quinta-feira, 24 de outubro de 2024

O maior fenômeno neoconservador brasileiro em poucas palavras

© Foto: Domínio Público

Bruna Frascolla
strategic-culture.su/

Olavismo é uma pirâmide de marketing digital que vende às pessoas a sensação de serem cultas e politicamente conscientes, mas, em vez disso, as transforma em presas de astrólogos e em defensores histriônicos do Fusionismo.

Fora do Brasil, acredito que apenas os portugueses conhecem o nome Olavo de Carvalho. Em tese, ele seria um grande filósofo, um filósofo brasileiro. No entanto, ninguém sabe dizer qual é a filosofia desse suposto filósofo.

Para estrangeiros, uma maneira fácil, mas incompleta, de explicar quem é Olavo de Carvalho é dizer que ele é um propagandista neocon, alinhado aos EUA, Israel ou ao chamado “Ocidente”. É como um Buckley muito sujo e escatológico. Um apóstolo do fusionismo, a ideologia que visa limitar a moral conservadora à esfera privada, enquanto defende o liberalismo na esfera pública, especialmente na economia. É a ideologia da National Review , e duvido que não tenha uma interferência do Blob (o próprio Buckley foi um agente da CIA).

Outra semelhança entre Olavo (que é Olaf em português) e Buckley é que ambos se diziam católicos – e o liberalismo, que ambos defendiam, era proibido pela Igreja. Buckley era descendente de irlandeses e foi criado em um lar católico; católicos de origem irlandesa sempre foram considerados um problema sociocultural pelas elites liberais dos EUA. Portanto, é possível que esse carismático agente da CIA tenha sido escolhido para mudar a imagem do católico irlandês, tornando essa minoria mais aberta ao liberalismo econômico e transformando o catolicismo em algo mais estético do que doutrinário. Olavo promoveu tanto o fusionismo quanto essa transformação do catolicismo em uma estética. Mas em uma coisa ele difere radicalmente de Buckley: em um país de maioria católica, a opção de um astrólogo muçulmano se passar por um católico conservador não é nada óbvia.

No entanto, Olavo é um personagem assim. No começo, ele era jornalista. Então ele teve um surto psicótico, quebrou o escritório do jornal e foi internado em um hospital psiquiátrico. Exposto a muito Jung no asilo, ele se tornou um astrólogo, juntou-se à seita “tradicionalista” (ou melhor, perenialista) do suíço Fritjof Schuon e se converteu ao islamismo.

O direitista médio não sabe nada disso. Se informado, ele dirá que já sabia que Olavo fez coisas erradas na juventude… ele até aderiu ao comunismo! Mas um astrólogo, não. Isso é uma invenção de jornalistas, que são todos comunistas.

Há a persona pública de Olavo construída na internet durante o século XXI, e o Olavo místico mais ou menos conhecido por aqueles que lhe dedicaram algum tempo.

1. Suas ideias mais famosas

Em geral, os que elogiam suas realizações dizem que ele foi um anticomunista que desmascarou o Gramscismo , o Foro de São Paulo e o teatro de tesouras . Sua teoria mais famosa é um palpite político não tão original, uma versão enlatada ao estilo Breitbart com um leve sabor tropical. Ao marxismo cultural enlatado, Olavo adicionou o bicho-papão do Gramscismo como tempero local: os comunistas visariam à revolução pela cultura, tornando todos insensivelmente comunistas, sem a necessidade de um golpe. Como consequência disso, Olavo insistiu que era necessário, primeiro, criar uma hegemonia cultural de direita, para só então passar para o campo político-partidário. Como Olavo vendia livros e cursos que prometiam formação cultural, essa é uma teoria que favorecia seus próprios interesses pecuniários: nada de eleger representantes até que o Brasil inteiro pague seu Curso Online de Filosofia, o COF.

O Foro de São Paulo seria um clube secreto de conspiradores que pretendiam transformar a América Latina em uma infinidade de países comunistas. De fato, o Foro de São Paulo existe e reúne partidos e movimentos de esquerda da América Latina. No entanto, somente com licença poética se poderia dizer que o Foro de São Paulo é secreto, ou seja, não há press release na grande mídia. O site do Foro pode ser acessado clicando aqui e suas atas são públicas. Você pode até escolher ler o site em inglês.

