A obra explora o seu papel na industrialização da URSS, na vitória contra o fascismo e na construção de um modelo alternativo ao capitalismo

Estaline: História e crítica de uma lenda negra, de Domenico Losurdo, é uma obra monumental que desafia as narrativas predominantes sobre a figura de Iósif Stalin, apresentando uma análise rigorosa e profundamente documentada que desmonta a propaganda anticomunista que demonizou o líder soviético durante décadas. Originalmente publicado em italiano e traduzido para várias línguas, este livro distingue-se pelo seu enfoque crítico e pela sua rejeição das simplificações históricas, convidando o leitor a reconsiderar os preconceitos impostos pela historiografia ocidental dominante.
O italiano Losurdo, um filósofo marxista de formação, não procura idealizar Estaline nem negar os aspetos controversos da sua liderança, mas contextualizar a sua figura dentro das complexas circunstâncias históricas, políticas e sociais da União Soviética no século XX. O autor argumenta que a demonização de Estaline tem sido uma ferramenta fundamental na propaganda anticomunista, concebida para deslegitimar não só a figura, mas também o projeto socialista no seu conjunto. Para isso, Losurdo desmonta os mitos construídos em torno de Estaline, como o do «tirano sanguinário» ou o «genocida irracional», e os contrasta com dados históricos comprovados e comparações que revelam uma imagem mais matizada.
Um dos pontos mais brilhantes do livro é a sua análise das fontes. Losurdo examina como muitas das acusações contra Stalin provêm de testemunhos exagerados, manipulados ou diretamente fabricados durante a Guerra Fria, especialmente por autores como Robert Conquest, cuja obra foi financiada e promovida por interesses anticomunistas. Por exemplo, o autor questiona os números inflacionados de vítimas atribuídas às purgas ou ao Gulag, mostrando como essas estimativas muitas vezes carecem de base documental sólida e foram revisadas para baixo por investigações mais recentes. Ao mesmo tempo, Losurdo não evita críticas legítimas: reconhece os erros, mas os situa no contexto de uma União Soviética assolada por ameaças internas e externas, desde a contrarrevolução até a agressão nazista.
Outro aspecto importante é a comparação que Losurdo estabelece entre Estaline e outros líderes históricos. Ele sublinha que, enquanto as violências do colonialismo ocidental — como as fomes induzidas pelo Império Britânico na Índia ou os massacres na África e no Médio Oriente — são frequentemente justificadas ou minimizadas, as ações de Estaline são apresentadas como excepcionalmente malévolas. Este duplo padrão, segundo o autor, evidencia um viés ideológico que busca preservar a hegemonia capitalista diante do desafio do socialismo.
A obra também explora o papel de Estaline na industrialização acelerada da URSS, a vitória contra o fascismo na Segunda Guerra Mundial e a construção de um modelo alternativo ao capitalismo. Losurdo argumenta que essas conquistas, que transformaram um país atrasado numa superpotência em poucas décadas, são deliberadamente obscurecidas pela narrativa anticomunista para enfatizar apenas os aspectos negativos.
Estaline, de Domenico Losurdo, é uma obra indispensável para quem busca compreender a história do século XX além dos clichés e caricaturas. Com um estilo erudito, mas acessível, o livro não apenas desmonta a propaganda que transformou Estaline num símbolo unidimensional do mal, mas também convida a uma reflexão crítica sobre os mecanismos do poder, a luta de classes e a construção da memória histórica. Sem cair em apologias, Losurdo consegue humanizar e complexificar uma figura que marcou uma era.

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