Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky 09/06/2024 (Foto: REUTERS/Kevin Mohatt)
"O governo de Zelensky, como notório, é bastante influenciado por grupos nacionalistas com tintes nazistas", escreve Marcelo Zero
Marcelo Zero
Como todos sabem, Zelensky era um comediante de êxito, que fazia muito sucesso criticando a corrupta classe política da Ucrânia e seus oligarcas.
A partir de 2015, seu grupo de comediantes, o Kvartal 95, iniciou uma série televisiva intitulada “O Servo do Povo”, na qual Zelensky interpretava um simples professor do ensino médio, que ascende ao poder após uma fala sua contra a corrupção, filmada em sala de aula, se tornar “viral” na internet. A série, obviamente inspirada em alguns filmes norte-americanos, foi um sucesso.
Poucos anos depois, a vida imitou a arte e Zelensky se elegeu com o mesmo discurso de suas comédias, isto é, criticando os oligarcas e a corrupção e se apresentando como uma alternativa impoluta à “política” e ao “sistema”. Como sói acontecer nesses casos, sua campanha foi feita substancialmente pela internet, particularmente pelo Instagram.
Como também costuma acontecer nesses casos, Zelensky foi acusado das mesmas práticas que criticava. Os “Panamá Papers” revelaram que Zelensky e seu grupo de comediantes mantinham fundos em paraísos fiscais, como Chipre, Belize e Ilhas Virgens Britânicas.
Zelensky é, assim, mais um desses políticos “populistas de direita”, que surgem no esteio da “antipolítica”, a qual ameaça a democracia e suas instituições.
Até a eclosão do conflito militar na Ucrânia, Zelensky era um ilustre desconhecido, sem nenhuma influência no cenário mundial. Tornou-se celebridade midiática internacional apenas em razão desse contencioso.
Tornou-se, na realidade, uma espécie de garoto-propaganda da Otan e das narrativas geopolíticas que visam impor uma nova Guerra-Fria ao mundo e alinhamentos às chamadas “democracias”, tais como definidas e escolhidas pelos EUA.
Pois bem, nessa condição, Zelensky, insiste em agredir o Brasil e Lula, um estadista internacional.
De fato, suas agressões reiteradas à política externa brasileira, soberana e não-alinhada, assim como ao presidente Lula, são frequentes.
Quando foi à posse de Milei, Zelensky, um dos poucos chefes de Estado a comparecer ao rarefeito evento, afirmou que fora porque havia sido convidado, ao contrário do que teria ocorrido na posse de Lula, para a qual não teria recebido convite. O Itamaraty logo desmentiu a fake news maliciosa.
Ele foi convidado sim, mas decidiu não comparecer. Enviou a vice-presidente da Ucrânia, Iryna Verenshchuc. O Itamaraty, obviamente, envia convite para todos os países com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas. Não discrimina ninguém.
Lembre-se também que, em maio de 2023, na cúpula do G7, Zelensky também decidiu não comparecer ao encontro previamente marcado com Lula. Resolveu “esnobar” nosso presidente. Depois, reclamou, sem razão alguma.
Zelensky não perde uma única oportunidade para criticar o Brasil e Lula.
Agora, numa patética entrevista com conhecida figura mediática brasileira, Zelensky, fiel à sua formação de comediante, abre um libretto giocoso de uma ópera bufa. A ópera bufa e simplista dos que dividem o mundo, de forma maniqueísta, entre o “Bem” e o “Mal”. As “democracias” e as “autocracias”. Dos que não aceitam a ideia de que um país possa ter interesses próprios, e rejeitar essa visão binária e moralista de como as relações internacionais efetivamente funcionam. Dos que atacam os que consideram que a neutralidade e a paz possam ser mais adequadas aos interesses do planeta.
La pelas tantas, o antigo “Servo do Povo”, que agora parece um Servo da Otan, pergunta sobre Lula:
"Ele pensa na Rússia como se hoje ainda existisse a União Soviética. A China é um país democrático? Não. E o que dizer sobre o Irã? É um país democrático? Não. E o que dizer da Coreia do Norte? Eles não são países democráticos. Então, o que o Brasil, um grande país democrático, faz nessa companhia?"
