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Eduardo Vasco
strategic-culture.su/
O imperialismo quer uma mudança de regime no Brasil e a realizará antes das eleições de 2026.
O Brasil entrou definitivamente no radar dos Estados Unidos. Em um único dia, três ações acenderam um alerta para o governo brasileiro. Primeiro, novas declarações de Donald Trump em apoio a Jair Bolsonaro e contra as instituições brasileiras; depois, uma declaração semelhante da Embaixada dos EUA em Brasília; finalmente, o anúncio de tarifas de 50% sobre todos os produtos brasileiros, usando os mesmos argumentos políticos contra o atual governo brasileiro.
Embora ofuscado pelo anúncio de tarifas, o que mais me preocupa é o comunicado oficial emitido pela embaixada. Esta é a primeira vez em toda a história das relações bilaterais que a Embaixada dos EUA critica aberta e duramente o governo e as autoridades brasileiras, ao mesmo tempo em que defende uma figura da oposição. O comunicado ecoa as declarações de Trump, afirmando que o ex-presidente Bolsonaro e sua família "têm sido fortes parceiros dos Estados Unidos" e que eles e seus apoiadores estão sofrendo uma perseguição "vergonhosa".
Não há necessidade de uma embaixada emitir um comunicado só porque a Casa Branca comentou sobre a política local. O gesto da Embaixada dos EUA representa uma interferência maior na política brasileira do que as declarações de Trump. Mais do que isso: se uma embaixada emite tal comunicado, sabendo muito bem que desencadeará uma crise diplomática com acusações de interferência em assuntos internos, significa que o governo americano já está trabalhando nos bastidores para interferir concretamente na política interna do Brasil . Ou melhor, já está fazendo isso na prática.
De fato, no final de 2024, os esforços para desestabilizar o governo Lula se intensificaram , e 2025 começou com um breve ataque especulativo visando forçar o governo a adotar medidas de austeridade fiscal em benefício dos grandes bancos e do capital financeiro global. A pressão não produziu os resultados esperados. Os setores imperialistas e a burguesia brasileira – parceiros minoritários na dominação estrangeira do país – perceberam que a única solução seria derrubar o atual governo. O processo golpista havia começado .
Os partidos de direita aliados ao PT, como sempre, sabotavam o governo internamente desde o início, mas nos últimos meses começaram a desertar gradualmente. No Congresso, esses partidos travam uma guerra contra Lula. A mídia ecoa constantemente as demandas do grande capital: cortes em programas sociais, congelamento do salário mínimo, privatizações e distanciamento dos "autocratas" (Putin e Xi Jinping) com quem Lula busca se aproximar. O governo, por sua vez, parece perdido, preso a uma política de colaboração de classes que o obriga a seguir, pelo menos em parte, a cartilha estabelecida pelo Consenso de Washington – especialmente por meio do Ministério da Fazenda e do presidente do Banco Central.
A desestabilização impulsionada por instituições burguesas (bancos, agronegócio, multinacionais, Congresso, imprensa, think tanks etc.), agravada por alianças com inimigos e pela preservação das estruturas fiscais e econômicas construídas desde a década de 1980, transformou o governo em uma vítima vulnerável da mudança de regime planejada pelo imperialismo estadunidense. O governo Lula é extremamente frágil.
Uma União de Interesses
“O Brasil não tem sido bom para nós”, declarou Trump. O capital internacional como um todo sente o mesmo, assim como seus parceiros minoritários dentro do Brasil. Nesse sentido, há um ponto essencial de convergência entre o trumpismo e os setores tradicionais do imperialismo: a necessidade de derrubar o governo Lula. E o alvo central de tudo isso é justamente o presidente Lula, embora muitos afirmem que é o Supremo Tribunal Federal e o ministro Alexandre de Moraes – estes, na verdade, com suas ações absolutamente arbitrárias, estão trabalhando contra os interesses do Brasil e do próprio governo Lula. O presidente e seu partido pagarão caro pelas ações de Moraes e do Supremo Tribunal Federal, mesmo que não sejam diretamente responsáveis por elas.
