Membros da unidade de defesa civil e combate a incêndios trabalham no local de um ataque israelense nos subúrbios ao sul de Beirute, Líbano, 24 de setembro de 2024 (Foto: REUTERS/Mohamed Azakir)
"O resultado do conflito no Líbano seria duvidoso e, em quaisquer hipóteses, os custos humanos e materiais seriam altíssimos", escreve Marcelo Zero
Marcelo Zero
Os grandes bombardeios israelenses no Sul do Líbano, no vale do Bekaa e em bairros meridionais da área metropolitana de Beirute, que deixaram quase 500 mortos, demonstram que o governo Netanyahu parece estar apostando numa guerra aberta com o Hezbollah.
Embora seja uma aposta de risco, dado o preparo e a força do Hezbollah, há alguns fatos que estão motivando o governo Netanyahu a promover essa empreitada bélica.
Em primeiro lugar, há o fator político interno. A sobrevivência política de Netanyahu depende do apoio de partidos ultraconservadores, que são favoráveis a uma “linha dura” com o Hezbollah. Esses setores julgam que é possível derrotar militarmente esse grupo e ameaçam derrubar o governo Netanyahu, caso o primeiro-ministro mantenha-se “cauteloso”. Netanyahu sabe bem, que, caso isso aconteça, terá de enfrentar uma série de processos judiciais que poderão levá-lo à prisão.
É preciso levar em consideração que, logo após o início da guerra em Gaza, Israel retirou cerca de 60 mil cidadãos que viviam próximos à fronteira com o Líbano, por uma questão óbvia de segurança. Há, evidentemente, uma pressão para que essas pessoas possam voltar às suas casas.
Entretanto, os fatores mais importantes são os geopolíticos.
O governo de Netanyahu julga que a escalada do conflito com o Hezbollah poderia levar esse grupo a aceitar um cessar-fogo que não inclua o término das hostilidades em Gaza. Em outras palavras, e segundo esse cálculo, a escalada poderia romper a aliança Hezbollah/Hamas, o que é um pressuposto altamente duvidoso.
Há outros pressupostos dos cálculos estratégicos dos setores mais extremados do governo Netanyahu que também são questionáveis.
O primeiro deles é o que o Irã, mesmo com todas as provocações, evitará um grande e definitivo envolvimento para apoiar seu principal aliado no Oriente-Médio. O Irã está enfraquecido, principalmente do ponto de vista econômico e comercial, devido as sanções draconianas impostas por EUA e aliados. Não gostaria de um conflito aberto, nessas circunstâncias, embora não vá renunciar ao envio de apoio.
Essa possível hesitação do Irã seria estimulada por um provável envolvimento dos EUA, em um eventual conflito franco ente Israel e Hezbollah.
Blinken e Biden não desejam esse cenário, neste momento, mas, em todo caso, já enviaram o porta-aviões nuclear Harry S. Truman para fortalecer as posições dos EUA no Mediterrâneo Oriental.
O outro pressuposto estratégico do governo de Netanyahu é justamente o de que, se houver um conflito aberto com o Irã, os EUA serão “arrastados” para a guerra. Netanyahu sabe bem que, no caso de uma guerra aberta que envolva o Irã, Israel precisará de toda ajuda possível dos EUA e aliados.
Mesmo assim, o resultado do conflito seria duvidoso e, em quaisquer hipóteses, os custos humanos e materiais seriam altíssimos. É preciso considerar que, no caso de uma guerra desse tipo, provavelmente a China, a Rússia e alguns países muçulmanos apoiariam o Irã material e politicamente.
Nas décadas de 60 e 70, Israel acostumou-se (mal) a resolver suas questões de segurança pela via única da força militar. De fato, naqueles tempos, o formidável exército de Israel assegurava vitórias rápidas e decisivas em quaisquer situações.
Mas esse tempo das guerras convencionais no Oriente Médio passou. Além de seus vizinhos árabes estarem bem mais preparados que no passado, os conflitos básicos que hoje Israel enfrenta são assimétricos e não-convencionais. Conflitos que causam grande desgaste, que se estendem no tempo, e que são de difícil definição militar. E que demandariam, na realidade, soluções baseadas em negociações francas e acordos sólidos.
Os EUA passaram duas décadas no Afeganistão apenas para assistir, impotentes, ao retorno triunfal dos Talibãs.
Veja-se o exemplo da atual situação em Gaza. As forças de Israel, mesmo recorrendo a métodos extremos, estão tendo muitas dificuldades em “eliminar” o Hamas, uma força comparativamente frágil e mal equipada, em relação ao Hezbollah.
Israel ocupou e interveio no Líbano de 1982 a 2000. Mas, naquele último ano, acabou se retirando totalmente daquele território, em grande parte por causa da resistência incansável do Hezbollah no Sul do Líbano.
Nada indica que, agora, ocorreria algo diferente.
Observe-se que para, no mínimo, enfraquecer o Hezbollah, Israel teria de fazer uma incursão terrestre no Sul do Líbano, ao contrário do que falou seu embaixador na ONU. Isso significaria ter forças terrestres deslocadas em duas frentes (Gaza e Líbano), algo muito desgastante.
Essa eventualidade traria o problema adicional do recrutamento dos haredim, os judeus ortodoxos (cada vez mais numerosos) que se recusam a servir o exército. Embora a Suprema Corte de Israel tenha acabado recentemente com a isenção de servir para os haredim, esse grupo protesta e pressiona seus partidos, muito influentes no governo Netanyahu, no sentido de manter a isenção, na prática.
Teóricos do realismo nas relações internacionais, como John Mearsheimer, afirmam que os países, em geral, se movem, no cenário mundial, por interesses e cálculos racionais. Algumas vezes, no entanto, o que predomina no processo decisório são paixões irracionais, como o ódio e a vingança. Ódio e vingança somados a uma ilusão de invencibilidade.
Todo o mundo diz não desejar o alastramento da guerra no Oriente Médio.
As ações de Netanyahu, tanto em Gaza quanto no Líbano, apontam, porém, para o horror de uma guerra alargada de genocídio. Sem razões e piedade.
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