O teatro de tesouras é uma variação do tema do Unipartidarismo dos EUA: o establishment é apenas um, e os dois principais partidos apenas fingem ser diferentes. Em vez de republicanos e democratas, tivemos o PT de Lula e o PSDB de FHC. Ambos fizeram administrações neoliberais. FHC passou anos sendo financiado pela Fundação Ford, que é uma fachada para a CIA. No entanto, Olavo de Carvalho disse que ambos os partidos e políticos eram comunistas. A razão pela qual o PSDB não é membro do Foro de São Paulo não é transmitida…

Nada disso é filosofia. Assim, o fato de Olavo de Carvalho ter ganhado reputação como filósofo ainda é um feito curioso que pede explicação – e está na face menos conhecida do guru exótico.

2. As fases do camaleão

Olavo de Carvalho era jornalista desde 1967. Na época, não era necessária nenhuma formação para exercer formalmente essa profissão. Talvez essa fosse a única profissão no mundo das letras que estava ao alcance de Olavo, pois ele abandonou a escola na adolescência. Foi internado em um hospício em 1976, e em 1979 criou a Escola Júpiter de astrologia, com a ajuda da filha de um rico empresário . Atravessou a década de 1980 como um místico definitivamente não conservador, filiando-se a seitas e até praticando a poligamia – chegou a ter quatro “esposas” como “muçulmano” perenialista.

Nos anos 1990, porém, Olavo de Carvalho foi alçado a intelectual público, com direito a colunas na Folha de S. Paulo e O Globo (os dois principais jornais do país), além de entrevistado pelo prestigiado programa Roda Viva. Tornara-se, portanto, um intelectual público. Como tal, costumava fazer troça da risível elite universitária brasileira. No entanto, a essa altura já havia começado a dar aulas de “filosofia” que eram puro misticismo; e a lisergia do seu pensamento já deveria estar clara para o grande público, pois ele zombava dos cientistas, na Folha de S. Paulo, por não acreditarem na eficácia da dança da chuva dos índios. Isso foi em 1998.

Não há como saber ao certo por que ele foi escolhido para isso. No entanto, não posso deixar de notar que seu papel de polemista erudito e debochado foi desempenhado pelo diplomata e cientista político José Guilherme Merquior, que morreu em 1991 com apenas 49 anos.

Nos anos 2000, o intelectual público Olavo de Carvalho se mudou de seu país e de sua mídia. Em 2005, demitido por O Globo , ele começou a residir nos EUA e, em 2006, começou a recrutar, pela internet, jovens brasileiros para seu novo curso online, o COF, que duraria até sua morte em 2022. Nessa fase, ele se apresentou como um rebelde da internet, banido pela grande mídia e pela academia. Essa foi, de longe, sua fase mais famosa.

Assim, na década de 1980, Olavo dava aulas de astrologia. A partir da década de 1990, ele se apresentava como professor de filosofia. No Brasil, essa “filosofia” consistia em misticismo. Após sua mudança para os EUA, a “filosofia” passou a consistir, sobretudo, em invectivas contra Lula, o PT, comunistas reais ou imaginários.

Um místico e um anticomunista hidrofóbico são duas coisas diferentes, ainda que Olavo tenha combinado os dois predicados. No entanto, podemos distinguir dois tipos de pessoas influenciadas por Olavo de Carvalho: aquelas que se dizem especialmente cultas e aquelas que simplesmente gritam que todo mundo e tudo são comunistas, na internet e além. Em outras palavras: há aqueles que se expuseram ao conteúdo dos cursos de Olavo, e há aqueles que apenas assistiram a cutscenes no YouTube sobre política partidária.

3. Cultura como misticismo e negócio

Embora esse camaleão tenha passado de astrólogo polígamo a filósofo católico conservador, podemos apontar uma constante em seu pensamento, pelo menos desde 1985: a ideia de que o Brasil é um país sem cultura, e que a cultura precisa ser extraída de uma certa Tradição que é acessível por meio de religiões e ciências tradicionais, sendo a astrologia a mais importante de todas as ciências. 1985 é o ano da publicação do livreto Astros e Símbolos , pela editora Nova Stella. É a obra mais antiga de Olavo a que tive acesso, e essa ideia está presente e explícita ali.

Essa concepção, por si só, fornece um modelo de negócio. Afinal, a religião não é verdadeira em si mesma; ao contrário, é um meio, entre muitos, para alcançar a Verdade à qual o guru tem acesso, e que é essencial para indivíduos bem-sucedidos. Ir à Igreja é gratuito, mas o crente não tem a segurança de encontrar a Verdade ali, pois não há religião verdadeira: não importa se é judaísmo, islamismo, cristianismo ou dança da chuva; todos são veículos para atingir essa Tradição dos Perenialistas. Para ter acesso, o crente precisaria pagar um sábio versado em “ciências tradicionais” – astrologia, alquimia, metafísica – para guiar seu espírito. O acesso à ciência também costuma ser gratuito em bibliotecas, escolas e universidades; mas nelas não há ciências que mereçam o nome de ocultas. Seja em questões de religião ou ciência, é necessário pagar o guru.

