O presidente Trump em sua posse em Washington, DC, em janeiro de 2025; o presidente Lula na assinatura de um projeto de lei em Brasília, em novembro de 2024.Chip Somodevilla e Ton Molina/NurPhoto via Getty Images
Os dois líderes têm visões divergentes sobre o futuro do BRICS e a mudança climática. O que pode preencher a lacuna?
SÃO PAULO — Embora suas ideologias sejam um mundo à parte, o presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, agora serão forçados a interagir, como os respectivos líderes das duas maiores economias do Hemisfério Ocidental. E embora Trump e Lula tenham posições muito diferentes sobre geopolítica e muito mais, o pragmatismo pode levar ambos a encontrar maneiras de tornar o relacionamento bilateral pelo menos funcional, embora provavelmente com tensões e limitações significativas.
Sem dúvida, as ambições globais do bloco de países BRICS em expansão, a crescente influência da China na América Latina, as abordagens às instituições multilaterais e as mudanças climáticas serão centrais na definição do relacionamento entre os dois líderes. E Trump e Lula têm, em sua maioria, pontos de vista diferentes sobre esses assuntos. Lula se vê como uma voz eminente no Sul Global e um farol da multipolaridade, enquanto Trump cobiça um mundo onde os EUA desempenham o papel de liderança final.
Enquanto Lula tem sido inflexível sobre a expansão do BRICS, seu banco e alcance financeiro global, Trump alertou contra os planos de desdolarizar o mundo. “A ideia de que os países do BRICS estão tentando se afastar do dólar enquanto ficamos parados e assistimos ACABOU”, Trump postou no X, semanas após vencer a eleição de novembro. Ele imediatamente acrescentou que “não há chance de o BRICS substituir o dólar americano no comércio internacional, e qualquer país que tente deve dar adeus à América”.
Mas Trump e Lula podem se alinhar em favor de um fim negociado mais rápido para a guerra na Ucrânia. E, em qualquer caso, são os fatos que provavelmente guiarão as relações entre os dois países nesta nova era. Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, depois da China, e seus laços têm crescido de forma constante. Só no ano passado, as exportações do Brasil para os EUA ultrapassaram US$ 40 bilhões, um nível histórico.
Não é de se espantar que Lula tenha evitado o confronto até agora. Embora não tenha ligado pessoalmente para Trump para parabenizá-lo pela vitória, Lula usou as mídias sociais para dar o tom do esperado relacionamento. “O mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto para ter mais paz, desenvolvimento e prosperidade. Desejo sorte e sucesso ao novo governo.”
Mas o papel proeminente de Elon Musk, um crítico frequente do Supremo Tribunal Federal do Brasil e do PT de Lula, na nova administração Trump tem gerado preocupações nos círculos políticos brasileiros. Com Trump de volta ao comando, o relacionamento EUA-Brasil deve encontrar novos pontos de convergência — uma tarefa difícil, mas viável.
Desafios
Diplomatas brasileiros identificam diversas fontes potenciais de tensão nas relações bilaterais: atritos geopolíticos, disputas comerciais, a dinâmica complexa entre o trumpismo e o bolsonarismo e a crescente influência dos bilionários das grandes empresas de tecnologia no governo dos EUA.
Os laços do Brasil com certos países não ocidentais podem ser um ponto crítico. Em 2025, o Brasil presidirá o grupo BRICS e sediará a cúpula do bloco. Enquanto isso, o relacionamento do país com a China vem se aprofundando, incluindo uma visita de estado do presidente Xi em 2024 durante o G20, e a assinatura de vários acordos entre os dois países. Esta é uma parceria que envolve cada vez mais tecnologia e áreas de competição com os EUA
Na esfera comercial, as medidas protecionistas de Trump podem impactar particularmente os setores agrícola e energético do Brasil, erodindo ainda mais o sistema de comércio multilateral. Dada a tendência de Trump de usar tarifas como alavanca econômica e política, combinada com o acesso limitado do Brasil ao seu círculo íntimo, as autoridades brasileiras esperam desafios significativos na negociação de termos favoráveis. Além disso, como Ricardo Zuniga, diplomata americano e sócio da Dinámica Americas, observa, as políticas tarifárias agressivas de Trump podem potencialmente prejudicar o crescimento global e estimular a inflação. Essa pressão econômica pode ser particularmente desafiadora para o Brasil à medida que se aproxima das eleições de 2026, potencialmente minando os esforços de Lula para revitalizar a economia.
