Bruna Frascolla
“Não contradiga um louco” é um ditado comum no Brasil, e é razoável.
“Não contradiga um louco” é um ditado comum no Brasil, e é razoável. Se alguém lhe disser que Lula foi substituído por um clone durante a Operação Tempestade, porque a General Laura Richardson tem navios-prisão ancorados por toda a costa e está substituindo bandidos por clones, não há muito o que dizer em resposta. A melhor coisa a fazer é chamar um médico. É por isso que acho que o vizinho da minha tia foi sábio quando a aconselhou a concordar com tudo quando uma senhora aposentada, vizinha deles, vem dizer que Lula é na verdade um clone – “olha, amputaram o dedo da mão errada!” E foi o que minha tia fez. A notícia do homem-bomba em Brasília, que também acreditava na Operação Tempestade, me lembrou dessa anedota.
Durante a histeria coletiva que tomou conta da direita entre 30 de outubro de 2022 (data da eleição de Lula) e 8 de janeiro de 2023, tentei aprender sobre as fontes dos delírios, incluindo a história dos clones. Um canal no YouTube de um pastor louco e/ou corrupto, que usou o universo de Nárnia para retratar Bolsonaro como o Leão que vem salvar o Brasil do comunismo, foi frequentemente apontado como o culpado. Bolsonaro é católico, mas mesmo assim, podemos atribuir esse primeiro surto de loucura da direita a algo que pega pentecostais e idosos que passam muito tempo assistindo ao YouTube.
Depois do surto histérico, a crença em clones continuou, normalizada na mente de pessoas como a vizinha da minha tia. Eles não deveriam chamar um médico, porque é uma crença “normal” dentro de um certo nicho de pessoas sem problemas psiquiátricos sérios. Foi assim que descobri outro propagador, este com um público muito maior que o pastor maluco: um velho de cabelo tingido de mogno e rosto cheio de Botox, promete que a Operação Tempestade trará a Nova Era, ou a Era de Aquário, após livrar a Terra de todo o mal. A general Laura Richardson tem navios-prisão ancorados na costa da América do Sul. Lula e Maduro já estão presos ou mortos; os que estão lá são clones – veja o dedo amputado na mão errada. O YouTuber vem garantindo há anos que a Operação Tempestade será concluída em breve. Significativamente, ele não deposita suas esperanças em Bolsonaro.
Pois bem, o homem de meia idade que se explodiu vestido de Coringa em Brasília neste mês deixou no Facebook um apelo para que Donald Trump acelere a Operação Tempestade. Diante das mensagens (ele mandou mensagens para si mesmo no WhatsApp, tirou prints e postou no Facebook), os apoiadores de Bolsonaro preferiram enfatizar que o louco estava pedindo que Bolsonaro e Lula abandonassem a vida pública. Por sua vez, a grande imprensa preferiu destacar que ele era um radical de direita, que acreditava que o Brasil vive sob uma ditadura atroz e queria a libertação dos presos no dia 8 de janeiro.
O homem era louco, mas suas crenças não eram contraditórias: hoje em dia, os direitistas mais radicais consideram Bolsonaro um covarde, um traidor, e é por isso que o odeiam. É por isso que o velho sujeito da Nova Era com cabelo tingido fez mais sucesso do que o pastor torto: a salvação está no Exército dos EUA, não em Bolsonaro.
Como a mídia e os apoiadores de Bolsonaro estavam brincando de passar a bola, acabei não vendo ninguém apontar que o louco acreditava na Operação Tempestade. O velhote de cabelo tingido não virou notícia. Alexandre de Moraes condena veementemente o ódio, o extremismo e as fake news, mas nada é dito sobre essas teorias psicodélicas que não estão diretamente relacionadas ao ódio, nem pretendem ser notícia.
Agora, depois do suicídio do homem-bomba, a direita radical entrou em outro surto histérico. Eles acreditam que o patriota foi um herói abatido por um atirador de elite enquanto carregava apenas fogos de artifício, não um lunático suicida cujas bombas, por sorte e incompetência, não atingiram ninguém. Seria tudo uma armação de Alexandre de Moraes para que a verdadeira direita pudesse ser enquadrada como terrorista e reprimida. Eu me pergunto se eles também acreditam em clones.
O que mais me impressiona nessa história toda é a normalização da loucura. Um vetor é muito claro: a liberdade de expressão proporcionada pela internet, que ainda não encontrou regulamentação saudável no Ocidente. Alguns pretendem universalizar a Primeira Emenda e liberar todos os tipos de discurso; outros pretendem implementar a censura woke. Isso nada mais é do que uma projeção dos EUA sobre sua esfera de influência: ou ficamos como os republicanos e sua Primeira Emenda, ou aceitamos a censura que favorece os interesses dos democratas (que vão das “vacinas” de mRNA à eleição de Lula em 2022).
Olhar para a situação atual dos EUA ajuda muito. Afinal, a história dos clones é uma repetição da loucura espalhada anos antes sobre Biden. Segundo a Newsweek, a teoria de que Biden foi substituído por um clone porque morreu ou foi preso tomou conta do Facebook em junho de 2021, e foi espalhada pela primeira vez por um inglês no Telegram.
Aparentemente, um louco com um megafone de internet, sem repressão à fala, consegue angariar adeptos – não é de se espantar que os EUA estejam cheios de seitas lideradas por esquisitos. Mas tem mais: pela minha observação pessoal, o exaltado direitista, mesmo que se diga muito conservador e religioso, é ou foi viciado em drogas. Desconsiderando minha observação pessoal, há fatos públicos. Um dos parlamentares de direita mais exaltados, de Santa Catarina (mesmo estado do homem-bomba), teve fotos vazadas cheirando cocaína. Um influenciador de direita do mesmo estado, amigo do direitista Pablo Marçal, é réu por tráfico de drogas – e uma das idosas presas no dia 8 de janeiro, também de Santa Catarina, é traficante de drogas que foi julgada e condenada. (Caso o leitor estrangeiro esteja curioso, Santa Catarina é um estado rico e industrializado, cheio de descendentes de alemães e direitistas, com um grande porto e belas praias.) Ao lado de Santa Catarina está o país presidido por Javier Milei, o roqueiro “conservador” que consulta um cachorro morto. Então, é de se perguntar quantas dessas ilusões políticas não são produzidas e consumidas por pessoas fora de si. Nisso, mais uma vez, estamos na companhia dos Estados Unidos, um país cheio de viciados em drogas.
Não é de se espantar, então, que o velho de cabelos tingidos tenha sucesso pregando a Nova Era. A Nova Era, a mania, foi uma época de promoção de drogas e revolta contra o “sistema”. Se quisermos buscar as raízes mais profundas dos loucos que cometem atentados a bomba e acreditam nas teorias mais extravagantes, elas provavelmente estarão no fenômeno da Contracultura. Quanto ao Brasil, o próprio Olavo de Carvalho, o falecido guru da direita radical, foi interno de um hospício e astrólogo polígamo, antes de se apresentar como um sóbrio pensador católico conservador. Nada mais contracultural do que isso.
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