Essa faceta do Olavismo só se tornou menos visível, mas nunca desapareceu. Por meio do ICLS, dois dos filhos de Olavo (Tales e Gugu) continuam o modelo de negócios na forma como ele tinha nos anos 1990 – e são um caso de polícia, como mostrado no caso da jovem com problemas mentais que rompeu com a família, fugiu para se tornar a quarta esposa de Tales e foi resgatada pela Polícia Federal Brasileira no Paraguai, na casa de Gugu. Nessa seita, Gugu dá orientação aos fiéis de todas as religiões, chegando a inventar uma missa padrão (a missa do “trigo limpo”) que deveria ser exigida pelos católicos como condição para comparecer a ela. Embora a Igreja tenha sido contra a astrologia desde pelo menos os tempos de Santo Agostinho, o que conta é a autoridade do guru. Astrologia é ciência, e há um punhado de escritos teológicos de santos para distorcer e dizer que tais e tais santos reconheceram a possibilidade de uma astrologia verdadeira, ou apenas proibiram seu uso divinatório. Obviamente, tais práticas só poderiam prosperar em um ambiente de grande privação educacional.

4. Aposte na ignorância

Em 1985, Olavo descreveu assim a presa das seitas: “Tais organizações, que servem para desviar e sufocar em esforços vãos e sem sentido o generoso impulso de reação à sociedade moderna que surgiu com a ‘contracultura’, recrutam seus membros principalmente entre pessoas mais jovens um pouco alfabetizadas, que atingiram algum nível de informação sobre as doutrinas tradicionais, mas que não tiveram tempo, meios, paciência ou sabedoria para se integrarem a uma religião autêntica. Uma imagem usada em demasia nos levaria a comparar esses jovens a tenras ovelhas que se desviam do rebanho, explorando um terreno desconhecido e atraente, até que o lobo vem. Mas essa imagem falha em descrever o caso brasileiro, porque entre nós as ovelhinhas nunca tiveram rebanho: nasceram desgarradas, e quando ouviram que havia rebanhos onde poderiam se juntar, foram em busca sem rumo, até que o lobo veio capturá-las” (p. 9-10).

Segundo ele, a desgraça brasileira decorre das fraquezas da Igreja em nosso país: “O Brasil era, ou é, apenas, o 'maior país católico do mundo' na linguagem oca das estatísticas, que obviamente não podem incluir em suas considerações a qualidade do catolicismo do entrevistado, nem suas ligações mais ou menos secretas ou discretas com feiticeiros e bruxas, cuja influência nas eleições é, no entanto, tão notável na consciência popular quanto ausente das tabelas do IBGE [isto é, estatísticas governamentais]” (p. 11-12). Assim, percebendo que o Brasil era inculto, e atribuindo esse problema às vulnerabilidades da Igreja Católica, o lobo festejou e ensinou os jovens rebeldes a irem publicamente à missa e secretamente ao astrólogo.

Pois bem, como esse é um modelo de negócio óbvio, não demorou muito para que fosse replicado. Em 2006, como vimos, Olavo lançou o COF. O COF pretendia formar a elite intelectual do país: no começo o aluno pagava para ter certeza de que, depois de 5 anos, ele constituiria o topo da intelectualidade brasileira. Era para ser muito fácil porque o Brasil era, supostamente, uma terra devastada (mas, por pior que o Brasil fosse, também não era tão deserto assim).

No curso, Olavo tinha uma lista de autores grande o suficiente para dificultar que seus alunos tivessem tempo para ler outras coisas; e, ao mesmo tempo, a lista era limitada o suficiente para que os alunos ficassem presos ao Fusionismo e/ou ao Perenialismo.

Como, para o bem ou para o mal, Olavo tinha uma temática consistente, além de teorias místicas e políticas, seu modelo de negócio sofreu uma mutação com o Instagram, e pôde ser replicado por vários alunos: de repente, muitos coaches apareceram vendendo cursos de vida virtuosa, de “doze camadas de personalidade” (baseados nos doze signos do zodíaco), de política (desmascarando os grammaristas debaixo da cama) etc. O coach do Instagram que vende cursos, e o comunicador do YouTube, que vive de visualização e também vende cursos, são frutos do Olavismo.

Assim, podemos dizer que o Olavismo é uma pirâmide de marketing digital que vende às pessoas a sensação de serem cultas e politicamente conscientes, mas, em vez disso, as transforma em presas de astrólogos e em defensores histriônicos do Fusionismo.

Entre em contato conosco: info@strategic-culture.su


 


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