Questões internacionais - A DEMOCRACIA NA ROLETA RUSSA
Essa hegemonia foi uma forte ruptura com a era pré-globalização. Do final da Segunda Guerra Mundial até a década de 1970, período conhecido como “os anos de ouro do capitalismo”, a clivagem entre direita e esquerda se dava sobretudo na gestão da economia, com a esquerda promovendo o bem-estar social, ainda que em detrimento da inflação, e a direita priorizando a estabilidade monetária. Com a globalização financeira, essa diferenciação aos poucos se perdeu, dando lugar às pautas de costumes ou identitárias. As discordâncias remanescentes sobre a economia ficaram restritas às vicissitudes da conjuntura internacional (como um boom nos preços das commodities, a exemplo do que ocorreu nos anos 2000) e à implementação de políticas sociais tímidas, que não confrontam os parâmetros de disciplina fiscal. Embora essa tendência seja repleta de nuances e se manifeste de forma diferente em cada país, ela vem se consolidando desde o final do século XX e permanece inabalável apesar das crises que revelaram suas disfuncionalidades, como a de 2008, a pandemia de Covid e a crise ambiental em curso.
A segunda etapa do processo que nos trouxe até aqui foi a reação popular. A globalização prometeu desenvolvimento e prosperidade, mas o que se passou a observar, ao menos no mundo ocidental, foi uma crescente concentração de renda, acompanhada de recorrentes instabilidades financeiras e macroeconômicas (que inviabilizam o crescimento e o desenvolvimento) e do desmonte das políticas de bem-estar social. Sem ter a quem recorrer no establishment político, eleitores se tornaram facilmente cooptáveis pelo discurso de líderes populistas, que apontam a corrupção das elites como a causa de todo mal, apresentam-se como antissistema, reivindicam-se como legítimos representantes do povo e prometem soluções fáceis e autoritárias (a culpa é dos imigrantes, do comunismo, dos transsexuais etc.). Como resultado, populistas de extrema direita vêm se fortalecendo mundo afora, colocando em xeque instituições da democracia liberal. Isso se traduz na experiência de governos como os de Trump, Bolsonaro e Milei, e no crescimento de partidos extremistas como a Alternativa para a Alemanha e a Reunião Nacional, na França.
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