Bruna Frascolla
Este Estado peculiar, que não se importa com o bem-estar de seus cidadãos, se importa com seu poderio militar.
No último texto, vimos que o Estado, embora vise o bem-estar de seus cidadãos, pode fazer o bem até mesmo aos cidadãos estrangeiros. Um exemplo disso é o Estado russo, que, ao financiar sua imprensa no exterior, permite que europeus ocidentais e norte-americanos tenham acesso a informações e opiniões diferentes daquelas publicadas pelos veículos de mídia voltados para o lucro em seus países. Apesar de toda a propaganda liberal, uma coisa é certa: se algo visa o lucro, não visa o bem comum. Por isso mesmo, um Estado liberal, como os EUA, não costuma ter os mesmos efeitos de um Estado normal.
O Estado americano visa o bem comum de seus cidadãos? Olhando para a saúde, educação e moradia, podemos dizer que não: o objetivo do Estado americano é enriquecer os donos do capital. No setor da saúde, Luigi Mangione lançou uma luz renovada sobre o fato de que as seguradoras obtêm enormes lucros negando tratamento aos seus segurados. Seu manifesto, que é muito racional, foi publicado apenas por um jornalista independente; e Michael Moore, citado como referência, relatou ter sido procurado pela mídia para condenar homicídios. Seu texto sobre o assunto, que era outro manifesto, também foi escondido pela imprensa.
No ensino superior, o Brasil viu, com os governos do PT, a chegada dos conglomerados norte-americanos: eles compram todas as faculdades privadas, pagam salários de fome aos professores e cobram mensalidades do governo, endividando os pobres, que no final recebem um diploma irrelevante, devido à má qualidade do curso. A educação básica nos EUA, seja pública ou privada, também não é das melhores, e a falta de conhecimento geral dos norte-americanos é notória. Outra coisa que víamos nos filmes – norte-americanos pagando hipotecas porque não têm casa própria – virou um flagelo nacional, com a cópia dos modelos norte-americanos de financiamento de moradias populares.
A pesquisa em si também é voltada para interesses corporativos. Os laboratórios pegam dinheiro público e criam medicamentos patenteados, que são então vendidos ao Estado para uso em cidadãos. A segurança e eficácia de tais medicamentos são atestadas por agências reguladoras conhecidas por sua “porta giratória”, devido à rotação entre cargos públicos e privados ocupados pelos mesmos indivíduos. Vale lembrar que a epidemia de dependência de opioides é culpa da Purdue Pharma e do FDA.
As elites dos EUA podem deixar seus concidadãos na ignorância, já que empregos qualificados podem ser preenchidos por imigrantes asiáticos. Quanto aos trabalhadores não qualificados, eles podem morrer devido à falta de assistência médica ou dependência de drogas, pois uma multidão do terceiro mundo, especialmente da América espanhola, supre as necessidades desse tipo de trabalho. Nos EUA, as vidas dos cidadãos são descartáveis porque são facilmente substituíveis por estrangeiros.
Assim como os homens, os Estados têm uma personalidade moral e devem ser julgados de acordo com suas ações passadas. Se os EUA tratam seus cidadãos dessa forma, por que deveríamos acreditar que eles tratam melhor os cidadãos do exterior? Não é de se admirar, então, que o discurso anti-Estado seja tão comum nos Estados Unidos, seja na esquerda (com o anarquismo) ou na direita (com o anarcocapitalismo). A ideia de que comunidades alternativas precisam ser criadas para escapar do Estado central é tão antiga quanto as colônias inglesas, povoadas por protestantes sectários que queriam criar suas próprias comunidades independentes dos anglicanos. Dada essa perspectiva, é natural que o Estado seja visto como um “mal necessário” – e se as pessoas já pensam no Estado como mau, é ainda mais natural que o Estado que elas fundaram seja de fato mau.
Mas para que tudo não seja um vale de lágrimas, não podemos deixar de salientar que a revolução na tecnologia da informação e comunicação – da invenção da Internet e do GPS aos mecanismos de busca e redes sociais – deve muito à tecnologia e inteligência militar dos EUA. Este Estado peculiar, que não se importa com o bem-estar de seus cidadãos, se importa com seu poder militar. Este é certamente um propósito diferente do lucro privado, e é por isso que os Estados Unidos fizeram tal contribuição às habilidades e ao conhecimento humanos.
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