. O Estado, em nome de toda a sociedade, tem que pedir aos ricos o que eles pagavam em impostos devidos, agora sob a forma de empréstimo, e pagar, ainda por cima, juros que, no caso brasileiro, são estratosféricos.

A taxa de juros reais no Brasil é a maior do mundo para remunerar precisamente o 1% mais rico que, no nosso caso, deixa literalmente de pagar imposto. O orçamento estatal, agora pago pela classe média e pelos pobres em sua maior parte, deixa de ser usado em serviços essenciais para pagar de volta aos ricos o que eles deveriam ter pagado como todos os outros cidadãos. Os ricos não só não pagam o que deveriam, como ficam ainda mais ricos porque cobram uma sobretaxa, que é a maior do mundo no caso brasileiro, pelo dinheiro que emprestam e que deveriam ter pagado como imposto.

A situação seria cômica se não fosse tão trágica. Os muito ricos passam a ser credores de toda a sociedade, e passam a exigir dela todo tipo de sacrifício, por meio de uma dívida pública criada precisamente pelo fato de que quem deveria pagar mais impostos simplesmente deixa de pagá-los. Isso sem contar o fato de que ninguém no Brasil sabe de onde efetivamente essa dívida pública provém. Jamais foi realizada uma auditoria na dívida pública. Como todo especialista que estuda o assunto sabe muito bem, o segredo da dívida pública só serve para encobrir todo tipo de falcatrua.88 A mais comum tem a ver com a socialização das dívidas de plutocratas e poderosos que ficam com o lucro e a população, com o prejuízo.

É desse modo, pelo mecanismo absurdo de uma dívida assumida pela sociedade como um todo a uma classe de sonegadores, que se explica a captura do Estado e da política pelo capital financeiro. Toda crise fiscal, inclusive a brasileira, é, portanto, uma crise de receita e não de despesa como a imprensa venal e comprada – devedora dos bancos que são também os seus principais anunciantes – alardeia. A luta inglória pelos ridículos 0,38% da CPMF mostra como a classe rentista naturalizou esse novo status quo. O pato da FIESP no “golpeachment” de 2016 é um escárnio, posto que não é essa elite que paga o orçamento. Quem paga o pato são os pobres, responsáveis por 53% do orçamento brasileiro.

O capitalismo financeiro passa a ser a fração dominante entre as frações do capital, posto que, agora, todas as frações dos proprietários, como do agronegócio, do comércio e da indústria, passam a ter sua fonte de ganho principal nos investimentos especulativos do capital financeiro. A dívida pública funciona como um gigantesco bombeamento de recursos da sociedade inteira para o bolso da classe dos sonegadores. Esse 1% que tudo detém não é apenas dono das empresas, do agronegócio, dos apartamentos das cidades, dos bancos e dos fundos de investimento. Ele agora é o dono do orçamento do Estado.

A PEC 55, que congela todas as despesas por vinte anos para garantir o pagamento da dívida pública à classe dos sonegadores, com dinheiro pago pelos pobres, é o melhor exemplo de que o golpe de 2016 foi feito por essa classe para atender seus interesses mais venais e indefensáveis. Usar a corrupção do Estado como pretexto é outro escárnio. Quer corrupção maior do que esse esquema? Qual a diferença dele em relação a qualquer esquema criminoso? “Legal”, ou seja, produzido segundo as formalidades legais do processo legislativo comandado por um parlamento comprado por essa classe para fazer o que faz?

É aqui que entra a grande imprensa como “partido” do capital financeiro. Para desviar a atenção da população para o gigantesco processo de expropriação da qual ela é vítima e criar bodes expiatórios. Como é possível todos os dias tamanha distorção sistemática da realidade? Ora, a espoliação da sociedade inteira pode ser facilmente deslocada para a corrupção dos tolos, a propina dos políticos desonestos. O tema do patrimonialismo, ou seja, da elite supostamente dentro do Estado como grande problema nacional, e não a elite do dinheiro fora do Estado e que o usa para seus fins, serve exatamente para isso.

O grande esquema de corrupção sistêmica que o capitalismo financeiro impõe, que implica superexplorar e enganar as classes sociais abaixo dela, capturar o Estado e a política para seus fins, e instaurar uma imprensa e uma esfera pública que implicam distorção sistemática da realidade, é naturalizado e percebido como dado imutável. Uma realidade em relação a qual só se pode obedecer. Se corrupção é, antes de tudo, enganar o outro, pergunto ao leitor: qual é a corrupção verdadeira e qual é a corrupção para os tolos?

Mas tamanha manipulação e logro da população não poderia existir se a própria classe média, o público privilegiado da imprensa desde seus primórdios, já não tivesse, ela própria, propensão e disposição para ser manipulada e enganada precisamente desse modo e não de nenhum outro. A imprensa manipulativa não cria o mundo. Ela não é tão poderosa. Ela manipula preconceitos já existentes de modo a retirar deles a maior vantagem possível, tanto material quanto simbólica, para a elite do dinheiro que a sustenta com anúncios e falcatruas diversas.





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