(Crédito da foto: The Cradle)
Washington mantém o controle sobre as receitas do petróleo do Iraque desde sua invasão ilegal em 2003 – uma subjugação financeira e econômica que mina a soberania iraquiana e nega o acesso ao seu próprio tesouro nacional.
Em julho, o Banco Central Iraquiano interrompeu todas as transações estrangeiras em Yuan Chinês, sucumbindo à intensa pressão do Federal Reserve dos EUA para fazê-lo. O fechamento ocorreu após um breve período durante o qual Bagdá permitiu que comerciantes negociassem em Yuan, uma iniciativa destinada a mitigar as restrições excessivas dos EUA ao acesso do Iraque a dólares americanos.
Embora esse comércio baseado em Yuan excluísse as exportações de petróleo do Iraque, que permaneciam em dólares americanos, Washington o via como uma ameaça ao seu domínio financeiro sobre o estado do Golfo Pérsico. Mas como os EUA conseguiram exercer tal controle total sobre as políticas financeiras iraquianas?
A resposta está em 2003, com mecanismos estabelecidos após a invasão ilegal do Iraque liderada pelos EUA.
Um legado da 'Operação Liberdade Iraquiana'
Desde a assinatura da Ordem Executiva 13303 (EO13303) pelo presidente George W. Bush em 22 de maio de 2003, todas as receitas das vendas de petróleo do Iraque foram canalizadas diretamente para uma conta no Federal Reserve Bank de Nova York.
A EO13303, intitulada “Proteção do Fundo de Desenvolvimento do Iraque e Outras Propriedades nas Quais o Iraque Tem Interesse”, foi renovada anualmente por todos os presidentes dos EUA, incluindo Joe Biden em 2024. Esta ordem executiva essencialmente coloca o controle sobre as receitas do petróleo do Iraque sob a discrição do presidente dos EUA, deixando Bagdá com controle limitado sobre seus recursos e ganhos.
As raízes da dependência financeira do Iraque em relação aos EUA remontam à década de 1990. Após a invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990, a Resolução 661 do Conselho de Segurança da ONU impôs severas sanções econômicas para isolar o Iraque do comércio internacional. Essas sanções, exacerbadas pela recusa do ex-presidente Saddam Hussein em cumprir com as exigências de retirada, prejudicaram a economia iraquiana.
Controle sobre as finanças do Iraque
A Resolução 687 do Conselho de Segurança da ONU, aprovada em 1991 após a Guerra do Golfo Pérsico, estendeu essas sanções ao introduzir o controverso programa “Petróleo por Alimentos”. Embora tenha permitido que o Iraque vendesse petróleo em troca de bens humanitários como alimentos e remédios, as sanções resultaram em imenso sofrimento humano, com mais de um milhão de iraquianos, metade deles crianças, morrendo durante esse período. A então secretária de estado dos EUA, Madeleine Albright, defendeu infamemente as sanções em uma entrevista de 1996, afirmando que as mortes “valeram o preço”.
Após a invasão do Iraque, a ocupação do país pelos EUA se tornou uma realidade após o colapso do governo de Saddam. Diante de um fato consumado, o Conselho de Segurança da ONU teve que aceitar o novo status quo.
De acordo com o Direito Internacional Humanitário, as forças de ocupação – neste caso, os EUA e o Reino Unido – tornam-se responsáveis pelo bem-estar das populações que ocupam. Então, a Resolução 1483 do Conselho de Segurança da ONU foi emitida em 22 de maio de 2003 para estabelecer a Autoridade Provisória da Coalizão (CPA) liderada pelos EUA como administradora do Iraque e criar o Fundo de Desenvolvimento para o Iraque (DFI) para gerenciar as receitas do petróleo iraquiano.
Note que a Resolução 1483 não mencionou o Federal Reserve dos EUA como depositário dos fundos iraquianos, nem atribuiu um local para a sede ou conta do DFI. Na verdade, a resolução declara especificamente que o DFI deve “ser mantido pelo Banco Central do Iraque”. Foi o CPA, liderado por Paul Bremer, que decidiu unilateralmente abrigar a conta no Federal Reserve Bank de Nova York.
Essa decisão permitiu que o governo dos EUA mantivesse um controle rígido sobre as receitas do petróleo do Iraque. Daquele ponto até hoje, o Ministério das Finanças do Iraque teve que enviar solicitações de fundos ao Tesouro dos EUA, que então aprova ou nega essas solicitações com base em seus próprios critérios.