O futuro da cooperação bilateral em outras áreas-chave continua incerto. Há um otimismo cauteloso sobre os direitos trabalhistas graças à surpreendente nomeação de Lori Chavez-DeRemer por Trump, que tem um histórico ligado a sindicatos. Mas a cooperação climática e as parcerias de defesa enfrentam perspectivas particularmente sombrias, com diplomatas brasileiros especialmente preocupados sobre como a postura de negação climática de Trump pode impactar a COP 30, programada para ocorrer em Belém, Brasil, este ano.
Essas preocupações são amplificadas pela composição emergente da equipe diplomática de Trump. Marco Rubio, o novo Secretário de Estado, é um observador experiente de assuntos latino-americanos e criticou o governo do PT, mirando especificamente os laços cada vez mais profundos do Brasil com a China e a maneira como o Supremo Tribunal Federal brasileiro lida com a regulamentação das mídias sociais, particularmente a decisão do Juiz Alexandre de Moraes de suspender temporariamente X no Brasil, o que Rubio caracterizou como uma restrição preocupante à liberdade de expressão sob a administração de Lula.
Pontos positivos
No entanto, há oportunidades para diálogo. Zuniga afirma que o Brasil é uma fonte potencial de minerais críticos e terras raras. A produção é atualmente dominada pela China, que está preparada para restringir seu uso como uma forma de pressão contra os EUA ou em resposta aos controles de exportação americanos. A capacidade industrial do Brasil torna o país um parceiro potencial para outras cadeias de suprimentos estratégicas, como produtos farmacêuticos.
De uma perspectiva de cooperação energética, os EUA devem manter sua estratégia “all of the above”, que foca em combustíveis fósseis enquanto permanece aberta a fontes alternativas de energia – isso permitiria o diálogo com o Brasil. De acordo com a diretora do Brazil Institute, Bruna Santos, a cooperação Brasil-EUA em energia sustentável já está institucionalmente estabelecida, particularmente no desenvolvimento de hidrogênio verde.
Sobre a guerra na Ucrânia, espera-se que tanto a administração Lula quanto a Trump apoiem uma solução diplomática com base nas atuais condições do campo de batalha, favorecendo negociações imediatas em vez de escalada militar contínua. Essa abordagem se alinha com sua preferência compartilhada por uma resolução rápida, mesmo que isso signifique que a Ucrânia possa precisar negociar de sua posição atual em vez de esperar para fortalecer sua vantagem militar. Essa convergência na perspectiva diplomática pode ser reforçada ainda mais sob a nova administração, como sugerido pelo voto recente de Rubio contra ajuda militar adicional à Ucrânia.
Em termos de política regional, o governo brasileiro acredita que, para conter a China, os Estados Unidos precisam de uma agenda positiva de investimentos e abertura comercial. Nesse sentido, Mauricio Claver-Carone, enviado de Trump à região e ex-presidente do BID, publicou um artigo na AQ em julho de 2024 defendendo uma “diplomacia da prosperidade” como política para as Américas.
A questão premente é se essa perspectiva de aproximação estratégica e diálogo prevalecerá nas relações bilaterais. A incerteza decorre do fato de que, dentro do governo Trump, há grupos com visões divergentes sobre como abordar a América Latina, tanto de um ponto de vista geral quanto em casos mais sensíveis, como o relacionamento com a Venezuela, um tendendo mais para a colaboração e o outro, para demandas mais pesadas.
Em linhas gerais, a política externa de Trump para seu segundo mandato promete ser marcada pela mesma abordagem transacional que caracterizou sua primeira administração, sempre buscando maximizar o retorno do investimento americano em suas relações internacionais, mas agora com mais força, com equipes que se pautam pela lealdade ao presidente. E o principal componente da gestão de Trump nas relações internacionais continuará sendo a imprevisibilidade, o que torna particularmente desafiador antecipar a direção das relações com o Brasil a partir de 2025.
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