O aparente Servo da Otan insinua, assim, que o Brasil é “aliado de ditaduras” e estaria do lado do “Mal”.
Ora, o Brasil faz o que todo os países responsáveis fazem.
O Brasil não apoia ditaduras. O Brasil, assim como a maior parte dos outros países do mundo, mantém relações diplomáticas tanto com nações que têm democracias quanto com países que têm regimes autoritários. Os EUA, a França, o Reino Unido, o Canadá, a China etc. etc. fazem a mesma coisa que o Brasil faz.
É preciso considerar que, segundo critérios conservadores e ocidentais, muitos países do mundo não possuem um regime democrático pleno. Segundo a revista conservadora The Economist, a maior parte da população do planeta não vive em democracia. Noventa e cinco países, que somam quase 55% da população do globo vivem em regimes “híbridos” ou “autoritários”, segundo essa publicação. Na África, no Oriente Médio e no resto da Ásia, as democracias, mesmo as imperfeitas, seriam raras exceções.
Portanto, se mantivéssemos relações apenas com aqueles países que seriam considerados “democráticos”, pela opinião pública do Ocidente, excluiríamos boa parte do mundo da nossa diplomacia.
O próprio Zelensky mantém boas relações com algumas ditaduras. Recentemente, visitou a Arábia Saudita de Bin Salman, que já foi acusado, entre outras coisas, de assassinato de jornalistas.
Zelensky também visita regularmente o presidente Erdogan, da Turquia, o qual também não é considerado um “democrata”, pelos padrões ocidentais.
Assim, quando lhe convém, e quando assim autorizado pela Otan e pelos EUA, Zelensky se aproxima de “ditaduras”. O próprio Milei, que Zelensky fez questão de visitar, é um governante que não tem grande apreço por democracia e que admira a terrível ditadura militar argentina.
O governo de Zelensky, como notório, é bastante influenciado por grupos nacionalistas com tintes nazistas.
A personalidade midiática brasileira que fez a entrevista com Zelensky, Luciano Hulk, disse que foi à Ucrânia por motivos familiares. Três de seus avôs teriam fugido da Ucrânia, em razão do antissemitismo e do nazismo em ascensão. Algo terrível. Nossa solidariedade
Com efeito, na Segunda Guerra Mundial, muitos grupos de ucranianos do oeste e do centro se aliaram aos nazistas contra a União Soviética.
Entre vários outros crimes, eles foram responsáveis pelo famoso massacre de Babi Yar contra os judeus de Kiev e forneceram milhares de guardas para atuar nos campos de concentração nazistas do leste europeu, como Auschwitz, por exemplo.
No referido massacre, teriam perecido cerca de 100 mil judeus. Saliente-se que, na época, a Ucrânia tinha cerca de 2,7 milhões de judeus. A maior parte foi assassinada, ao longo do conflito.
O problema maior, contudo, reside no fato de que alguns líderes nazistas ucranianos desse período são vistos, hoje, na Ucrânia e pelo regime de Zelensky, como heróis nacionais.
Com efeito, a Ucrânia ergueu, nos últimos anos, estátuas e monumentos em homenagem a esses “nacionalistas ucranianos”, cujos legados estão indelevelmente manchados pela sua relação indiscutível com o regime nazista.
O principal deles, Stepan Bandera, antigo líder da terrível Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), cujos seguidores atuaram como membros da milícia local das SS e do exército alemão, tem várias dezenas de monumentos e de nomes de ruas que glorificam seu nome.
Ademais, teriam sido erguidas estátuas para Jaroslav Stetsko, ex-presidente da OUN, o qual escreveu: “insisto no extermínio dos judeus na Ucrânia”.
Não sei se Luciano Hulk indagou sobre esses fatos a Zelensky. Mas deveria.
O Brasil deseja manter boas relações com a Ucrânia. Mas o governo de Zelensky tem de respeitar a posição de neutralidade e em prol da paz do Brasil.
Não somos servos de ninguém.
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