Rubens Ricupero, ministro da Fazenda e embaixador em Washington durante parte da ascensão neoliberal e da submissão total aos EUA, acredita que as declarações de Trump são um "presente eleitoral" para Lula, pois reforçam a retórica nacionalista do líder brasileiro. Mas ele não consegue perceber que a interferência dos EUA na política brasileira vai muito além da retórica online de Trump. Lula só poderia aproveitar essa oportunidade – que se abriu não agora, mas quando Trump foi eleito pela primeira vez – se agisse na prática, não apenas no discurso, contra o avanço imperialista sobre o Brasil e pela verdadeira independência do país.
A atual política econômica de Lula não protege a soberania do Brasil. Nem suas alianças políticas. As classes dominantes brasileiras, que mantêm o governo refém desde a farsa de 8 de janeiro, não estão interessadas em um confronto com os Estados Unidos. Seu instinto de classe fala mais alto. A burguesia nacional brasileira mal tem nacionalidade.
Os produtos industriais vendidos pelo Brasil aos EUA, como tratores e autopeças, são fabricados por empresas americanas no Brasil e revendidos de volta aos EUA. A produção de aço "nacional" é controlada por uma empresa indiana (Arcelor Mittal) e uma ítalo-argentina (Rocca), sendo a maior parte exportada. Essas siderúrgicas "brasileiras" têm fábricas em outros países e podem facilmente exportar de lá para os EUA para contornar tarifas, transferindo a produção em massa para garantir lucros. Isso afetaria empregos e a indústria no Brasil? Claro – mas quem se importa, quando há países com mão de obra mais barata e onde as tarifas não se aplicariam!
Donald Trump afirmou que empresas "brasileiras" podem evitar tarifas transferindo a produção para os EUA, onde seu governo já oferece incentivos. Para permanecer no Brasil, essas empresas podem muito bem exigir mais isenções fiscais do governo brasileiro. E, como já vêm fazendo ao longo dessa campanha de desestabilização, exigir reformas neoliberais, desregulamentação, salários mais baixos e menos direitos trabalhistas. Afinal, como a burguesia "nacional" brasileira gosta de dizer, o custo de operar no Brasil é muito alto...
Essas mensagens já foram enviadas durante a primeira rodada de tarifas de Trump contra o Brasil. Instituições burguesas sugeriram que o governo brasileiro deveria agradar a Trump para que ele reduzisse as tarifas. Como? Eliminando “tarifas elevadas, burocracia regulatória, requisitos de conteúdo local, subsídios”, disse O Estado de S. Paulo . “Além de facilitar o acesso ao mercado americano, a medida beneficiaria os consumidores brasileiros com importações mais baratas”, concordou O Globo . Que bela demonstração de burguesia “nacional” nós temos! Esses são os mesmos jornais que apoiaram abertamente o golpe militar apoiado pelos EUA em 1964.
As convergências com o trumpismo superam em muito as divergências, apesar da aparência "antifascista". As tarifas de Trump gerarão desemprego no Brasil – que os empregadores há muito exigem para reduzir os salários. Elas desacelerarão a economia, que é criticada por estar superaquecida devido ao aumento do consumo. O capital financeiro internacional, por meio de seus agentes no Banco Central, trabalha incansavelmente para reduzir a inflação usando uma das maiores taxas de juros do mundo. Logo após o anúncio das novas tarifas de Trump, o mercado de ações caiu e o dólar subiu, o que pode levar ao aumento da inflação e à alta dos preços de combustíveis e alimentos se a tendência continuar. A especulação financeira, que domina a economia brasileira, agradece por isso.
