O Fim da História matou a ciência ocidental?

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Bruna Frascolla

Se as sanções de Trump incluírem tecnologia, teremos uma série de especialistas em gênero e diversidade chamando isso de sexismo.

O Instagram representa um novo modelo econômico; afinal, seus influenciadores podem gerar bilhões sem tornar nenhum país mais desenvolvido, mais rico ou mais sábio. Uma coisa é gastar dinheiro comprando uma geladeira, um carro ou um trator para a fazenda; outra coisa é gastar dinheiro com os conselhos de um coach ou com um suplemento alimentar milagroso. Se uma geladeira, um carro e um trator representam uma economia industrial e, por si só, trazem uma melhoria objetiva na qualidade de vida ou na produtividade, a atividade de um coach não requer nada além de saliva, e esses suplementos, que não exigem grandes empregos, são frequentemente importados da China. Pode-se dizer que o Instagram é o grande anúncio de classificados de uma economia desindustrializada, e que, nessa economia, golpes e esquemas de pirâmide são tratados como coisas decentes e naturais.

Como vimos em “O Papel do Instagram na Economia dos EUA”, esse novo estilo de comércio foi planejado na virada do milênio. Em 1999, um gerente de “marketing direto” do Yahoo publicou o livro “Marketing de Permissão: Transformando Estranhos em Amigos e Amigos em Clientes”, no qual apresentou suas ideias sobre “estruturas de permissão” e “marketing de permissão”. Segundo ele, a publicidade tradicional, chamada de “marketing de interrupção” (porque interrompe para oferecer o produto), estava em crise por dois motivos. Um, bastante direto, é que as pessoas já são bombardeadas com anúncios o tempo todo e não conseguem mais prestar atenção aos produtos oferecidos. Outro, não tão direto, é a estagnação: as coisas atingiram seu ponto de perfeição e as pessoas não se importam mais tanto com a qualidade, então é impossível convencê-las a abandonar suas marcas favoritas com base nas qualidades objetivas de novos produtos. A solução seria criar “estruturas de permissão”, nas quais não haveria interrupções porque o cliente estaria, na verdade, aguardando ansiosamente o amigo/vendedor que aparecesse para anunciar. O segredo seria o vendedor estabelecer um relacionamento especial com o cliente, e é por meio dessa conexão subjetiva, não das qualidades objetivas dos produtos, que ele consegue vender. Ora, esse vendedor nada mais é do que um influenciador do Instagram, um mestre em vender bugigangas inúteis com base em seu próprio carisma.

Os grandes tubarões deveriam estar esperando por este livro, já que uma tradução brasileira já estava disponível em 2000 e uma tradução alemã em 2001. Em 2006, o estrategista David Axelrod utilizou estruturas de permissão na bem-sucedida campanha eleitoral de Barack Obama, e o presidente levou a estratégia muito a sério. Em 2013 , a mídia notou que o termo misterioso "estruturas de permissão" fazia parte do jargão do presidente. Obama, como mostra o Wikileaks, estava bem ciente do poder das Big Techs.

No ano anterior, 2012, o Facebook adquiriu a plataforma de mídia social que os hipsters usavam para postar fotos de gatos e a transformou no enorme meio de publicidade que é o Instagram. Na mesma década, o próprio Facebook se tornou a ferramenta usada para convocar manifestações antigovernamentais em países árabes, Ucrânia, Brasil...

Voltemos ao início do milênio. No artigo anterior , vimos que em 2002 foi apresentado o modelo da Nova Universidade Americana: centralizada, interdisciplinar, fortemente métrica e, principalmente, dedicada ao aluno/cliente, em detrimento do corpo docente e da produção de conhecimento. Assim, no mesmo período em que os EUA decidiram que as universidades não seriam mais centros de produção de conhecimento, uma figura de destaque no incipiente marketing digital anunciou sua nova estratégia baseada justamente na premissa da estagnação tecnológica. Olhando para trás, podemos supor que, no início do milênio, as elites ocidentais já haviam decidido criar esse mundo desindustrializado de estagnação científica e tecnológica — e é por isso que inventaram esse modelo de universidade.

Em si, a defesa da estagnação não é uma novidade na virada do milênio. Na década de 1970, o malthusianismo expresso em livros como A Bomba Populacional (1968) e Limites do Crescimento (1972) exigia que os países do Terceiro Mundo parassem de se desenvolver. Em 1971, o embaixador brasileiro Araújo Castro denunciou esse movimento intelectual como “uma tendência ao congelamento do poder global”, que inclui “poder político, poder econômico, poder científico e tecnológico” (cf. Máfia Verde , capítulo 5). Ao forçar os países do Terceiro Mundo a manter suas florestas intocadas — nem mesmo permitindo a passagem de estradas ou redes elétricas — o Primeiro Mundo manteve sua própria liberdade de produzir, poluir, criar infraestrutura e assim por diante.

A novidade na virada do milênio parece ter sido o próprio congelamento do Primeiro Mundo. Quais são as conquistas ocidentais deste milênio? Na primeira década, tivemos as invenções da Apple, que resultaram na disseminação dos smartphones pelo mundo na década de 2010. Depois, esse campo estagnou. Na década de 2020, as novidades são uma "vacina" que fez mais mal do que bem, uma IA voltada para substituir a mão de obra humana da classe média por mão de obra de menor qualidade e o trabalho de Elon Musk. Trata-se de conhecimento excessivamente especializado, produzido em centros privados cercados de segredos comerciais. As universidades ocidentais hoje são irrelevantes. Elas foram substituídas por um punhado de empresas farmacêuticas, as falecidas Blackberry e Apple (na primeira década do milênio) e (agora) pelas empresas de Elon Musk.

É possível que essa estagnação seja a consequência lógica da crença de Fukuyama no Fim da História, uma teoria que atingiu seu auge na virada do milênio. Após a queda do Muro de Berlim em 1989, Francis Fukuyama decidiu que a história havia acabado porque a humanidade havia encontrado sua forma definitiva: todos os países seriam democracias liberais inseridas em um mercado global. A invasão do Iraque em 2003 foi alimentada por essa crença: os americanos acreditavam que derrubariam uma ditadura anacrônica e seriam recebidos como libertadores pelos iraquianos ávidos por democracia e McDonald's. Assim, é bem possível que a América do Fim da História tenha decidido que tudo o que faltava era a tecnologia da informação, para que o mundo inteiro descobrisse a democracia em seus celulares e organizasse manifestações no Facebook exigindo McDonald's. Se o Fim da História já chegou, se já estamos no auge, não faz sentido investir pesadamente em mais conhecimento e tecnologia. Além disso, não faz sentido sequer temer a concorrência de potências rivais. Isso explica por que as armas russas e iranianas podem surpreender o Ocidente na guerra, e por que a tecnologia chinesa pode deixar o Ocidente em apuros na competição comercial.

Infelizmente, o Brasil se deixou levar por esse novo modelo de universidade. Se as sanções de Trump incluírem tecnologia, teremos uma enxurrada de especialistas em gênero e diversidade chamando isso de sexismo.

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