Essa transferência mensal de dólares americanos — que são literalmente enviados de avião para Bagdá em paletes de dinheiro vivo — determina a capacidade do Iraque e de sua população de 40 milhões de pessoas de pagar por necessidades básicas como salários, alimentos e remédios.
Chantageando o Iraque
Sempre que Washington sentir que o Iraque não está em conformidade com as metas regionais dos EUA, essas transferências de fundos podem ser adiadas ou reduzidas. Em janeiro de 2020, por exemplo, depois que o Parlamento iraquiano votou pela expulsão das tropas dos EUA após o assassinato do general iraniano da Força Quds, Qasem Soleimani, e do vice-comandante das Unidades de Mobilização Popular (PMU) do Iraque, Abu Mahdi al-Muhandis, o governo Trump ameaçou congelar o acesso do Iraque às suas receitas de petróleo.
Hoje, a situação financeira do Iraque continua terrível. Apesar de ter receitas de petróleo se acumulando no Federal Reserve Bank de Nova York – estimadas hoje em cerca de US$ 120 bilhões – o Iraque está sobrecarregado com uma dívida crescente que corresponde a esse valor.
A incapacidade do país de controlar seus próprios fundos impediu a reconstrução e o desenvolvimento de longo prazo, forçando-o a depender de empréstimos internacionais. Ironicamente, o Iraque também se tornou um dos maiores detentores de títulos do Tesouro dos EUA, com investimentos totalizando US$ 41 bilhões em 2023.
Além dos desafios econômicos, o Iraque foi atraído para o crescente conflito regional em meio à guerra em Gaza e à intensificação da agressão de Israel contra o Líbano. As forças de resistência iraquianas participaram ativamente de ataques militares contra alvos israelenses em solidariedade às facções palestinas e ao Hezbollah.
O envolvimento do Iraque neste conflito não é isolado. Facções iraquianas têm rotineiramente alvejado bases militares dos EUA no Iraque e na Síria – vistas como forças estrangeiras ilegais subjugando a soberania do Iraque – contribuindo para uma escalada mais ampla que atraiu atores de toda a Ásia Ocidental.
Essas tropas prometeram continuar sua campanha contra alvos americanos e israelenses, alinhando suas ações com o Eixo de Resistência da região.
A ONU encerra o DFI, mas os EUA se recusam a cumprir
O Iraque deixou de estar sob ocupação, pelo menos formalmente, quando assinou o acordo “Quadro de Cooperação Estratégica” com os EUA em 2008, que diz que as forças americanas estão presentes no Iraque apenas a pedido do governo iraquiano.
Tentativas da ONU de restaurar o controle do Iraque sobre suas finanças falharam amplamente. Em 2010, a Resolução 1956 do Conselho de Segurança da ONU exigiu o fechamento do DFI até 30 de junho de 2011 e a transferência de todos os rendimentos para o governo iraquiano.
Apesar dessas diretrizes legais claras, a conta DFI continua sob controle dos EUA no Federal Reserve Bank de Nova York, desafiando a resolução do Conselho de Segurança da ONU. Pior ainda, o domínio duradouro dos EUA sobre os recursos financeiros do Iraque exacerbou profundamente a corrupção e a disfunção que assolam o país.
Acabar com o trabalho do Conselho Consultivo e de Monitoramento Internacional da ONU sobre o DFI foi uma forma de ocultar a corrupção em massa e o roubo de recursos por parte de atores americanos e iraquianos.
A corrupção sem precedentes que se espalhou por todo o Iraque e suas instituições pode ser atribuída a essa política. As quantias gigantescas de dinheiro vivo que são enviadas para o país mensalmente, as somas astronômicas não contabilizadas que desaparecem de vários ministérios e as casas de câmbio de dólares (bancos) criadas por grupos políticos que prosperaram junto com as forças de ocupação dos EUA transformaram o Iraque em um dos países mais corruptos do mundo.
A dependência do Iraque dos EUA para acesso às suas próprias receitas de petróleo, combinada com sua dívida crescente, tem impactos significativos em sua soberania, enquanto seu envolvimento na guerra regional também terá implicações em suas relações com os EUA.
Embora o Iraque possa não estar mais sob ocupação formal, os mecanismos de controle financeiro estabelecidos após a invasão de 2003 persistem. Esses controles não apenas limitam o desenvolvimento econômico do Iraque, mas também o envolvem em lutas geopolíticas mais amplas.
Hoje, tanto o governo americano de Joe Biden quanto o governo iraquiano liderado por Mohammad Shia al-Sudani – que não tomou medidas para liberar os fundos soberanos do Iraque – podem ser considerados violadores da Resolução 1956 das Nações Unidas, emitida em 2010.
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