A Câmara de Comércio dos EUA no Brasil pediu uma "solução negociada" entre os dois países – a mesma posição adotada pelos líderes empresariais brasileiros. Isso significa que o Brasil terá que ceder para que os EUA reduzam tarifas. Mas ceder o quê, se o Brasil não tomou nenhuma medida contra os EUA? Ceder exatamente o que serve aos interesses de uma maior abertura do mercado interno com as reformas neoliberais há muito alardeadas.
Nesse ritmo, uma aliança está sendo selada entre o trumpismo – protetor do bolsonarismo – e os agentes de setores imperialistas tradicionais no Brasil: os partidos do centrão, a grande mídia e as instituições estatais. Os bolsonaristas ganham mais poder de barganha, graças ao apoio do governo mais poderoso do mundo, em suas negociações com o centrão. O centrão, por sua vez, se beneficia da inelegibilidade de Bolsonaro e do apoio de setores empresariais importantes dos EUA (BlackRock, Bank of America e Citigroup aplaudiram Tarcísio de Freitas na Brazil Week em Nova York). Como concluiu recentemente a revista The Economist : “[se Bolsonaro nomear um sucessor] e a direita se unir em torno desse candidato antes das eleições de 2026, a presidência será deles”.
É perfeitamente previsível que, na tentativa de bloquear a aliança entre o bolsonarismo e o centrão, Lula e seu partido busquem um acordo com este último, apelando ao suposto nacionalismo das oligarquias locais. No entanto, a conhecida campanha de desestabilização está sendo impulsionada pelo próprio centrão.
Já era evidente que uma campanha golpista semelhante à que derrubou Dilma Rousseff estava em andamento. Naquela época, o centrão derrubou a presidente do PT e Michel Temer praticamente privatizou a Petrobras, promulgou reformas trabalhistas e previdenciárias parciais, promoveu a terceirização e estabeleceu o teto de gastos – algumas das medidas neoliberais mais duras em quase duas décadas. Mas o centrão já estava alinhado ao bolsonarismo e, de fato, essa campanha alimentou a ascensão da extrema direita – culminando na eleição de Bolsonaro após Lula ser preso pelo mesmo judiciário que agora se apresenta como seu aliado. Bolsonaro deu continuidade ao choque neoliberal de Temer, privatizando a Eletrobras e outras empresas, entregando o Banco Central e consolidando a reforma da previdência.
Portanto, Lula não poderá contar com o centrão para se defender do golpe em curso. Em quem mais ele poderá confiar, senão no próprio povo? Mas as ações de Lula, de seu Ministro da Fazenda e de seu governo de "frente ampla" com seus inimigos em nada contribuem para conquistar o apoio ativo do povo brasileiro. O único caminho que resta a Lula e ao PT é romper definitivamente com esses setores, implementar medidas emergenciais que revoguem as principais reformas neoliberais e garantir direitos trabalhistas e sociais às amplas massas, atacando seus inimigos e fortalecendo a organização popular – a única força capaz de socorrê-las.
O imperialismo quer uma mudança de regime no Brasil e a realizará antes das eleições de 2026. Os diferentes interesses dentro do imperialismo global estão convergindo para essa necessidade. Após um primeiro semestre de política externa ambígua, Donald Trump parece ter cedido à pressão dos falcões dentro e fora da Casa Branca, atacando o Irã e adotando uma postura intervencionista na guerra contra a Rússia na Ucrânia. O regime imperialista encontra-se em um estado muito frágil, e a corrida armamentista sinaliza a preparação de uma guerra global, enquanto os grandes capitalistas tentam se salvar do declínio total. Os Estados Unidos precisam proteger sua retaguarda no Hemisfério Ocidental e não podem permitir qualquer fonte de instabilidade decorrente da ascensão da China na América Latina – e o Brasil é a grande nação da região e parceiro da China. Daí a ascensão de regimes abertamente pró-americanos na Argentina, Equador, Paraguai e El Salvador. Daí a conspiração para derrubar governos inconvenientes, como o do Brasil.
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